sábado, 30 de maio de 2009

Tanatocracia – Propagação da Fobia


Fabricar o medo e vender insegurança revela as antípodas e os escombros do bem-estar. Da saturação dos nimbus às pulsões mais sórdidas, passando por surtos epidemiológicos que se espalham rapidamente, a trama da violência envolve populações através de objetivas e satélites. A serviço de uma estratégia liberal, a imprensa busca limitar o estatismo por meio da divulgação da violência (ecológica, sanitarista, maquínica, criminológica, semiotécnica), isto é, julgar as diversas técnicas de segurança do Welfare State[1]. Se a imprensa identifica o Estado como policial é porque ela usa os mesmos meios para trazer à tona a insegurança proveniente de ‘crimes sem razão’ e de ‘catástrofes’ que até parecem ser inovações jurídicas - as mais novas invenções criminológicas.

O ‘catastrofismo’ acontece como se desastres ecológicos ocorressem apenas em países pobres, africanos, latino-americanos e asiáticos. Assim, ou os tornados sazonais no oeste norte-americano não tiraram o sono da população como o furacão que deixou Nova Orleans submersa, ou os EUA se tornaram pobres. Trata-se de enchentes, tempestades, furacões, vulcões em erupções: a natureza se rebela onde ricos e pobres não faz diferença? Num país com latitudes equatoriais, as tempestades contradizem toda a lógica climática? O que se questiona é, entretanto, a superexposição midiática da violência climática[2]. Campanhas voluntárias, mobilizações locais, estados de calamidade pública, defesas civis surpreendidas padecem inevitavelmente, mesmo com ajudas financeiras do governo federal. A violência climática levou o medo para raias desmedidas e qualquer estratégia do Estado se torna difusa, afinal, envolvem-se técnicas de segurança indefinidas, pois no espaço ‘natural’ desenrolam-se séries de elementos aleatórios. Um grande ataque afeta uma população, destrói cidades e estradas, além de surpreender a polícia do Estado (defesa civil, IBAMA, bombeiros, militares, etc.). Acontecimentos desastrosos que ocorrem numa fração de minutos, mas demoram, às vezes, anos para serem reconstruídos, cujos culpados estão longe, escondidos em causas antrópicas, industriais. Dados naturais (pântanos, chuvas, rios, pântanos) e dados artificiais (aglomeração de indivíduos, aglomeração de casas) compõem as estatísticas de governo, que favorecem os seus cálculos para assegurar a vida dos alagados, ou de modo amplo, das vítimas da natureza.

Vítimas da circulação de vírus mutantes (gripe aviária e suína) têm chamado a atenção da mídia tanto quanto os deslocamentos de massas de ar. Cada vez mais cabe ao Estado policiar os fluxos, mas com o avanço tecnológico, torna-se necessário e, acima de tudo, possível calcular os movimentos dos hospedeiros de vírus (monitoramento) e das precipitações. Ao se tratar de uma pandemia ou epidemia, com veículos muito velozes, amplia a possibilidade, caso ocorram erros milimétricos no monitoramento dos possíveis casos de contaminação, de um contágio em escala global. Parece que monitorar um indivíduo, com sintomas de uma doença, e promover seu isolamento compõe uma técnica que remonta ao século XIV, os antigos leprosários europeus. A lepra foi extinta sem mesmo se ter a cura da doença, apenas com a vigilância da população, a identificação dos doentes e a sua exclusão em ambientes distantes da cidade, para minimizar o contágio[3]. Não se interroga, pois, se há ou não poder médico no Brasil capaz de lidar com pandemias, mas questiona-se o bombardeio de temas epidêmicos na imprensa, com o objetivo de informar a população. O Estado governa a circulação, mas desde o século XVII não se limita apenas os fluxos de mercadorias e pessoas, ele busca policiar os perigos que tendem a modificar o destino biológico da espécie humana.

Além das catástrofes e das epidemias, há ‘desastres maquínicos’. O ambiente da violência é cercado por distúrbios e desvios tecnológicos. As “arapucas da internet”, os “remédios falsos” e os “desastres aéreos” complementam a paisagem da violência focalizada pelos mass media, onde larápios da rede invadem contas bancárias, comercializam produtos inexistentes, com programas que furtam senhas e torna o Brasil o quarto país mais infectado do mundo[4]; remédios falsificados, contrabandeados, sem registro colocam a vida em risco e, pelo menos 20% dos medicamentos vendidos no Brasil são ilegais[5]; e, sem dúvida, o “caos aéreo” foi, em 2007, o auge do pânico mais bem arquitetado e centrado nos acidentes que envolvem aeronaves e aeroportos no país. Neste ambiente corrompido e virulento, passível de desastres e catástrofes, os grupos se organizam. De um lado, milicianos, traficantes e organizações terroristas, de outro, parricídios, infanticídios e pedófilos.

Trata-se de irregularidades que se manifestam em comunidades inteiras, vítimas das milícias e do tráfico (de armas e drogas), do terror que daí se emana[6], mas também de distúrbios psiquiátricos e criminológicos que se desencadeiam em indivíduos específicos como os pais (infanticidas) e de filhos (parricidas), também de casos questionáveis de padres pedófilos[7]. A pulverização da criminalidade no espaço comunitário e privado intercepta uma micrologia social dos atentados passionais ao fluxo de drogas, de pedágios e armas[8]. Mais próximo o perigo torna-se aleatório: como se a imprevisibilidade da violência ecológica emprestasse seu poder aos crimes domiciliares. Violência contra as mulheres, estupros e pedofilia são campanhas que denunciam torturas e maus-tratos, mas perdem eficácia na ótica midiática, porque não causam mortes, apesar de serem tão cruéis. Movimentos Negros, indígenas, homossexuais tornam-se tribos que se agregam singularmente em uma série de queixas coletivas e exprimem uma espécie de ‘semiologia da violência’.

Há pelo menos dois regimes de signos capazes de rostificar[9] processos de subjetivação distintos que ora considera o “trabalho” ora a “linhagem” como ponto de partida. O que isto quer dizer? Em torno da “classe” e da “raça” grupos se territorializam. No Brasil, os ‘sem-terra’, em torno da terra como meio de produção, e os ‘neonazistas’, com sua paranóia política e sua tara étnica, ilustram a relação desses regimes semiológicos que formalizam a organização das minorias. A violência no campo e a do nazismo parece ocupar as fissuras das contradições capitalistas e a pureza racial utópica do Estado-nação. Enquanto um grupo luta para tornar produtivas terras devolutas, o outro grupo aspira a uma sociedade imaginada com desejo separatista, da autonomia da região sul-sudeste[10].

Violência, pois, à medida que a economia mundial entra em nova fase de expansão, as flutuações tornam-se mais caóticas. Immanuel Wallerstein escreveu, no seu livro “O Declínio do Poder Americano”, que podemos esperar que decresça o grau de segurança coletiva e individual, ao mesmo tempo em que as estruturas estatais perdem legitimidade – o que aumenta a violência no dia-a-dia. Recrudescimento mundial do antiestatismo, tangenciado pelas propagandas dos mass media, que amplia o ceticismo sobre a capacidade do Estado manter a ordem social. Liberar, portanto, a ‘violência da natureza’ e os ‘desastres maquínicos’ como uma imagem ampliada do meio pelo qual os ‘medos sociais’ são elencados pelos meios de comunicação, assim as pessoas tendem a retirar o papel dos Estados como fornecedor de segurança. Violência como um impacto e efeito da informação, serve-se, para tanto, da bomba atômica norte-coreana, dos campos de refugiados, do terrorismo muçulmano, das favelas cariocas, do “war on drug”, da libertação nacional e da fome. Paixão dos liberais ou neoliberais, ao usar a violência para transformar a opinião pública e, simultaneamente, instaurar uma ‘tanatocracia’[11] em uma fobia generalizada capaz de desmantelar o Welfare State. Telespectadores da barbárie, com câmera em punho, na tanatocracia, melhor utiliza os seus quinze minutos de fama, aquele que filmar um ato de violência intenso, capaz de proliferar o medo onde, exatamente, o sangue se torna fantasia e ilusão.


