terça-feira, 7 de julho de 2009

Muselmann e Versuchepersonem nos Lager


O assim chamado der Muselmann era um cadáver ambulante – feixe de funções físicas em agonia. Muselmann era o nome dado aos homens-múmia, os mortos-vivos. Ser imbecilizado e sem vontade, arrastando seus tamancos pelo chão, desequilibrado e caso caísse nos braços daqueles homens da SS, ganhava uma bordoada na cabeça. Se parasse como se nada tivesse acontecido, ganharia um segundo e terceiro golpes, assim, começava a se borrar por causa da disenteria. Doença da desnutrição que, primeiramente, caracteriza-se pelo emagrecimento, pela astenia muscular e pela perda progressiva de energia nos movimentos: neste estágio, o organismo ainda não está profundamente danificado.

A expressão do rosto muda à medida que continua a emagrecer, o olhar torna-se opaco e indiferente em uma face mecânica e triste – os olhos ficam envoltos por uma órbita cavada profundamente. A pele toma um colorido cinza-pálido, parecida com papel, descama-se e torna-se muito sensível às infecções e contágios, especialmente à sarna. Quando os cabelos começam a se eriçar e a cabeça a se encompridar, o doente já passa a respirar lentamente, falando baixo com grande fadiga. Conforme o estado de desnutrição aumentava, os edemas passavam a se difundir, principalmente entre os que ficavam em pé por muitas horas, começava na parte interior das pernas, depois nas coxas, nas nádegas e testículos, também no abdômen. Nesta fase, os doentes tornam-se totalmente indiferentes ao que acontecia a seu redor – eles se auto-excluíam de qualquer relação com o seu ambiente. Observando de longe um grupo de enfermos, tinha-se a impressão de que fossem árabes em oração e dessa imagem derivou a definição usada normalmente em Auschwitz para indicar os judeus que estavam morrendo de desnutrição: Muselmann, muçulmano.

Essa expressão passa a ser usual em outros Lager... Em Majdnek, o termo era desconhecido, para indicar os ‘mortos-vivos’, Gamel [gamela] era o termo usado; em Dachau dizia-se Kretiner [idiotas]; em Stutthof, Krüppel [aleijados]; em Mathausen, Schwimmer [quem bóia fingindo de morto]. Muselmann derivou, portanto, da postura típica desses deportados ao ficarem encolhidos ao chão, com as pernas dobradas de maneira oriental, com o rosto rígido como uma máscara – os judeus sabiam que em Auschwitz não morreriam como judeus. Nos olhares pseudo-estrábicos, no caminhar arrastado, o muçulmano nunca se reduziu a uma dimensão clínica nos campos: o que estava em questão era ‘continuar sendo ou não um ser humano’, o muselmann marcava a passagem do homem ao não-homem e o diagnóstico clínico passava a ser uma análise antropológica. O estágio do muselmann era o terror dos internos, nenhum deles sabia quando alcançariam esse ponto certo para as câmaras de gás ou para qualquer outro tipo de morte.

O muselmann tornou-se uma improvável e monstruosa máquina biológica isenta de consciência moral, sensibilidade e estímulos nervosos, descrito por Giorgio Agamben em seu livro “O que resta de Auschwitz”, a partir de uma investigação sobre as obras de J. Améry, A. Capri, P. Levi, W. Sofsky, E. Cogon, Z. Ryn e S. Klodzinski. Sabe-se que os experimentos médicos nos campos de concentração são considerados um dos episódios mais infames da história do século XX. A guerra aérea havia entrado, por volta de 1941, na fase do vôo a grandes alturas e se, nestas condições, a cabine pressurizada sofresse danos ou o piloto precisasse lançar-se de pára-quedas, o risco de morte era elevado. O resultado das correspondências entre Roscher e Himmler foi a instalação em Dachau de uma câmara de compressão para continuar os experimentos em um lugar onde as VP [Versuchepersonem, cobaias humanas] estivessem fáceis de encontrar – como o experimento conduzido em uma VP hebréia de 37 anos, com boa saúde, a uma pressão de 12.000 metros de altitude: após 4 minutos a VP começou a suar e a menear a cabeça; depois de 5 minutos produziram-se câimbras; entre 6 e 10 minutos a respiração se acelerou e a VP perdeu a consciência; entre 10 e 30 minutos a respiração diminuiu até três respirações por minutos, para depois cessar de todo até o seu colorido tornar-se cianótico e apresentar-se baba em volta do rosto. Examinados por Giorgio Agamben em seu livro "Homo Sacer", em Dachau foram também executados experimentos para tornar possível o salvamento de marinheiros e aviadores caídos no mar. VP foram mantidas imersas em banheiras de água fria até a perda de consciência, enquanto os pesquisadores analisavam as variações de temperatura corpórea e as possibilidades de reanimação. Experimentos sobre a potabilidade da água marinha partiram, por exemplo, de três grupos: um grupo abstinha-se de beber, outro bebia somente água do mar, um terceiro grupo bebia somente água marinha com Berkazusatz [substância que deveria diminuir os danos da água marinha, segundo pesquisadores]. Outro setor importante de experimentações relacionava-se com as inoculações de bactérias da febre petequial e de vírus da Hepatitis endemica, na tentativa de produzir vacinas, além da experimentação de esterilização não cirúrgica, por meio de substâncias químicas ou radiações, destinada a servir à política eugenética do regime; ocasionalmente ocorriam tentativas de experimentos como o transplante de rins e sobre as inflamações celulares.

Enquanto o grito ‘Morte aos judeus’ varria a Alemanha e praticamente a Europa inteira no início do século XX. Em toda parte explodiam tumultos anti-semitas. A indignação popular estourava em todo canto. Tropas de choque surgiam nas ruas para assegurar a sua cumplicidade. Hoje, enfim, quem de nós ousaria negar o Holocausto?

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