segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Socius-Amazônico


Em uma concepção específica de espaço amazônico prevalece uma ideia regional onde o novo e o velho se polarizam e se estranham. Articula-se uma logística amazônica complexa e incluem-se redes de energia, comunicação, circulação, para estruturar os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Destaca-se uma Amazônia como espaço estratégico de ação e resgata-se um modelo exógeno para a região, ao se propor a implantação de grandes ‘corredores de desenvolvimento’, acompanhando a visão do nacional desenvolvimentismo através dos ‘pólos de crescimento’. A descoberta de grandes reservas minerais na Amazônia, como é o caso da Serra de Carajás e da Foz do rio Trombetas, bem como as distâncias a serem percorridas para transformar os minérios em mercadorias, fazem da extração mineral um negócio para grandes empresas como a CVRD e a Alcoa, com lavras integralmente mecanizadas. Assim a região norte chegou a ser a segunda área produtora de minérios do Brasil, na década de 1990, de acordo com Claudio A. G. Egler em seu artigo “Crise e Dinâmica das Estruturas Produtivas Regionais no Brasil”. A extensão do complexo metal-mecânico para a região norte do Brasil, principalmente nos segmentos de eletro-eletrônicos, de consumo e de montagem de veículos de duas rodas, fez com que o peso relativo deste complexo na estrutura industrial regional fosse superior ao da média nacional, mesmo em relação ao indicado pelo sudeste brasileiro.

Discute-se outra noção da Amazônia, que se baseia no seu reconhecimento como espaço estratégico, para a ação e o planejamento do Estado e em detrimento dos interesses capitalistas. O conceito de Amazônia Legal, assimilado e divulgado por instituições de planejamento e de desenvolvimento regional, não deixa de ser uma expressão recorrente em documentos como os Planos de Desenvolvimento da Amazônia, apresentados por Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior em seu artigo “Pensando a Concepção de Amazônia”. Percebem-se nessas noções, expressões e conceitos, de todo modo, características que se explicitam: [1] de uma natureza considerada como matéria-prima, explorada através do solo, do subsolo, dos recursos hídricos, etc.; [2] de um espaço que não é tido em sua dimensão social, mas base material a ser ocupada, portanto, um espaço a-histórico, sem homem. Investe-se, então, em uma leitura que considera a distribuição de organizações [sociais e políticas] que revela outra face da Amazônia, a de sua sociedade. Os padrões detectados estão associados à intensidade de conflitos resultantes da combinação de vários elementos – estruturas produtivas, sociais e políticas; acessibilidade; origens étnicas e geográficas; densidade populacional; características naturais e culturais.

Uma das maiores expressões das ONGs traduziu-se, por muito tempo, pelo Grupo de Trabalho Amazônico [GTA], constituído a partir de iniciativas provenientes de Brasília e São Paulo. Chegou a congregar, na década de 1990, 316 entidades, a maior parte delas compostas por sindicados, pela Coordenação das Nações Indígenas, por organizações de pequenos produtores rurais. Deste modo destaca-se, conforme Bertha K. Becker em seu artigo “Redefinindo a Amazônia: o Vetor Tecno-Ecológico”, a dispersão dessas organizações no vale amazônico em sua dinâmica regional:

[1] o Acre e a região do babaçu no Maranhão são os que apresentaram o maior número de organizações, seguidos da região de Santarém e Carajás, o que revelou nessas áreas, com efeito, uma intensidade exorbitante de conflitos; [2] Um padrão espacial específico se revelava sobre as regiões de Carajás, Bico do Papagaio e Santarém, seguidas de Altamira, caracterizaram-se pela força de trabalhadores e pequenos produtores agrícolas expressa no peso de seus sindicatos e associações em luta contra as grandes fazendas pecuárias; [3] Acre, Rondônia e Amapá expressavam um padrão similar, com peso relativo às organizações de apoio às reservas extrativistas e às populações indígenas. No Acre a força sindicalista foi marcadamente mais intensa que em Rondônia e Amapá, onde se destacavam as entidades ambientalistas; [4] Verificaram-se diversas articulações entre sindicatos e cooperativas agroextrativistas, sobretudo de posseiros em luta contra os grandes proprietários pecuaristas, na região do babaçu; [5] enfim, Marajó apresenta um padrão próprio e diversificado, em ligação com Belém, tudo indicava para um caráter mais urbano, com ênfase nas associações de moradores.