Notas:

[1] Hardt e Negri definiram, em “Império”, a trindade do Estado de Bem-Estar Social: 1) Taylorismo na organização do trabalho; 2) Fordismo no regime salarial; 3) Keynesianismo na regulamentação macroeconômica.
[2] Recentemente enchentes assustaram a população, de outubro de 2008 a maio de 2009, mais ou menos, no Brasil foram identificadas enchentes calamitosas do sul-sudeste ao norte-nordeste.
[3] Michel Foucault em diversos livros como em “História da Loucura na Idade Clássica,” “Vigiar e Punir” e “Segurança, Território e População” analisou as técnicas médicas e sanitaristas contra a lepra, a peste e a inoculação da varíola na Europa.
[4] “A Tentação do Clique” foi manchete de capa da Revista Veja em 20 de maio de 2009.
[5] A Revista Istoé de 27 de maio de 2009 divulgou a reportagem “Remédios Falsos”.
[6] Ressalta-se a relação da produção de drogas nos Andes (FARC) e a sua comercialização nas metrópoles brasileiras, em geral, controlada pelos comandos CV e PCC. Identificar as FARC como grupo terrorista não foi tarefa difícil para os EUA, com o Plano Colômbia, a ajuda de Uribe e a instauração de uma guerra ao terror designada War on Drugs.
[7] Slavoj Zizek questionou, em seu livro “Bem-vindo ao Deserto do Real”, a Opus Dei (‘máfia branca’ da Igreja) que intervém, sob suprema obediência ao papa, para abafar os casos generalizados de abuso sexual de meninos por padres, cuja sexualidae explode de forma patológica, o que contribui para não permitir o casamento de párocos católicos.
[8] “Desafio Metropolitano”, “A Prisão e a Ágora” e “Fobópole” são livros de Marcelo Lopes de Souza com abrangente questionamento sobre as estratégias dos traficantes de drogas e milicianos, enfatizando a fragmentação do espaço metropolitano brasileiro.
[9] Deleuze e Guattari analisaram os regimes de signos na promoção da rostidade em “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia”.
[10] O texto sobre “A Sociedade Secreta dos Novos Nazistas Brasileiros” foi publicado pela Istoé no dia 20 de maio de 2009.
[11] Tanatocracia é uma analogia de um regime de governo cunhada à imagem de Tanatos: figura demoníaca na mitologia grega e que denominou a pulsão de morte na psicanálise freudiana.


quarta-feira, 27 de maio de 2009

Micropolítica da Paranóia


As câmeras captam tudo: “para onde vai a nossa carga tributária”? Realmente essa é uma pergunta muito perigosa. Em primeiro lugar, todos nós sabemos da relação inversa que existe entre impostos e manutenção dos preços, assim como entre juros e inflação, de modo amplo, como somar e subtrair ou dividir e multiplicar. Trata-se de operações econômicas outrora experimentadas no Brasil. Os preços tendem a subir exorbitantemente sem a premissa dos impostos, da mesma maneira que a moeda inflaciona o mercado com juros baixos. Quem dera se fosse simples assim, como a imprensa nos mostra: há 60% de impostos no preço de um pote de manteiga, então pagaríamos apenas 40% desse pote se não houvesse impostos. O primeiro impacto da redução dos impostos seria cair, lógico, os preços, muito além até da pura subtração dos impostos no preço das mercadorias. Alcança-se um valor suficiente para impactar na concorrência, ou seja, só os grandes proprietários poderiam sustentar preços tão baixos, o que quebra os pequenos produtores e, num segundo momento, livres dos impostos e da concorrência, os preços elevam-se para os empresários que resistiram ao mercado. Linha descendente, depois, curva vertiginosamente ascendente dos preços. Por isso as pessoas se perguntam: por que mesmo pagando mais impostos, os preços ainda assim são mais baixos que em governos precedentes? Já ouvimos o argumento de alguns cidadãos que dizem: “há pouco tempo atrás, o salário era cem reais, mas cinco quilos de arroz era quinze, e que hoje o salário é mais de quatrocentos reais, enquanto cinco quilos de arroz custam sete reais”. Em segundo lugar, pagar sessenta por cento de nossa renda com impostos tem outra contrapartida nos ‘serviços públicos’, que acabam concorrendo com a rede particular de ensino e os planos de saúde. Claro que a classe média trata os impostos com escárnio, eles podem pagar qualquer preço pelas melhores marcas, utilizam serviços médicos, educacionais e de segurança privados. Pobres e ricos pagam impostos, mas grande parcela da população pobre é a que utiliza os serviços públicos. Um cidadão se priva de pagar consultas, remédios e internações, com as políticas do SUS – certamente não é um resort hospitalar sírio-libanês, mas oferece cuidados elementares de saúde. A população vive dos serviços educacionais mantidos com impostos municipais, estaduais e federais - ultimamente universidades e escolas técnicas federais ampliaram sua rede. Certamente, há necessidade de transparência e ética nos gastos públicos, mas vêem-se financiamentos para casa própria, com sua origem no FGTS; a redução dos preços dos automóveis, eletrodomésticos através do IPI; sabe-se que o CPMF retorna como fundo de participação dos municípios. Para onde vai a carga tributária? Embora a imagem econômica midiática seja caótica, a obscura aparição dos impostos se esclarece porque contribui para regular os preços e oferecer serviços públicos de atendimento, que são as contrapartidas inquestionáveis do impacto dos impostos na economia.

Resta a fórmula mágica, solução politicamente correta, panacéia que sempre se formula: a educação. A educação é o elixir do desenvolvimento – caminho para a prosperidade. Nem se questiona o reducionismo pedagógico e a impressionante responsabilidade da instituição escolar, ou seja, os sujeitos se matam, seqüestram, estupram e, nós, professores é que temos a responsabilidade de conduzir a sociedade à prosperidade? A que preço? Trata-se de uma guerra intestina que corre nos interstícios da sociedade, onde pais matam filhos, filhos matam pais[1], alunos esmurram professores, professores espancam alunos, haja câmeras... Não há dúvida, o problema é educacional, mas não é somente nas escolas que esse processo deve se desenvolver. Família, policiais, médicos, repórteres, juristas, todos devem contribuir com sua parte: a escola está ilhada, entretanto, televisionada vinte e quatro horas por dia. Um líder autoritário na Coréia do Norte quer provocar uma intimidação nuclear global, evidente que se trata de um resíduo ativo dos longínquos cinquenta anos de guerra fria, período de corrida militar entre EUA e URSS, tendo como base armas como as nucleares. Em um diagnóstico simplista, o problema norte-coreano, entretanto, vai ser o seu pouco investimento em educação, afinal, segundo os mass media só há altos investimentos em instituições militares. Que sigam outro modelo, afinal, a Europa, berço clássico do saber, foi palco de aguerridos conflitos em todo século vinte. Educação sim, a diferença passa por aí, mas o que se questiona é por que não investir em setores de alta tecnologia, de modo que instituições de pesquisa, universidades, forças armadas, capital privado e público, nacional e internacional se desenvolvam em cadeia? Privilegiam-se e criam-se intelectuais e especialistas, com efeito, cada vez mais adequados ao mercado, à imagem liberal do capital humano? É certo que a educação é um fio-condutor capaz de perpassar, por exemplo, toda a produção de tecnologia de petróleo e aeroespacial, como se percebe no CENPES/UFRJ e no ITA, no Brasil. Diferentemente de um paranóico que desenvolve tecnologia restritamente para a guerra. Investimento em bomba é de uma natureza completamente diferente de investimento tecnológico.

