segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Swaraj dos Hindus [1947]


No final do século XIX, a Índia tornou-se o maior território e a mais durável e lucrativa dentre todas as possessões coloniais britânicas. Desde a época em que a primeira expedição lá desembarcara, em 1608, até a partida do vice-rei britânico, em 1947, a Índia exerceu enorme influência sobre a vida da metrópole desde os negócios e a guerra até no âmbito da cultura e imaginação, segundo Edward Said em “Cultura e Imperialismo”. Outras mudanças de atitudes já vinham ocorrendo entre a casta dominante de funcionários coloniais britânicos, civis e militares, em decorrência da Revolta de 1857, dos ‘chapatis voadores’.

Em 1885, a Índia estava adiantada rumo a uma dinâmica de oposição ao domínio britânico, quando foi fundado o Congresso Nacional Indiano. De 1905 a 1910 ocorreu a primeira fase da militância nacionalista indiana em grande parte em termos ‘nativistas’, especialmente entre jovens ‘terroristas’ de Bengala. Mohandas Karamchand Gandhi [1869-1949] acabou por mobilizar aldeias e bazares da Índia, às dezenas de milhões, com o mesmo apelo ao nacionalismo espiritual hindu. Neste mesmo período, ainda no início do nacionalismo indiano, Bal Ganghadar Tilak supôs que a melhor forma de conquistar o apoio das massas, defendendo a santidade das vacas, o casamento de meninas de dez anos, a afirmação da superioridade espiritual da antiga civilização hindu sobre a civilização ocidental moderna. De outro modo, Gandhi teve o cuidado, porém, de não romper por completo com os modernizadores e de entrar num antagonismo com a Índia maometana.

Foi Gandhi quem praticamente inventou a imagem do político como ‘santo’, a revolução pelo ato coletivo de ‘não-cooperação não violenta’, inclusive a modernização social – como a rejeição ao sistema de castas, através do próprio potencial reformador da mutação do hinduísmo em evolução –, de acordo com Eric Hobsbawm em “Era dos Extremos”. A Grã-Bretanha não conseguiu uma estratégia fácil para manter o controle da Índia, onde o slogan do ‘autogoverno’ [swaraj], adotado pelo Partido do Congresso pela primeira vez em 1906, agora se aproximava cada vez mais da sua realização. Os anos de 1918 a 1922 transformaram a política nacionalista de massa no subcontinente indiano: [1] porque as massas muçulmanas se voltaram contra os britânicos; [2] pela sangrenta histeria de um general britânico, em 1919 no ‘Massacre de Amristar’, que massacrou uma multidão desarmada numa área sem saída; [3] pela combinação de uma onda de greves operárias com desobediência civil em massa convocada por Gandhi e um congresso radicalizado. Um estado de espírito quase milenar tomou o movimento de libertação: Gandhi anunciou que o swaraj seria conquistado até o fim de 1921.

O governo da Índia se viu numa situação em que as cidades estavam paralisadas pela ‘não-cooperação’ e o campo achava-se em polvorosa, em grandes áreas do norte da Índia, Bengala, Orissa e Assam, além de uma população maometana indisposta em todo país. A Índia tornou-se ingovernável e só a hesitação dos líderes do Congresso, incluindo Gandhi, em mergulhar o país numa insurreição incontrolável das massas e a convicção dos nacionalistas, teria salvado o domínio britânico. Depois que Gandhi suspendeu a campanha de desobediência civil no início de 1922, alegando que ela levara ao massacre de policiais numa aldeia, pode-se afirmar que o domínio da Grã-Bretanha na Índia já dependia da moderação de Gandhi, muito mais do que o exército e da polícia. O futuro da Grã-Bretanha na Índia passou a depender de um acordo com as elites indianas, incluindo os nacionalistas. O fim do domínio unilateral britânico na Índia a partir daí passou a ser uma questão de tempo. O Partido do Congresso ainda lançou o movimento ‘Deixe a Índia’ em 1942, enquanto o radical bengali Subhas Bose recrutava um Exército de Libertação Indiana. Um homem como Jawaharlal Nehru não hesitou em se lançar na rebelião do ‘Deixe a Índia’ no ano da crise do império britânico. A Grã-Bretanha aprendera com a longa experiência na Índia, que a partir do surgimento de movimentos nacionalistas sérios, a única maneira de manter as vantagens do império era abrir mão do poder formal.

Os britânicos retiraram-se do subcontinente indiano em 1947, antes que se tornasse patente sua incapacidade para controlá-lo, e sem a menor resistência. Gandhi teve um êxito muito acima do esperado e, do temido, no entanto, como ele próprio reconheceu no fim da vida: fracassei em meu esforço fundamental, disse ele, antes de ser assassinado por um militante de tradição tilakiana de exclusivismo hindu. No fim, a Índia ‘livre’ seria governada por aqueles que não se voltaram para uma ressurreição da Índia dos tempos antigos. Partha Chatterjee afirmou, em “Nacionalist Though and the Colonial World: a Derivative Discourse?”, que a libertação nacional e a soberania nacional contribuem para a organização e o funcionamento de uma hierarquia capitalista global: o Estado nacional segue a fim de encontrar um lugar para a nação sob a ordem global do capital, enquanto se empenha em manter em suspenso as contradições entre o capital e o povo. Segundo Chatterjee, grande parte do pensamento nacionalista na Índia dependeu da realidade colonial, seja para opor-se a ele, seja para afirmar uma consciência patriótica. O marco radical do nacionalismo foi, para ele, alcançado na total oposição de Mahatma Gandhi à civilização ocidental, enquanto a façanha de Jawaharlal Nehru foi tomar a nação indiana e depositá-la inteiramente nos marcos do Estado, uma vez libertados da modernidade por Gandhi. O novo Estado nacional foi estabelecido e governado, não por profetas e poetas rebeldes, mas, no caso da Índia, por Nehru, um estadista ‘pragmático e compenetrado’. Para Chatterjee, camponeses e pobres são muito bem comandados por paixões e não pela razão, isto é, podem ser mobilizados por poetas como Tagore e por presenças carismáticas como a de Gandhi; mas depois da independência toda essa gente foi absorvida por um Estado.

A Índia se sujeitou, por fim, a um processo racional baseado em normas externas, pela lógica do capitalismo mundial comandada pelos principais países industriais. Houve, sobretudo, uma Libertação Nacional conseguida à custa da sangrenta divisão da Índia num Paquistão muçulmano e numa Índia não religiosa, mas esmagadoramente hindu; que não fazia parte do plano dos governos imperiais nem nacionalistas indianos, muito menos dos movimentos muçulmanos.

À custa de centenas de milhares de pessoas massacradas por adversários religiosos e outros milhões de habitantes expulsos de suas terras ancestrais para o que era agora um país estrangeiro. A guerra que dividiu a Índia em duas foi o último suspiro da exaustão do domínio britânico. O Paquistão e a Índia expandiram o raio de alcance de seus mísseis e, em algum ponto, é provável que também tenham capacidade de poder atingir alvos no Ocidente. Assusta-nos se a tradição antimodernista Tilak, representado pelo militante partido BJP, tem sido o grande foco de oposição popular? Em “The Colors of Violence: Cultural Identities, Religions and Conflicts” de Sudhir Kakar, a Índia tornou-se o lugar onde uma nova identidade hindu está sendo construída em resposta às tensões e alienações geradas pela modernização; ou a breve tentativa de Mahatma Gandhi, de um hinduísmo ao mesmo tempo popular e progressista, desapareceu de vista, ou ‘Deixe a Índia’?!

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