sábado, 11 de julho de 2009

Comandos - Detentos e Donos do Morro


Em franca liberdade, os grupos criminosos organizados controlam tanto territórios e populações quanto o sistema prisional, assim o crime continua ativo mesmo depois da detenção do criminoso. O bandido que consegue sobreviver dentro da cadeia aprimora os seus métodos e sai ainda mais preparado. Sabe-se que o Primeiro Comando da Capital [PCC] nasceu em 1993, na Casa de Custódia de Taubaté, criado por alguns detentos, em especial, pelo Geléia. Nessa casa de detenção, os presos ficavam em alas diferentes e para que os parceiros se encontrassem, surgiu a ideia de um campeonato de futebol no presídio. O nome foi escolhido porque a maioria dos presos era de Taubaté, com exceção dos companheiros do PCC, que eram da capital. Até então, PCC era só um nome de um time de futebol. No meio do campeonato, Cesinha, do PCC, brigou com dois outros detentos. Após se reunirem, os integrantes do time PCC decidiram se vingar e espancar os dois detentos até a morte. Marcaram outro jogo e os mataram. Depois disso, Geléia convidou o seu time a fundar uma organização criminosa – o PCC, conforme Fatima Souza em seu livro “PCC: a Facção”. Ao contrário, o CV [Comando Vermelho] é fruto do encontro das organizações revolucionárias com o criminoso comum, de uma iniciativa do regime militar, regulamentada pelo art. 27 do Decreto-Lei 898 de 1969.

O alvo da repressão era os setores da esquerda que enveredaram para a luta armada a partir de 1967. A OBAN [Operação Bandeirantes], em São Paulo, e a Operação Cavalo de Aço, no Rio de Janeiro, foram criadas, para serem depois centralizadas nos DOI-COD [Departamento de Operação e Informação da Coordenação de Defesa Interna], subordinados aos comandos regionais do exército. No momento da reforma da Lei de Segurança Nacional e da criação do art. 27, os principais grupos revolucionários envolvidos em ações militares contra o regime [ALN; MR-8; VPR; VAR-Palmares; PCdoB; Ação Popular] estavam, seis anos depois, todos representados na Galeria B do presídio da Ilha Grande. Militantes do Partido Comunista Brasileiro [PCB] e da Aliança Nacional Libertadora [ALN] dividiram celas com pessoas condenadas por assalto, arrombamento, contrabando, jogo e prostituição. O fenômeno da conscientização e o surgimento do ‘crime organizado’ apareceu, portanto, na década de 1970, quando a ditadura militar abriu os portões da cadeia para a oposição. Os presos políticos enviados para a Galeria B de Ilha Grande logo de saída fizeram uma exigência: isolamento dos presos comuns, para formar um grupo diferenciado dentro da cadeia e manter a estrutura de militância que trouxeram da rua. A Galeria B foi dividida por um muro de alvenaria com portão de ferro, do lado de cá, os presos políticos, do lado de lá, os bandidos condenados pela falange LSN [embrião do CV]. O ‘tráfico de informações’ era feito a partir de histórias que os presos políticos contavam ao pessoal da falange.

Decerto, o CV perdeu a formação política original, mas absorveu a estrutura para se organizar como crime comum. Os bandidos adotaram o princípio de organização para verticalizar o poder dentro do grupo, entretanto, o ‘crime organizado’ foi muito além do que a luta armada tinha conseguido na década de 1970. Dois sistemas específicos e interconectados promovem a estruturação do tráfico de drogas no Brasil:

[1] o Sistema IEA [Importação-Exportação-Atacado] – vinculam-se os grandes traficantes [importadores e atacadistas] aos seus parceiros ou sócios [agentes envolvidos com a lavagem de dinheiro e com o transporte da droga], secundados pelos ‘facilitadores’ do negócio em grande escala [funcionários de portos, aeroportos e policiais corruptos] – sistema responsável pela importação e a reexportação de drogas, além de abastecer os traficantes que operam no varejo;

[2] o Sistema Varejo – manifesta-se em toda quadrilha que se articula com outras no âmbito de um ‘comando’ e envolve uma multiplicidade de atores numa hierarquia que vai do ‘dono’ [que controla as bocas de fumo] ao ‘olheiro’ [que avisa a aproximação da polícia], passando pelos ‘aviões’ [entregadores de drogas aos clientes], os ‘soldados’ [que fazem segurança das bocas de fumo], os ‘gerente’ [que administram o negócio da droga] e pelos ‘endoladores’ [que embalam a droga para a revenda], de acordo com Marcelo Lopes de Souza em seu livro “Desafio Metropolitano”.

Os ‘comandos’ são redes bastante instáveis, dentro das quais existem as subredes comandadas pelos chefes de quadrilha [donos de bocas de fumo]. Cada uma das organizações que disputam o mercado no âmbito do varejo constitui sua própria rede. Cada rede articula territórios vinculados a uma mesma ‘organização’, integrados pelas mesmas relações de poder, porém não formam territórios contíguos, porque entre os nós de uma rede existem espaços que não pertencem a rede. Quando o CV assumiu o controle de quase 70% dos pontos de venda de droga, constitui-se uma espécie de ‘governo paralelo’ das comunidades pobres. O ‘dono do morro’ é também o juiz e o prefeito da área controlada, isto é, um chefe que possui poderes quase absolutos e incontestáveis, em que até mesmo o sobe-e-desce das pessoas é feito sob vigilância armada. O bandido investe no samba, educação, saneamento e moradia, com o tempo essa administração de fato torna-se também de direito, com respaldo ou complacência dos moradores das favelas. A organização criminosa disputa e vence inúmeras eleições para a diretoria de associações de moradores, num processo que nem sempre é suave, pois os traficantes chegam a matar líderes comunitários nos bairros pobres do Rio de Janeiro. Esses crimes ocorreram, principalmente, em locais onde a liderança comunitária vinculava-se aos setores religiosos [católicos e evangélicos] e partidários. Acontece que as entidades comunitárias sempre vão oferecer uma fachada legal para atuação das quadrilhas, assim o tráfico de drogas passa a obter benefícios para ampliar a influência política sobre a favela.

A aparência de redistribuição generosa de uma parte do que ganham faz do traficante um Robin Hood, ‘herói do povo’, no velho gênero paternalista, mas essas ações sociais eram e ainda são parte integrante de uma estratégia que busca estabelecer as condições necessárias para a aceitação da sua presença nos espaços que atuam. No início da década de 1980, sugeriu-se um caráter Robin Hood para os traficantes do Comando Vermelho, cujo slogan era precisamente 'Paz, Justiça e Liberdade', o mesmo adotado posteriormente pelo PCC.

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