A guerra civil e global, portanto, passam pelos impostos e pelo investimento tributário em serviços de segurança para a população. Se a educação é a solução para rompantes nucleares, dos EUA, da antiga URRSS ao seu filho caçula, a Coréia do Norte, ela soluciona também os problemas cariocas e paulistas do crime generalizado. Mas a solução que os setores mais privilegiados da sociedade encontrou foi se monitorar através de câmeras[2]. À esteira de um espaço cibernético, telemático e informacional consolidado no país, uma ‘Paixão por Segurança’ ou uma ‘Micropolítica da Paranóia’ contagiam condomínios inteiros, invadem as metrópoles, onde todos se armam, mas há nas mãos câmeras fotográficas e filmadoras. Enquanto os crimes tornam-se acontecimentos ideais ou imagéticos, as prisões caem em ruínas – ‘política do caos’ que se serve de imagens erodidas impressas em um ambiente arruinado, erodido, corrompido, devastado. Os criminosos acabam sendo fabricados pela ótica da imprensa com atributos técnicos anatômicos, patológicos, jurídicos em uma massa indiferenciada onde se qualificam milicianos e traficantes misturados com pequenos Édipos e Brutus em miniaturas[3], cotidianos e passionais. No fundo, encontram-se cercas, muros, grades muito bem televisionadas e eletrocutáveis. Mas como os educadores se sentiriam se o boom da videografia se atenuasse? Câmeras, máquinas fotográficas, celulares estão em todas as mãos. Afinal esses instrumentos deveriam ser considerados armas[4], em suas devidas proporções, assim como uma bomba nuclear. Capturar imagens e publicar na web – policiar também, moralizar sempre numa reinvenção constante de crimes. De fato, a imprensa é cada vez mais policial e tem se esforçado com sucesso para estar no local do crime antes de sua ocorrência. Interrogatório com câmeras escondidas produz veredictos, verdades, micro-tribunais caóticos que se proliferam. A imagem torna-se inquestionável. Na expectativa de sua invenção ou geração, a imagem se torna o ápice grandioso da revelação da verdade, não da informação. Ninguém informa nada: dizem-se verdades. Império da racionalidade da imagem (a se construir ou já construída) assim os mass media educam na fronteira entre ricos e pobres.

Saint Laurent, Van Gogh, Dom Quixote, Escadinha, instituições democráticas, ética e transparência, juros e impostos, panacéia da educação, anões do orçamento, mensalões são imagens construídas e desconstruídas pelas ilhas de montagem dos estúdios de algumas emissoras brasileiras. Não precisa ser um analista de discurso treinado no Collège de France para identificar o eurocentrismo cultural[5] e o economicismo norte-americano[6] ovacionados por esses centros de comunicação localizados, geralmente, em São Paulo e Rio de Janeiro – o Brasil é tão mais amplo que essa ponte aérea, mas... Gritem, gritem incansavelmente... Que os juros e os impostos caiam! Com efeito, é o mesmo que berrar que os preços e a inflação subam! Portanto, observa-se um midiático mecanismo de desinformação, que organiza a arena econômica do caos e arma os cidadãos, com a popularidade das câmeras portáteis, contra a criminalidade. A guerra civil é televisionada. Em nome da natureza, cerquem as franjas das favelas cariocas! Onde uns muros caem, outros são erigidos. Fronteiras reais marcam nosso espaço urbano, privatizado e altamente policiado... em suas câmeras frias, televisiona-se tudo. Conferindo as cercas elétricas dos seus muros, o servo paranóico quer, pelo menos, filmar a sua própria pilhagem, alimentar seu medo[7] e reproduzir a tele-pedagogia do enclausuramento, que encerra o espaço público e se serve de generalizado apartheid!

Notas:

[1] Amplamente divulgados pela imprensa os casos, de Eloá, 15 anos, que foi morta com dois tiros, um deles na cabeça, disparados pelo ex-namorado Lindemberg Alves; o complexo enredo do crime realizado pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, assassinos confessos dos pais de Suzane Von Richthofen; o parricida, ex-seminarista Gil Rugai de 25 anos, acusado de matar o pai e a madrasta em 2004; o caso de Isabella Nardoni, no colo, o seu pai (Alexandre Nardoni) subiu na cama, deixando no lençol marcas dos chinelos que usava. Aproximou-se da janela, introduziu Isabella no orifício da tela e soltou-a de uma altura de 20 metros.
[2] Michel Foucault criou, em “Vigiar e Punir”, a partir de Jeremy Bentham, uma das imagens arquiteturais do poder de vigiar, próprio do século XVIII/XIX organizado para ser difundido nos meios institucionais disciplinares, enquanto, no século XXI, com o auxílio da televigilância, semelhante a imagem do Sinóptico de Zygmunt Bauman descrito no seu livro “Globalização: Consequências Humanas”.
[3] Brutus é o líder romano que, ao matar seus filhos, manifesta o gesto de adotar seus súditos, como em “Homo Sacer” de Giorgio Agamben, assim como Édipo-rei matou seu pai e se casou com sua mãe, mito trágico grego escrito por Sófocles.
[4] Paul Virilio analisou as relações entre a tecnologia de visão e as guerras mundiais em “Guerra e Cinema” bem como definiu as estratégias que se estabelecem entre os instrumentos de investigação policial e jurídica com os meios de comunicação em “Máquina de Visão”.
[5] Eurocentrismo é o cerne duro do debate antropológico presente entre teóricos pós-coloniais como Stuart Hall, Homi K. Bhabha, W. Mignolo.
[6] A respeito da decadência do modelo econômico norte-americano, destaca-se “O Declínio do Poder Americano” de Immanuel Wallerstein.
[7] “Fobópole”, escrito por Marcelo Lopes de Souza, analisa o medo generalizado em detrimento da militarização urbana no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Petróleo e Imperium Capitalista


Sabe-se que o Imperialismo Capitalista nem sempre escondeu sua fusão contraditória entre ‘a política do Estado e do Império’ e os ‘processos moleculares de acumulação do capital no espaço e no tempo’, revelando múltiplas relações entre política e economia[1]. Analisa-se, pois, com acuidade, a ‘política do petróleo’ como um paradigma da economia imperialista pós-guerra, ou seja, a busca paranóica norte-americana por controlar reservas de petróleo no mundo, o que sinaliza uma economia orientada tanto para a guerra quanto para promoção de uma mercadoria singular que também cumpra, no final do século XX, um papel semelhante ao do ouro no imperialismo ibérico do século XVI.

A passagem do controle inglês no Oriente Médio para os americanos é relativamente recente, marco da descolonização nas décadas de 1950-60. Esta passagem não se sucedeu sem resistências e conflitos, o primeiro boicote do petróleo pela OPEP e em seguida a grande elevação dos preços, em 1973, tornou cada vez mais ilusória a manutenção de um domínio indireto e distante dos representantes. Controlar o Oriente Médio é controlar a torneira de petróleo e a economia global. Os EUA estimularam o Iraque na guerra contra o Irã, com efeito, foi possível verificar um crescimento do poder iraquiano, que lhe incitou até a Guerra do Golfo. Mantém-se a geopolítica da guerra contra o Iraque, até torná-los clientes americanos. Atualmente os Estados Unidos receberam intensa oposição no Iraque, devido a associação estabelecida entre guerra e petróleo, por isso suas empresas foram excluídas desses campos de petróleo.

Um plano de implantação da democracia no Iraque favorável aos Estados Unidos envolve algumas estratégias de configuração regional do poder político-econômico no Oriente Médio para a hegemonia global yankee[2]: [a] derrubar Chávez e Saddam; [b] armar Sauditas e Judeus; [c] passar os conflitos do Iraque para o Irã; [d] impor presenças militares na Ásia Central (domínio do Mar Cáspio); [e] deste modo, os EUA dominariam as maiores reservas do mundo e a economia global nos próximos 50 anos[3].