Tecnologia versus Nativos [Guerra social]


A Amazônia tornou-se expressão básica das fronteiras. O governo federal assumiu diretamente a iniciativa da modernização, implantando uma ‘malha programada’ em tempo acelerado e numa escala gigantesca. Trata-se de programas e projetos que provocaram um imediato aumento do valor da terra e dos conflitos sociais, de acordo com Bertha K. Becker e Claudio Egler, em seu livro “Brasil: uma Nova Potência Regional na Economia-Mundo”, dos seis grandes projetos implantados segundo os objetivos do programa, até a década de 1990, somente um estrangeiro chegou a participar – o Alcoa-Billington.

A empresa que mais se destacou foi a estatal Cia. Vale do Rio Doce [CVRD], mas que se transnacionalizou nesse processo e diversificou suas atividades, ampliando sua participação no mercado mundial. Empresas como a CVRD ganharam autonomia relativa durante a expansão da segunda metade da década de 1970 e consolidaram posições positivas no mercado externo, principalmente por executar os grandes projetos de exploração mineral na fronteira amazônica, onde construiu sua própria territorialidade. Em contrapartida, a face privada e transnacional se apresenta na medida em que articula diretamente a região criada sob seu controle com o mercado mundial, ou seja, revela a fragilidade do Estado em impedir a ‘volatilização’ da parcela ‘nacional’ do mercado mundial. Global e localmente, a crise do território desvela-se com a Amazônia. Na década de 1970, os conflitos fundamentais se travaram na disputa pela terra entre posseiros e fazendeiros. A partir da década de 1980, em face dos grandes projetos que atuam sobre as vastas extensões florestais, estão sendo atingidas diretamente as comunidades indígenas e de extrativistas.

Diante da expansão dos conflitos, índios e seringueiros se aliam e buscam comandar uma luta por demarcação de terras indígenas e de reservas extrativistas – áreas federais com direito de usufruto pelos seus ocupantes. A frente de garimpeiros chegou a avançar em direção à fronteira norte, ameaçando as terras dos índios yanomamis, que está inserido em um projeto militar para a consolidação dessa fronteira: o Projeto Calha Norte, que envolve 1.221 km2, ou seja, 14% do território brasileiro. O povo yanomami submeteu-se a muitas pressões, que envolviam missões religiosas transnacionais; tráfico e contrabando pela extensa fronteira; atividade militar e ganância de empresas mineradoras.

Os garimpeiros conflitam com as firmas ao mesmo tempo em que procuravam manter as áreas de exploração manual de minérios. O Projeto Ferro Carajás, dirigido pela CVRD é um bom exemplo, cujo poder da corporação se evidenciava no controle de um imenso território e das reservas minerais contidas nele. A CVRD mantinha uma cidadela, company town, rodeada por um perímetro de segurança, dentro desse domínio estava Serra Pelada, onde mais de 80 mil garimpeiros escavam manualmente o solo em busca de ouro. A fim de sustar a ‘guerra social e tecnológica’ entre garimpeiros e a companhia, o governo federal fez algumas concessões aos garimpeiros, estendendo o prazo para a extração manual no território da CVRD. A Amazônia tornou-se símbolo de um desafio que envolve o dilema tecno[eco]lógico, que se manifesta em duas frentes de expansão contraditórias:

[1] a ‘frente energética’, cuja vanguarda sempre esteve nos projetos de expansão de empresas estatais ou ex-estatais, com a Eletronorte e a CVRD, visando a energia hidrelétrica e siderurgia com carvão vegetal; [2] a ‘frente biotecnológica’, que coloca a natureza como capital de realização futura, com a imensa biodiversidade e a maior reserva de genes do planeta. Traça-se o campo de uma materialidade de conflitos que envolvem corporações transnacionais, empresas estatais, agentes financeiros, cientistas, militares, índios, seringueiros, garimpeiros, que chegaram a formar estranhas coalizões.

