terça-feira, 7 de julho de 2009

Stealth & Desert Fox [Jus ad Bellum]


A guerra aeroespa-cial eleva a destruição a graus extremos. Os teóricos da ‘revolu-ção dos assuntos militares’ do Pentagono foram exaltados pela superioridade técnica das armas de alta precisão e pelos equipamentos aéreos, num discurso proferido pelo general Wesley Clark na década de 1990, adepto da guerra teleguiada no espaço aéreo e satelitário – com a pretensão de aumentar indefinidamente o alcance dos ‘ataques automáticos’ dos mísseis sobre os desertos [operação Desert Fox no Iraque]. Trata-se de uma extensão sobre o espaço aéreo de nações soberanas – estratégia Open Sky –, o que na guerra do Golfo Pérsico justificou a utilização sistemática desses ‘naves do deserto’, que são os mísseis Cruise, os drones teleguiados e outros objetos voadores não detectáveis por radar, como o caça F117. Houve uma questão oculta desde a falsa-vitória na guerra do golfo, em que a infinita disseminação das armas de destruição em massa não deixará mais nenhum lugar para a dissuasão entre Estados. Remete-se aos euromísseis, ligados à colocação, por parte dos soviéticos, dos famosos SS20 no território da Alemanha Oriental na década de 1980, os norte-americanos tiveram que mudar sua estratégia para a Europa e adotaram a concepção dos ‘ataques preemptivos’ na retaguarda do inimigo.

Na falta de uma estratégia ofensiva, proibida pela dissuasão, os EUA e a OTAN desenvolveram a ideia de um direito de preempção aéreo sobre o território inimigo, sem que os blindados soviéticos pudessem responder ao mesmo tempo aos seus ataques. A via aérea foi a única saída, daí o desenvolvimento dos ‘mísseis de cruzeiro’, dos drones sobrevoando a baixa altitude o Leste europeu para ataque. Espécie de intervenção automática e sem perigo de perdas humanas. No início da década de 1990, bastava desprogramar os tomahawks orientados contra Moscou ou Leningrado e dirigi-los contra Bagdá – arma favorita na guerra do Golfo Pérsico. Assim como os antimísseis patriot, os mísseis de cruzeiro tomahawks inauguraram a desregulamentação da dissuasão nuclear e os ‘ataques preemptivos’ tornaram-se uma estratégia ofensiva. Destaca-se desse arsenal, o avião furtivo [Stealth], o F117 americano, que prestou serviços durante o conflito no Golfo.

Numa guerra óptico-eletrônica o que é visto já está destruído, mais vale então ser destruído antes de ser visto, assim os inventores do F117 se beneficiaram de uma força de penetração capaz de desafiar os raios de ondas radioelétricas dos radares e de cegar as telas de controle. Avião-fantasma que cria armadilhas para modificar o campo de percepção do adversário e, sobretudo, antecipa o desaparecimento de sua própria imagem: destruição da representação, como advertiu Paul Virilio em ‘A Arte do Motor’. A Tempestade do Deserto foi uma guerra imperial contra o povo iraquiano, com o esforço de abatê-lo e matá-lo, como parte de um mesmo esforço de abater e matar Saddam Hussein. Após o ataque sistemático à sua infra-estrutura civil, o Iraque continuou a ser destruído pela fome, por doenças e desespero, não por causa da agressão ao Kuait, mas porque os EUA queriam presença física no golfo e uma desculpa para estar lá, que se explicitou em uma redefinição da agenda mundial: o Iraque era uma ameaça a Israel. A Guerra do Golfo não deixou de ser uma guerra entre George Bush e Saddam Hussein, no fundo, um combate personalizado entre, de um lado, um ditador do Terceiro Mundo que recebeu estímulos americanos e lhe oferecia muitos favores, de outro, um presidente que decidiu permanecer no Oriente Médio por causa de petróleo e vantagens geoestratégias e políticas, como enfatizou Edward Said em seu livro “Cultura e Imperialismo”. Durante décadas os EUA se alinharam com tirania ao Oriente Médio e estimularam o militarismo irrestrito, além de venderem armas nessa região para governos cada vez mais extremados.

Em virtude da obsessão americana, revoltados curdos e xiitas, inicialmente encorajados pelos americanos a se levantar contra Saddam, depois foram abandonados à própria vingança, mal foram mencionados. Considere-se que a Guerra do Golfo tornou-se aceitável em meados de dezembro de 1990, que os EUA não precisavam esperar que as sanções funcionassem, mas que deviam atacar o Iraque, impondo a derrota a Saddam. Com efeito, o renovado interesse no conceito da ‘guerra justa’, bellum justum, que remonta à tradição bíblica, mas que reapareceu no centro da narrativa da Guerra do Golfo, conforme Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Império”. Tradicionalmente, bellum justum se baseia na ideia de que um Estado terá o ‘direito a guerra’ – jus ad bellum – caso se veja diante de uma ameaça que pode por fim na sua integridade territorial ou na sua independência política. O Iraque foi acusado de violar a lei internacional, por isso foi julgado e punido. A Guerra do Golfo não foi capaz de nos mostrar como os EUA administraram sozinhos a justiça em nome de um direito internacional, nem como, com o uso global da força, os norte-americanos agiram com a colaboração de outros países, debaixo do guarda-chuva das Nações Unidas.

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