Este é apenas um panorama global pelo qual o petróleo se enquadrou na economia imperial do século XX. Afora os sentimentos patriotas e as afecções populistas, nacionalmente centrados, que rondaram a origem da Petrobras, então não resta dúvida que uma investigação na estatal vai interferir nas suas atividades pelo mundo. A Petrobras não representa só os interesses do Brasil, há capital privado e externo aplicado na empresa. O discurso neoliberal parece muito simplista e não observou atentamente a este aspecto internacional que envolve uma multinacional deste porte com os efeitos estonteantes da crise global atual; eles estão focalizados objetivamente nos resultados das próximas eleições, afinal os opositores limitaram-se aos interesses locais ou internos referidos a Petrobras, strictu sensu, enunciado claramente pelo mote do patriotismo[4].

É preciso ressaltar a função do petróleo na economia política mundial, assim, promover no país um inquérito sobre as atividades da Petrobrás é no mínimo um ‘paradoxo político’ irrefutável, ao mesmo tempo em que se percebem, no circuito interno da política brasileira, efeitos tendenciosos dessas ‘irregularidades econômicas’. Referir-se, em primeiro lugar, a um ‘paradoxo político’ irrefutável é destacar o posicionamento de patriotas (governista) e privatistas (oposicionista) nesses inquéritos. Óbvio que, tal como nos informa Leitão, “a Petrobras nunca foi colocada no programa de privatização, e vendê-la seria um erro gigantesco porque se criaria um monstro”, o que não justifica muita coisa, afinal quem está sendo questionado como privatista são os próprios opositores, não se discute se a empresa vai ou não ser privatizada e porque não foi; monstro por mostro, o capitalismo é tão monstruoso como o neoliberalismo, que encontra principalmente nas leis do mercado e das privatizações a sua articulação com o capital. Ou seja, uma comissão de inquérito sobre a Petrobras só beneficia a oposição, mais uma vez, Leitão tem razão quando escreveu que “a Petrobras não sairá de lá [CPI] desmoralizada, não perderá reputação”, lógico, a inspeção não se direciona a ela, afinal “não é ela que está sendo analisada, mas sim a atual administração [Lula], por seus supostos erros e omissões”. Resulta daí um paradoxo, em que a oposição segue em significativa desvantagem: se a situação é julgada por se vangloriar de um patriotismo relativo a empresa, onde se destaca a auto-suficiência, o pré-sal e os seus altos lucros, então a oposição acabou se levando ao julgamento que a responsabiliza pelas privatizações que fez no país. Assim, encontrar irregularidades numa estatal desse porte justifica a pauta de privatizações tucana, além de por em cheque o regime adotado pelo governo, por maiores que sejam os êxitos da empresa. Enfim, em segundo lugar, trata-se de irregularidades econômicas, listadas nos jornais: patrocínios a sindicatos, dúvidas sobre a distribuição de royalties, impostos, operação do projeto Águas profundas. De um lado, questiona-se a oposição: se, talvez, essas irregularidades não são pontuais demais para necessitarem de uma 'maquinaria jurídica' tal como ma CPI, às vésperas da eleição? Contudo, devem-se investigar tais ilicitudes, mas será que há outros procedimentos jurídicos mais adequados que uma CPI para inquirir esses indícios? O legislativo deve investigar o executivo, mas em que medida essas irregularidades, tão periféricas (vide a dimensão comercial e industrial que a Petrobras assumiu pelo mundo no último governo) mereceriam necessariamente destaque em uma CPI?

A banalização das CPIs acontece por causa do hábito das oposições as utilizarem como recurso indiscriminado e midiatizado, onde só se percebem excesso e banalização da punição[5].
Fica evidente que a atual oposição busca imputar uma ordem econômica ao Estado, portanto, “ao poder público nunca intervirá na ordem econômica a não ser na forma da lei”[6], através deste ‘teatro da superexposição’, com a CPI da Petrobras, a direita acabou delatando uma tendência à incorporação da economia a centros de decisão cada vez mais próximos da administração e do Estado, isto é, a condenação histórica do capitalismo.

Condenar o capitalismo é, portanto, interferir diretamente nos interesses neoliberais. Através de leis, a CPI é um instrumento capaz de limitar o poder do Estado e atenuar a aniquilação do capitalismo. No Imperium capitalista, um campo de forças articula Estado e capital, entretanto, nessa trama de poder acionada pela Petrobras, uma instabilidade se expõe: os interesses capitalistas neoliberais vêm sendo miniaturizados em detrimento da potência de Estado. A inquisição da Petrobras indica a dissimetria entre estes interesses, midiatizada em tempo real na paisagem alterada do Imperialismo Capitalista atual, propaga-se velozmente esse Theatrum da guerra, deitando culpados e inocentes por todos os lados.

Notas:
[1] Acera das possíveis articulações entre Estado e capital na lógica do Império: “O Anti-Édipo” e “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia” (Deleuze e Guattari); “O Longo Século XX” (Giovanni Arrighi); “O Novo Imperialismo” (David Harvey).
[2]Estas estratégias estão contidas no texto Tudo sobre o Petróleo escrito por David Harvey, em seu livro O Novo Imperialismo.
[3] Em geopolítica, trata-se da constituição da Heartland, Hadolf Mackinder foi seu grande idealizador. Neste caso, não se trata apenas de controlar o petróleo, mas em tornar os EUA uma ‘forte cabeça’ eurasiana e tomar uma forte posição estratégica.
[4] Olhar sobre o passado, sobre a origem varguista desse patriotismo: “O que não dá para entender são os apelos patrióticos contra a CPI. [...] a Petrobras está no imaginário nacional como nenhuma outra empresa por ter tido berço esplêndido: nasceu de uma mobilização popular e de uma teimosia do país contra prognósticos em nosso subsolo”. Míriam Leitão, em sue texto “Leis das CPIs”, em O Globo, 21/05/2009, p.18. [5] Sobre os excessos dos mecanismos punitivos em “Vigiar e Punir” e em “A Verdade e as Formas Jurídicas” de Michel Foucault.
[6] Próprio de um Estado de Direito, trata-se de compreender o enforcement of law como o conjunto de instrumentos postos em prática para dar a esse ato de interdição uma realidade social e política, com base nas explicações de Michel Foucault em seu livro “Nascimento da Biopolítica”.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Trucagem Ilusionista de Guerra


O Brasil entra no inverno de 2009, às vésperas das candidaturas, um anos antes das eleições majoritárias, quase cumprindo os dois mandatos de Lula da Silva no governo. As câmeras e os holofotes se acendem. Época trágica de teatralização política que se aproxima junto com as comissões parlamentares de inquérito. A bola da vez é a propaganda do petróleo: BR. Inicia-se o espetáculo jurídico midiático mais aterrorizante que já se viu na genealogia das guerras. Tudo isto nos leva a questionar sobre o paradoxo da censura entre governo e mídia que se revela a partir de uma ‘perversão’ das leis, que não tem como não deixar de beneficiar as redes de comunicação. A imprensa não tem a liberdade de promover anúncios falsos, mas possui legalmente o poder de mentir e vetar o que não lhes provier. Recentemente, mobilizaram-se em campanha, jornalistas, apresentadores e atores repudiando uma suposta tentativa de censura dos meios de comunicação por ações governamentais petistas. Se o monopólio da violência está nas mãos do Estado, a censura exercida pelos diretores de redes de informação torna-se cada vez mais legítima. O caráter publicitário e policial da imprensa se cristaliza nos seus atos de trucagem e censura. Os responsáveis pelos canais de TV possuem a tarefa de julgar, comprovado pelo seu poder destruidor de regimes políticos. Questiona-se, pois, de que modo algumas técnicas são acionadas pelos mass media capazes de constituí-los como a única instituição capaz de funcionar fora do controle democrático? Em suma, quais estratégias e táticas ocultam do grande público toda e qualquer crítica dirigida contra os meios de comunicação? Busca-se, então, questionar de que modo uma distorção da realidade, inerente à produção da informação, maximiza-se através de técnicas de interpretação e trucagem? De que maneira desinformação, simulação, ilusionismo e efeito furtivo podem revelar um complexo conjunto de táticas e estratégias de apercepção?