Hiléia Amazônica [Integração Nacional]


A manobra geopolítica de integração nacional foi reformulada na década de 1960. Percebia-se a projeção continental em torno da região do triângulo Rio-São Paulo-BH, ou seja, a partir da base econômica acelerar-se-ia a integração à plataforma central, em suma, a estratégia do Planalto Central estava em plena marcha. Na década de 1970, elaborava-se um projeto de se integrar a Amazônia através de uma estratégia adequada que respondesse aos objetivos pretendidos e às especificidades regionais. Tratava-se de uma geopolítica pan-amazônica, ou seja, uma política aplicada ao espaço geográfico, mas a partir de três frentes históricas: a frente das vertentes andinas utilizada pioneiramente por Orellana; a frente do Planalto Central inaugurada por Raposo Tavares; a frente do litoral atlântico iniciada por Pedro Teixeira. A frente atlântica tradicionalmente foi colonizada seguindo rotas fluviais, esforço em que se insistiu até a década de 1960, quando começou a penetração nessa hinterlândia pela frente do Planalto Central. Rodovias foram construídas e projetadas descendo, a partir de então, as vertentes do Espigão Mestre até alcançarem o rio Amazonas em Belém, Santarém e Manaus. Manobra ampla que partia de três frentes, a que saía da foz do rio Amazonas e seus afluentes; a do Planalto Central descendo as escarpas até a grande planície; acrescente-se a que foi ao encontro do arco fronteiriço das vertentes do sul do sistema guiano e vertentes sul e oeste do sistema andino.

Na década de 1970 foi o período da projeção da rodovia transamazônica que cortava as três vias de descida do Planalto e ligava o Nordeste [Recife e João Pessoa] a Rio Branco no Acre, no sentido leste-oeste. A redinamização da frente andina exigiria o desenvolvimento das ‘bases partidas’, isto é, ‘áreas interiores de intercâmbio fronteiriço’, mas deveriam ser aquelas regiões onde já existe um mínimo de povoamento, articulação viária e de intercambio internacional, conforme Carlos de Meira Mattos em seu livro “Uma Geopolítica Pan-Amazônica”. Selecionam-se, pois os ‘centros formadores de fronteiras sul-americanas’ ou as três ‘áreas interiores de intercâmbio fronteiriço’:

[1] O sistema alto rio Negro-Branco – duas subáreas-pólos, uma constituída pelo triângulo internacional traçado entre Rio Branco [Brasil], Santa Helena [Venezuela] e Lethen [guiana]. Essa subárea já contava, na década de 1970, com uma articulação rodoviária no triângulo das três cidades e se ligava com Caracas e Manaus. O eixo da segunda subárea demarcava-se pelo rio Negro-Uaupés. Abrange-se toda uma linha paralela às fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia; [2] o sistema fluvial do Solimões – região fronteiriça entre Brasil, Colômbia e Peru. Esta área-pólo serve-se de localidades particularmente no eixo do Solimões: Tefé, Tabatinga, Benjamin Constant [Brasil], Leticia [Colômbia], Ramón Castilla e Iquitos [Peru]; [3] Os sistemas fluviais Madeira e Purus – interior do arco fronteiriço amazônico, ou seja, dois subsistemas fluviais constituídos pelas bacias do Madeira e do Purus. Localidades brasileiras [Porto Velho, Guarajá-Mirim e Rio Branco] e bolivianas [Riberalta e Cobija] dão suporte à região.

Lex Mercatoria & Guerra da Água


A disputa pela apropriação e controle da água vem se acentuando desde a segunda metade da década de 1990. A água não se apresenta mais como um problema localizado, manipulado por oligarquias latifundiárias regionais ou por partidos políticos. Com o ‘discurso da escassez’ e a invocação do ‘uso racional dos recursos’, por meio de gestão técnica, percebem-se verdadeiros indícios de os gestores com formação técnico-científica são novos atores protagonistas. O ‘discurso da escassez’ enuncia que embora o planeta tenha três de suas quatro partes de água, 97% dessa área está coberta por oceanos e mares, isto é, por água salgada, não disponível para o consumo. Discurso que diz que dos 3% restantes, cerca de 2/3 estão em estado sólido nas geleiras polares, logo, indisponíveis para consumo, portanto, menos de 1% da água total do planeta seria potável. Avalia-se que 119.000 km3 de chuvas caem sobre os continentes e 72.000 km3 se evaporam, assim 47.000 km3 escoam anualmente das terras para o mar, das quais mais da metade ocorrem na Ásia e na América do Sul, e uma grande porção em um só rio, o Amazonas, que leva mais de 6.000 km3 de água/ano aos oceanos.

