segunda-feira, 6 de julho de 2009

Napalm: Dien Bien Phu ou 1975


A respeito da estratégia do modelo de ‘deca-pitação’, baseado na ideia de que se a cabeça for apartada do corpo, a rebelião definhará e acabará morta. Decapitar, nesse sentido, significa exilar ou assassinar a liderança rebelde, mas para o horror dos estrategistas, toda vez que uma cabeça é cortada, outras surgem em seu lugar, como uma hidra monstruosa. Mas há outra estratégia que se refere ao modelo de ‘privação do ambiente’ que não busca atacar o inimigo diretamente, afinal o inimigo não está organizado como um exército tradicional, não podendo ser simplesmente decapitado. Se não for possível reconhecer a organização do inimigo, o seu conhecimento deixa de ser necessário para a aplicação dessa estratégia. Para ter êxito, não será preciso atacar o inimigo diretamente, mas destruir o ambiente [físico e social] que lhe dá sustentação: ‘tire-se a água e os peixes morrerão’.

Essa estratégia da destruição do 'ambiente de apoio' levou aos bombardeios indiscriminados no Vietnã, no Laos e no Camboja, tal como a designaram Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Multidão”. O napalm tornou-se então uma arma paradigmática dessa estratégia de privação do ambiente, porque os muitos elementos não-combatentes por ela atingidos não são considerados como danos colaterais, uma vez que sua destruição é uma forma de atingir o inimigo principal. Os êxitos dessa estratégia se limitam, porém na medida em que os grupos rebeldes desenvolvem estruturas mais disseminadas, complexas e em rede, porque o inimigo se torna cada vez mais disperso, impossível de se localizar e de se conhecer, assim como o ambiente de apoio torna-se mais amplo e indiscriminado. Dessa forma, a guerra generalizada, de destruição em escala irrestrita, começou a desaparecer, ao mesmo tempo em que, por exemplo, o envolvimento americano no Vietnã se estabeleceu por ‘ações policiais de alta intensidade’.

Contraditoriamente, o sucesso dos Estados Unidos, como potência hegemônica no período pós-guerra, criou condições para que sua própria hegemonia fosse minada, vários símbolos podem capturar esse processo, um deles é a Guerra do Vietnã. Os vietnamitas combateram franceses, japoneses e norte-americanos, e no fim venceram todos – a guerra do Vietnã foi acima de tudo, de acordo com Immanuel Wallerstein em seu livro “O Declínio do Poder Americano”, o esforço do povo vietnamita para acabar com o domínio colonial e estabelecer seu próprio Estado. Acontece que as revoluções de 1968 apoiaram os vietnamitas não só pelos cânticos entoados em muitas ruas de todo o mundo [‘Um, dois, muitos vietnãs’ e ‘Ho, Ho Chi Minh’], mas por causa das irrevogáveis repercussões geopolíticas e intelectuais – assim, a posição ideológica oficial dos EUA [antifascista, anticomunista, anticolonialista] tornou-se débil. A Guerra do Vietnã representa, para Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Império”, uma virada na história do capitalismo contemporâneo, afinal a resistência vietnamita é concebida como centro simbólico de toda uma série de lutas no mundo inteiro, até mesmo separadas e distantes umas das outras.

O envolvimento dos EUA no Vietnã pode ser considerado, então, como o apogeu de uma tendência em ‘proteger’ países em todo o mundo contra o comunismo. Sob a preparação da ideologia da guerra fria pelo governo americano, a campanha do Vietnã se enquadrou numa estratégia política global de defesa do mundo livre contra o avanço do imperialismo soviético. Essa guerra pareceu uma continuação do imperialismo europeu por parte dos EUA, até porque na década de 1960 as potências coloniais européias estavam perdendo batalhas decisivas: as Forças Armadas americanas não duvidavam que fosse forte o bastante para não serem humilhadas como os franceses foram em Dien Bien Phu. Trata-se de um processo de descolonização política que sofreu séria resistência na Indochina francesa [atuais Vietnã, Laos e Camboja], ou seja, a resistência comunista declarou independência após a libertação indochinesa, sob a liderança de Ho Chi Minh.

Os britânicos, depois os EUA, apoiaram os franceses e realizaram uma ação para reconquistar o país e mantê-lo contra a revolução vitoriosa: foram derrotados e obrigados a se retirar em 1954, mas os EUA impediram a unificação do país e permaneceram com um regime satélite na parte sul do Vietnã. Quando esse regime satélite pareceu à beira do colapso, os EUA travaram dez anos de uma grande guerra, até serem retirados e derrotados em 1975, conforme Eric Hobsbawm em seu livro “Era dos Extremos”, depois de lançar sobre o país um volume de explosivo maior do que o empregado em toda II Guerra Mundial. Enfim, os americanos agiram com uma violência e barbaridade tal como se fossem os herdeiros legais das potências européias em declínio – a aventura dos EUA no Vietnã terminou em derrota, essa guerra pode ser vista como o momento final da tendência imperialista norte-americana. Nos trinta anos de guerras do Vietnã [1945-75], ous seja, nas únicas guerras em que as forças americanas se envolveram em grande escala, cerca de 50 mil norte-americanos foram mortos, mas as perdas vietnamitas são apenas estimadas.

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