[1] Desinformação e interpretação – a partir de uma manobra estratégica que transforma o campo de batalha em um campo de percepção, a informação passa a depender cada vez mais de fatores de apreciação e de interpretação à distância. A informação não é mais fixada numa fotografia, ela permite a interpretação do passado e do futuro. A fotografia de reconhecimento aéreo, por exemplo, já depende de uma leitura que possa ser capturada por um ato racionalizado de interpretação, na mesma esteira, a endoscopia e o scanner permitirão uma colagem instrumental e a evidência de órgãos escondidos. Tornar visível o invisível, numa experiência que examina exaustivamente uma determinada imagem atribuindo-lhe sentido ao que parece, em princípio, ser um caos de significações ou que avalia uma paisagem inimiga através da análise das destruições realizadas em elementos camuflados. O desenvolvimento simultâneo da visibilidade e invisibilidade paralelo à origem dessas armas invisíveis herdeiras dos radares, do sonar, das câmeras de alta definição, dos satélites de observação objetivando encontrar tudo além do horizonte, mas principalmente o que existe ou o que não existe. Ficção estratégica da desinformação amplamente utilizada na Alemanha nazista[1].

[2] Simulação – o desembarque de uma tropa militar passa a se assemelhar com um imenso set de filmagem – a paisagem é recoberta por instalações fictícias, construções com papelão, borracha e cabos. Toda uma miríade de técnicos e criadores imaginativos é convocada para a realização desse trabalho de desinformação visual[2]. Outra ordenação do tempo, portanto, as imagens e os signos surgem em telas de controle, ‘telas de simulação’ de uma guerra que parece um cinema permanente, uma TV ligada ininterruptamente. O poder do diretor ou do militar não é imaginar apenas, mas prever, simular e memorizar simulações: as imagens podem ser desprovidas de tensões dramáticas, mas as montagens, associando-se disparatadamente, num ritmo vibrante de um grande acontecimento, a comentários específicos que se projetam sobre o espectador.

[3] Ilusionismo – teatralização trágica e antiga que se reproduz no plágio do mundo visível. As Repúblicas, as democracias não carecem de encantos, elas se tornam acúmulos heterogêneos de ‘ilusão de ótica’. A coisa que se descreve acaba sendo mais importante que o real, na medida em que a imprensa realiza um mercado paralelo da informação. Afirma-se que o realismo é uma ilusão. Desde o século XIX, o ilusionista inventa os objetos sintéticos (bi ou trimórficos) fazendo com que o espectador não veja tudo e que se instale num ambiente de síntese, onde o observador acaba por não ver nada. Transfere-se a ilusão para a realidade do campo de batalha: industrialização do não-olhar. Tende-se a colocar sobre o invisível a máscara do visível através de técnicas em que o nosso cegamento ou incapacidade visual fica no centro da comunicação. O século XX foi então não o da imagem como ótica, mas como ilusão de ótica.

[4] Efeito Furtivo – antecipa-se o desaparecimento da imagem e, com efeito, a destruição de sua representação[3]. Se aparentemente entrávamos, no pós-guerra, na era da ‘simulação generalizada’ das missões militares, com todo o ‘teatro de operação’ midiatizado pela tela de TV e cinema, realmente estamos na era da ‘dissimulação generalizada’. Enganar sobre a duração da trajetória e tornar secreta a sua imagem, camuflar os “vetores de liberação de explosivos”, isto é, os aviões, os navios, os foguetes... a trajetografia como nova disciplina balística[4].

Não basta apenas que a lei se perverta e possibilite aos mass media a irrecusável omissão, veto e censura a quaisquer rumores sociais que devam ser desaprovados. É certo que nessa política de guerra a estratégia da velocidade é capaz de aniquilar a representação de uma imagem. Estratégia furtiva que se desenvolve com base na interpretação e na simulação dos fatos. A prática da desinformação promove o pânico e o terror na sociedade capitalista cada vez mais mergulhada no ‘espetáculo’, visível sob a perspectiva do italiano Debord. Táticas inscritas na história ocidental da política nazi-fascista. É que numa perseguição visual torna-se necessário abolir a distância (por meio dos transportes e das armas), afinal aqueles que escapam utilizam menos uma arma de destruição do que uma arma de distanciamento, situando-os no local apartado da pura distância, já que a ‘arte da guerra’ visionária e ilusionista busca aproximar o ator do público... toda uma trama de técnicas foram desenvolvidas por meio de uma trucagem que promovem a destruição, aniquilação e o desaparecimento da imagem através de ilusionismo e interpretação. Técnicas que, portanto, levam-nos a mais eficaz forma de defesa, ou seja, ao silêncio e à cegueira[5]. Mundo da desinformação maquinado por táticas que não só precipitam as formas pelas quais os media inscreveram todo um modo novo de silenciamento e censura das imagens, como nos induz, por meio dessas mesmas táticas, a seguir o caminho das sombras[6],
na apercepção dessa trajetória ganha com mais celeridade, afastando-se das armas de propaganda, caso precisemos fugir do alvo e do zoom-zoom-zoom de tantas câmeras que tanto furtam imagens, distorcendo sua natureza. Em tempos de transformação política, para se manter no poder, é preciso se valer da estética da aparição, mas para uma boa defesa, estratégias de desaparição conduzem em ritmo adequado as propagações e criam uma ilusão de que estamos no silêncio e no interior da Câmera Escura - ação.


Notas:
[1]Paul Virilio ressaltou, em seu livro Guerra e Cinema, que Joseph Goebbels (ministro de propaganda de Hitler) era um mestre da desinformação ou da propagação de rumores contraditórios, na época do holocausto, os judeus eram capturados por uma implosão da informação que os impedia de compreender o que realmente acontecia, eles acabaram não acreditando em seu próprio extermínio, a transparência das fontes e documentos fotográficos desvalorizavam as informações verídicas.
[2] Estúdios célebres (como o Shepperton em Londres) consagravam-se pela fabricação de falsos blindados e navios de desembarque.
[3] A destruição da representação é mais bem compreendida por um exemplo constante na obra de Paul Virilio, sobre os caças F117 americanos que ilustram os avanços tecnológicos da guerra, típico avião fantasma cuja habilidade não é ser captado pelos sensores dos radares, uma vez que na nova guerra óptica eletrônica o que é visto já é destruído, então, mais vale ser destruído antes de ser visto. Trata-se de uma força de penetração capaz de desafiar os raios de ondas radioelétricas dos radares e de cegar as telas de controle. Esse avião-fantasma emite armadilhas para modificar o campo de percepção do adversário e é um objeto de síntese que antecipa o desaparecimento de sua própria imagem, a destruição de sua representação. O ‘furtivo’ restitui a opacidade do distanciamento, o cegamento da velocidade, ao colocar a máscara do visível sobre o invisível. O F117 é apto às camuflagens em relação direta com a rápida identificação de alvos, alvos que já não são simplesmente mísseis falsos ou verdadeiros, mas verdadeiros ou falsos sinais de radar, verossímeis ou inverossímeis imagens, acústicas, óticas ou térmicas.
[4] Referir-se a uma ‘auto-correção’ da informação no seu processo de propagação é, neste sentido, o mesmo que a antecipação própria de um feedback, entendido como resultado imediato de uma tecnologia onde os acontecimentos se desenrolam ao mesmo tempo em que os dados recebidos são organizados, obedecendo sua distorção relativa e contingente: o poder de resposta repressiva depende do poder de antecipação.
[5] Como Canetti descreveu, em Massa e Poder, os perigos do ato de se calar, aquele que se cala não se entrega. Do mesmo modo que Paul Virilio se serviu, em Arte do Motor, das técnicas aeroespaciais dos aviões-caça que precipitavam sua sombra, promoviam a sua invisibilidade, antes da sua inserção no espaço eletromagnético varrido por sensores e radares.
[6] Susan Willis analisou, em seu texto “Somente o Sombra Sabe”, no livro “Evidências do Real”, a existência do monte Weather e do Raven Rock, sedes secretas subterrâneas do governo paralelo norte-americano, esconderijos criados na época da Guerra Fria, como locais para conservar arquivos e abrigar líderes governistas, se caso ocorressem ataques nucleares; também do Minder – sistemas de radar leves e portáteis disponíveis projetados para serem instalados nos tetos dos carros; mas especialmente do mito bororo, a mágica do morcego, uma brincadeira de indígenas brasileiros, que se baseia na emissão sonora capaz de detectar a presença de objetos.

Explosão Midiática Transpolítica


Investigam-se os mass media como uma “tecnologia de poder” difundida ao longo das guerras mundiais, a partir de um duplo mecanismo político-jurídico, ‘transpolítico’. Por um lado, os meios de comunicação se beneficiam de certa ‘depravação’ das leis democráticas. A televisão e a imprensa não são livres para anunciar notícias falsas, mas a legislação lhe concede outro poder, o de mentir por omissão, assim, censurar ou vetar o que não lhes convém. Por outro lado, a censura governamental é tida como inadmissível, mas a censura exercida pelos diretores de redes é legítima. Os responsáveis pelos canais de TV possuem a tarefa de julgar, atribuindo-se o poder de recusa aos dirigentes de um governo. Golpe informacional, portanto, a imprensa provou que é capaz de destruir regimes e de traí-los, de improvisar outros no seu lugar. No Brasil, a ‘operação caras pintadas’ e o ‘Fora Collor’, no final da década de 1990, explicita o poder de um golpe informacional, tanto para eleger como para destituir um presidente eleito por impeachment. Este é o ‘quarto poder’ denunciado por Paul Virilio, como a única instituição capaz de funcionar fora do controle democrático eficaz, por tornar desconhecida do grande público toda crítica dirigida contra ele.

Como este poder midiático altamente destrutivo se estabeleceu no Ocidente? Em que medida os campos de batalha tornaram-se campos de percepção, cuja teatralização é captada por uma ‘câmera’, ora como um típico motor, ora vista como uma arma, tendo a propaganda um dos seus maiores expoentes, fazendo dos líderes políticos verdadeiros cineastas, em suma, superstars?
A principal finalidade da guerra é produzir um espetáculo, busca-se menos abater o inimigo do que cativá-lo. A guerra subsiste na representação e as armas são mistificações psicológicas, ou seja, além de ser instrumento de destruição, as armas são instrumentos de percepção: estimuladores que provocam fenômenos químicos e neurológicos sobre os órgãos dos sentidos e o sistema nervoso central, para afetar a própria identificação dos objetos percebidos. Os campos de batalha vão se tornando assim campos de percepção[1]. Na Segunda Guerra, as salas de comando e os gabinetes de guerra não se localizam mais próximos aos campos de batalha, mas em Berlim ou Londres. Dentro de sua especificidade, não é forçoso afirmar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), televisionada pelo próprio legislativo em tempo real, propagada e editada pelos mass media, promove um efeito ‘teatral’ da guerra espetáculo em plena capital do Brasil. De modo amplo, o ‘teatro de operação’ está privado agora da extensão espacial real, portanto esses núcleos de interação reúnem uma infinidade de informações e mensagens, retransmitidas no sentido apropriado para o universo que lhe é próprio.

A espetacularização da política e seus efeitos de oposição aos governos instrumentalizam-se pelas objetivas das câmeras, arma e motor de um jogo de imagens. A câmera não serve só para produzir imagens, trata-se mais de manipular e falsear informações. Cria-se o onírico, a ‘alucinação visual’. A diferença principal entre o ‘motor-câmera’ e a fotografia está no ponto de vista móvel e não na estagnação do foco – produz-se a confusão com velocidades veiculares. Todo equipamento de filmagem se torna móvel, assim a velocidade surge tanto como grandeza primitiva da imagem quanto como origem da profundidade. Automobilidade cinética do ‘motor-câmera’, que funciona como se tudo não se passasse de um problema de velocidade. A ação dessas armas é subversiva, pois uma forma se dissolve diante de nossos olhos e logo surge outra que se reconstitui[2]. Era transpolítica em que o poder real se divide entre a logística das armas e a logística dos sons e imagens, entre gabinetes de guerra e escritórios de propaganda. Mussolini dizia que a propaganda era sua melhor arma. Assim, faz sentido questionar por que é tão interessante para os neoliberais interpelarem os patrocínios, custos em propaganda, realizados pela Petrobras em uma ‘CPI superexposta’[3], manobra altamente fascistizante. A propaganda torna-se um objeto analítico de mão dupla, reflexiva, pois os governistas se sentem vítimas de uma propaganda política da oposição com a CPI da Petrobras, enquanto os tucanos buscam inquirir as propagandas da multinacional. Todo o conjunto dessa ação demonstra movimentos que se submetem a tarefa de uma direção com caráter de uma ‘revelação’: ação de um deus que revela verdades aos homens, que por si mesmos são incapazes de serem descobertas. Não tardou por alastrar-se pela Europa Ocidental e União Soviética uma espécie de comandantes militares, revolucionários, líderes, Führer que buscavam exercer sobre as massas o mesmo carisma que os cineastas e atores, na medida em que o ‘star-system’ se esforça para canalizar e aproximar a estrela do público[4]. A partir da década de 1990 essa tecnologia de poder, que une propaganda e política, desenvolve-se no Brasil e transformam os parlamentares em superstars, conhecidos pelo país, em períodos de CPI e de eleição. Paradoxo de um mecanismo de poder que se volta contra o Estado, que derruba legisladores, mas, ao contrário, sob um bombardeio de propagandas pode insuflá-los de carisma.
Notas:
[1] Os ingleses, por volta de 1930, abandonaram os meios convencionais de defesa para se dedicar à pesquisa da percepção: início da cibernética, do radar, da goniometria, da microfotografia, do rádio – das telecomunicações. Trata-se da expansão do campo de percepção dos conflitos em que a radiolocalização (o radar) é um instrumento que informa a um observador afastado a presença dos objetos, com o aperfeiçoamento das imagens eletrônicas (imagem radar).
[2] No final do século XIX, um arsenal de armas foi experimentado, em 1874, o francês Jules Janssen criou o seu revólver astronômico para tirar fotografias em série; mais tarde foi Étienne-Jules Marey aperfeiçoou o fuzil cronofotográfico que focalizava e fotografava objetos em movimento; em diversas combinações, balões equipados com um telégrafo cartográfico aéreo sobrevoavam e observavam campos de batalhas; os russos já utilizavam, desde 1904, refletores na defesa noturna, acoplados às câmeras-metralhadoras.
[3] A CPI em sua superexposição midiática é dinâmica como um filme, ela não é estática como uma fotografia. ‘Filme de guerra’, portanto, ‘filme de propaganda’ como produto histórico determinado. Nos últimos 150 anos, houve uma decadência da visão direta, o campo de tiro transformou-se em campo de filmagem, o campo de batalha tornou-se uma locação de cinema fora do alcance dos civis, mas acima de tudo trata-se de um olhar sobre o que se move.
[4] Por um lado, foi assim que Hitler, com seu extraordinário conhecimento técnico nos campos de direção teatral, trucagem, mecanismos de alçapão e cenas giratórias, acima de tudo, os usos possíveis de iluminação e refletores, além de ter sido um grande criador de logotipos, preocupava-se mais com a eficácia psicológica de uma arma do que com sua força operacional, aumentava o seu poder de sugestão hipnótica, com auxílio de cineastas e diretores de espetáculo, buscando transformar o povo alemão numa massa de visionários involuntários. Hitler declarou em 1938 que as massas necessitavam de ilusão, mas uma ilusão fora dos cinemas e teatros, uma ilusão no lado sério da vida. Por outro lado, atentou-se Susan Willis na introdução de seu livro Evidências do Real que “George Bush é certamente o presidente digital. De fato, toda a sua carreira parece ter sido filmada diante de um fundo azul, crucial para a produção digital das imagens de um super-herói em ação”.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Theatrum Videpolítico da Guerra


Os neoliberais obtiveram um ótimo exercício tecnológico a partir de 1970, com a crise do petróleo, houve o desenvolvimento de uma típica máquina de guerra que tanto se refere a uma ‘máquina de visão’ quanto a uma ‘máquina genética’. Deleuze e Guattari, em Mil Platôs afirmaram a natureza nômade de uma máquina de guerra e sua exterioridade ao aparelho de Estado, demonstrando sempre a sua oposição a ele. Destacam-se as metamorfoses de uma máquina de guerra estatal em complexos industriais-militares e bandos, grupelhos, minorias. Mas, agora se discute as metamorfoses de outra máquina de guerra, a liberal. Manuel Castells sinalizou, em sua Sociedade em Rede, a eficiência dos neoliberais em promover uma transmissão global de informação em rede: o ‘informacionalismo’. Entretanto, Paul Virilio identificou o setor informacional como uma ‘máquina de visão e velocidade’.
A máquina de visão é historicamente policial e tem sua origem ligada aos aparelhos jurídicos de investigação, toda sorte de técnicas datiloscópicas, picturiais, arquiteturais, fotográficas, videográficas, cinematográficas, informáticas capturadas à distância. A invenção francesa revolucionária que tornou o olho um símbolo da sua polícia, o espião, para que o espaço público fosse iluminado como o espaço privado. Parece ser daí que resulta todo um discurso policial-neoliberal recente, que envolve os enunciados ‘transparência’ e ‘ética’ ao investigar serviços de inteligência, fraudes e corrupções. Entre os séculos XVIII-XIX, Jeremy Bentham organizou a trama disciplinar das institucionais através do ver-sem-ser-visto em um panóptico arquitetural, enquanto nos séculos XX-XXI o sinóptico é uma nova industrialização da visão, descrito por Zygmunt Bauman, operacionalizado por uma televigilância que se sobrepõe em um ciberespaço. Caráter policial da máquina de visão, mas também de propaganda. Nessa perspectiva, na Segunda Guerra, Hitler e Goebbels (ministro da Propaganda e ‘patrono’ do cinema) criaram os precursores do intervalo comercial. Foi Hitler quem disse que a função da artilharia e da infantaria será assumida no futuro pela propaganda. Em uma guerra, trata-se de apropriar bens materiais e territórios, mas, sobretudo de captar a imaterialidade e de manipular a percepção. Um agenciamento que envolve não mais a vigilância policial, mas acopla em uma só companhia a imagem, tática e roteiro, ou seja, coordenar cinema, exército e propaganda.

O espaço público se retrai a medida mesmo em que ele se torna midiatizado. Os conflitos entre políticos, empresários, sindicatos, movimentos sociais são negociados através dos jornais e televisão, García Canclini denunciou a ‘videopolítica’ como uma tecnoburocratização dos regimes neoliberais em detrimento da dissolução da participação popular. De todo modo, a política é um teatro, conforme Thomas Morus, mas muitas vezes se representa no cadalfo, proposição que exprime perfeitamente a essência do jogo político que envolve as Comissões Parlamentares de Inquérito. Entre estatistas e liberais, petistas e tucanos, a CPI muda de forma, porque a máquina de visão está com os neoliberais. Rumo às eleições, pelo andar da carruagem, maio de 2009, deduz-se que não só um investimento sobre a Petrobras, mas qualquer comissão de investigação estabelecida por liberais opositores no Brasil possui fins propagandísticos. Evidencia-se uma guerra em que o adversário vai, seja ele liberal ou trabalhista, se sucumbir a uma explosão da informação.

Desse modo, é preciso, primeiramente, promover um cálculo de forças e verificar os efeitos de poder de uma investigação que conta com a engenhosidade de uma ‘máquina de visão’. Percebem-se ‘atos cômicos’, de um lado, a propaganda como um efeito positivo que pode causar em qualquer CPI, porque essa propaganda pode surpreender a oposição e acabar saindo como um ‘tiro pela culatra’, ou seja, encontrando ou não o delito, a investigação midiatizada pode causar uma comoção da população em defesa do investigado, que se refere atualmente a todo o complexo industrial-militar petroquímico brasileiro, ou seja, a propaganda como ‘arma de teatro’. Os ‘atos trágicos’ se perfilam, de outro lado, caso a infração seja definida, cria-se um cálculo negativo para o governo, gerando uma propaganda positiva para a oposição, mas somente a partir da detecção do crime, no caso, dos delitos encontrados na Petrobras, isto é, a força de polícia se aplica como lei para capturar um ‘bode expiatório’ transladando-se por todo um ‘teatro de operação’. Se os neoliberais iniciam uma inquisição deste tipo é porque partem de um ato ilícito, indício de uma ilegalidade, através de um aparato judiciário e não vão faltar gritos em favor do Estado de Direito! Videopolítica que se dirige, portanto, para a direita, onde resta toda uma morosidade do tempo jurídico e inquisitorial, mas à esquerda é preciso criar um motor capaz de produzir mais e mais velocidade na veiculação de informação.

O modelo da máquina de guerra é problemático e em se tratando de uma máquina informacional, de visão, deve-se partir de uma tríplice ‘estratégia da informação’: publicidade, propaganda e probabilidade – visibilidade, difusão e estatística – alinhadas numa retroalimentação altamente auto-corretiva, capturando e alterando a opinião pública, sucessivamente e incansavelmente, a partir de elementos (dados, fatos, comentários) que induzam a população contra o adversário. Triplicidade do jogo estratégico: tornar público e visível o ato, propagar e difundir a opinião, calcular os efeitos positivos e negativos num espaço bifásico, por conseguinte, avaliar os resultados e iniciar indefinidamente a estratégia até saturar os efeitos que se persegue numa das fases. Nesse modelo de ‘guerra’, trata-se menos de se defender ou atacar do que condicionar os reflexos e interferir no comportamento da massa, assim se apropriar da dimensão imaterial e perceptiva dos sujeitos (o alvo da informação). O bombardeio pela propaganda orienta a opinião pública, que assim vai qualificar os atos de defesas e de ataques, ora como trágicos, ora como cômicos, numa guerra midiática.
Trocando em miúdos, os eleitores já estão familiarizados com esse ‘efeito auto-corretivo’ dessas manifestações inquisitoriais, desde que a CPI se generalizou como instrumento de oposições a governos brasileiros, uma tragédia que se irrompe e sempre ‘vira pizza’, comédia! ‘Guerrilha passional’, portanto, subjetiva, comportamental. Seja qual for a ilegalidade, os neoliberais instituem uma investigação pública e procuram limitar o poder do Estado, utilizando-se da máquina informacional cria-se um estigma, um rosto, um bode expiatório. Votam-se nos neoliberais porque um candidato tem em segredo uma ex-mulher. Votam-se nos neoliberais por causa do mensalão. Votam-se nos neoliberais por causa do caos aéreo. Propaganda de natureza extrínseca, sempre derivada de um erro, uma pena, de um crime. Votam-se nos neoliberais por causa de impeachments. Assim seria possível pensar que os eleitores passem para a oposição tucana, não por concordarem com a livre concorrência, não por estarem em consenso com as leis do mercado – votam nos neoliberais através dessa ‘ilusão midiática’ que resultou da relação entre a criminalização da razão do Estado e da sua pressuposição em relação aos mass media. Eis, pois, de que modo uma ‘máquina de guerra’ ilusionista é acionada pela junção de mecanismos jurídicos com dispositivos midiáticos. Afinal a guerra acabará quando for alterado o comportamento de um terceiro incluído, o povo, que pune ou absolve, justiça seja feita, tendendo para um ou outro lado da balança, no momento certo: na urna. Neste sentido, inverte-se o aforismo de Clausewitz, a política é a continuação da guerra por outros meios...

sábado, 16 de maio de 2009

Neoliberalismo Ecológico


Aquecimento global, efeito estufa, queimadas, redução da emissão de poluentes, privatização e escassez da água são emitidos pelos mass media e, em muitos casos, desastrosamente são descritos. Um perigo reside nessa abordagem ambiental, ou seja, suas íntimas relações que possui com o regime neoliberal de governabilidade. Discutem-se, então, as relações de forças que resultam da assimilação da perspectiva ecológica pelo neoliberalismo. Das múltiplas junções possíveis entre (neo)liberalismo e ecologia, destacam-se os efeitos geopolíticos que re-significam o ‘direito de propriedade’ e a extensão do ‘mercado mundial’ por meio do desenvolvimento da indústria biotecnológica. Sabe-se que existem liberalismos e liberalismos, entretanto, todos eles se consolidam como Estados mínimos, isto é, não só desenvolvem mecanismos e dispositivos que limitam a razão de Estado, mas ampliam as dimensões do mercado, tendo a dimensão planetária como limite. Através da dimensão biológica ou ecológica, strictu sensu, o mercado mundial se espraia e se subdivide em mercado de carbono, mercado da fotossíntese, mercado genético, entre outros.
A proposição ambiental desenvolvida pelo neoliberalismo estabelece uma tríplice estratégia que aciona uma guerra explícita, desde que a guerra se caracterize, conforme Clausewitz, pela imposição de nossa vontade sobre o adversário. Uma Guerra ou Geopolítica da Natureza é acionada na medida em que três estratégias tornam-se visíveis: [1] a etnobiopirataria, [2] os latifúndios genéticos; [3] divisão ecológica e territorial do trabalho.

[1] Parte de um complexo industrial-científico de caráter estratégico – um projeto estratégico nacional dos EUA[1] – a realização de programas associados à conservação da natureza, ao desenvolvimento econômico e ao descobrimento de drogas medicinais. Resta ainda que empresas financiam investigações e podem patentear os resultados das pesquisas. Os EUA devem garantir a segurança para se apressarem, por um lado, as legislações ao livre acesso aos recursos genéticos, por outro lado, criar leis que assegurem barreiras ao acesso às informações – propriedade privada, patente. Poderíamos designar, por isso, biopirataria a obtenção de informações genéticas – acesso ao gernoplasma – operando como coleta ao azar, sem critério prévio, aleatório. O que acontece e outra manobra estratégica, a etnobiopirataria que significa a colheita de informações sistematizadas por comunidades (camponesas, indígenas e afrodescendentes), isto é, não são apenas as plantas que se levam, mas informações e conhecimentos são apropriados de um povo. As empresas são unidades jurídicas que reivindicam direitos de propriedades sobre conhecimentos de outros povos, de modo tal que, por exemplo, transnacionais farmacêuticas podem desarmar os sistemas locais de saúde para convertê-los em consumidores obrigatórios de produtos farmacêuticos comerciais; [2] Regiões tropicais são as mais ricas em diversidade biológica, mas as grandes corporações do ramo da biotecnologia localizam-se em regiões frias e temperadas (EUA, Japão, Europa do Norte). Deste modo, trata-se de uma situação geopolítica sob novos matizes que deve ser enfrentado por países africanos e asiáticos, mas, sobretudo pelos países andino-amazônicos: Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Brasil, Suriname. Alerta-se com essas propostas de unidades de conservação ambiental, principalmente, em áreas com elevada diversidade biológica e de grande diversidade cultural como na Amazônia, por envolver recursos provenientes dos países hegemônicos que protegem essas áreas como ‘reservas de valor’ para o futuro – um ‘latifúndio genético’. Num latifúndio genético como o da Amazônia não se pode esconder os diversos interesses sobre os recursos estratégicos existentes: ouro, níquel, zinco, cobre, petróleo, urânio e diversos recursos genéticos. Esta região, por isso, tornou-se uma região própria para a geração de conflitos e tem criado adjetivos para a natureza como área protegidas, parques nacionais, reservas florestais, etc. Acontece que interesses para conservação acabam limitando direitos territoriais nativos;
[3] Esse mecanismo acionado pelo ‘mercado ambiental neoliberal’ corresponde a uma divisão territorial do trabalho pautada nessas premissas ecológicas. Os países industrializados mantêm seu desenvolvimento com certos atenuantes ecológicos, mas esse modelo não pode se estender para outras regiões e povos. Tornando-se ‘lixeira’, ao limpar os rejeitos do Primeiro Mundo, estão populações que vivem pobremente em grandes extensões de suas terras que se transformam em unidades de conservação ambiental (latifúndios genéticos). Apesar dos posicionamentos díspares, grandes corporações obtêm apoio das elites dominantes dos próprios países em desenvolvimento que atraem para seus territórios aquilo que os países desenvolvidos não desejam mais. Observa-se a transferência da indústria de papel e celulose para o Terceiro Mundo, por exemplo, países tropicais em especial, que são indústrias altamente poluidoras – todo o latifúndio monocultor de espécies celulósicas ou de carvão vegetal que existem no Amapá, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O ‘deserto verde’ como uma mancha residual que expressa o empobrecimento genético e provoca o desequilíbrio hidrológico, causam-se danos, enfim, ao meio ambiente na medida em que diminui a diversidade biológica por causa da expansão da agricultura de exportação.

No Brasil, com a economia do açúcar e do café, percebem-se as raízes históricas do liberalismo como modelo agroexportador, Mantega em sua “Economia Política Brasileira” descreveu o modelo econômico liberal ligado a oligarquia agrária comprometida com a burguesia comercial e ao imperialismo financeiro, defendendo o livre trânsito de capitais e mercadorias, estrangeiros e brasileiros. A versão atual do liberalismo no Brasil, sob a alcunha de neoliberalismo é representada pela oposição ao governo de Lula. Recentemente, em uma coluna do Globo, Fernando Henrique exprimiu sua preocupação com o aquecimento global. Enquanto a ‘guerra da natureza’ se instaura por conflitos que resultam da apropriação da biodiversidade e da cultura dos povos; os neoliberais instauram uma comissão de inquérito contra a administração da Petrobrás. Ato ilícito: manobra fiscal que evitou pagamento de impostos. Iniciada a exploração do pré-sal, talvez, o maior símbolo do nacional-desenvolvimentismo foi posto em cheque. Tendo a ‘pirataria biológica’ como prática, neoliberais não podem se vangloriar de sua trágica fábrica de desastres éticos e ecológicos. O petróleo então se tornou a moeda da vez para a campanha 2010, simplesmente assim os tucanos se apropriaram do velho lema trabalhista “o petróleo é nosso” e do trunfo central do discurso petista.

Notas:
[1] Trata-se de um programa que visa o controle da biodiversidade em escala mundial, através de universidades e empresas dos EUA. O programa International Cooperative Biodiversity Group (ICBG) conta com o apoio do Banco Mundial e é coordenado pelo Technical Assesment Group (TAG) formado por três grupos estatais dos EUA: Serviço de Agricultura Estrangeira (FAS), a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e o Instituto de Saúde (NIH), ou seja, a tríade Agricultura Ciência e Saúde. O texto de Porto-Gonçalves, a Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, contribuiu para as análises estratégicas apresentadas como prática do neoliberalismo estadunidense.