A água é fluxo, movimento, por isso, por ela e com ela flui a vida e, assim o ser vivo não se relaciona com ela, ele é água. Por fim, os cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados relativamente contínuos de floresta ombrófila, em geral, fechada, no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guianas, Peru, Suriname e Venezuela, com suas 460 toneladas de biomassa por hectare em média é, em 70%, água e, assim, se constitui num verdadeiro ‘oceano verde’ de cuja evapotranspiração depende o clima, a vida e os povos de extensas áreas da América Central, Caribe e do Sul, do mundo inteiro, segundo Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”. A Amazônia, como uma área de florestas tropicais, cumpre um papel importantíssimo para o equilíbrio climático do globo, pela umidade que detém contribui para que as amplitudes térmicas [diferença entre as temperaturas máximas e mínimas, diárias e anuais] não aumentem ainda mais. Mas a água não circula apenas pelos rios, pelo ar, pelos mares e correntes marinhas, mas sob a forma [social] de mercadorias – tecidos, automóveis, matérias-primas agrícolas e minerais – enfim, sob a forma de mercadoria tangível. Se, por exemplo, para a produção de qualquer grão, seja de milho ou de soja, se demanda, com as atuais técnicas agrícolas, 1.000 litros de água, para um quilo de frango consome-se 2.000 litros de água. Lex mercatoria, ou seja, racionalidade econômica mercantil em que se basta multiplicar por mil as milhões de toneladas de grãos [milho, girassol, soja] para se saber a quantidade de água que está sendo exportada para onde se dirige esse fluxo de matérias-mercadorias.

As indústrias e plantações altamente consumidoras de água, ou que nela lançam muitos rejeitos, como as indústrias de papel e celulose ou de bauxita-alumínio, desde os anos de 1970, que transferem para os ‘países ricos’ – energia, minerais, solos, sol e água – exportando o proveito e deixando no país os rejeitos. A separação do minério de cobre numa jazida implica, por exemplo, abandonar cerca de 99,5% da matéria revolvida como rejeito, afinal trabalha-se com minerais ‘raros’, cuja proporção do material usado é bem menor que a dos rejeitos. Separar, portanto os minerais raros exige água e energia em proporções enormes, logo, a água é um meio amplamente usado e, diferentemente de qualquer commoditty, é insubstituível.

Se através da vida e da história transcorre que, hoje, uma quantidade maior de água doce se apresenta em estado líquido em virtude do efeito estufa e, com efeito, do aumento do aquecimento global, entretanto, apesar desse incremento da água doce disponível, percebe-se um aumento da escassez da água em certas regiões com a ampliação de áreas submetidas a processos de desertificação. Identifica-se que o crescimento exponencial de populações com o nível de vida europeu e norte-americano que está aumentando a pressão sobre esse e outros recursos naturais de modo insustentável. Erige-se um ‘mundo da água privatizada’ como um novo modelo de regulação em escala global, dominado amplamente por grandes corporações. Destacam-se as muitas propostas de privatização da água, em geral, pautadas numa ampla desregulamentação dos mercados e supressão dos monopólios públicos, sob a pressão de técnicos do FMI e do Banco Mundial: [1] privatização em sentido estrito, com a venda total dos ativos e transferência para o setor privado; [2] transformação de um organismo público em empresa pública autônoma, como a Agência Nacional da Água [ANA], no Brasil; [3] a PPP – Parceria Público-Privada – modelo preferido pelo Banco Mundial. Essa liberalização e mercantilização da água ensejam uma nova dinâmica à ‘conquista da água’.

As resistências à mercantilização e à privatização da água vêm se tornando cada vez mais frequente em todo o mundo, em vários casos os processos foram interrompidos: Cochabamba e La Paz [Bolívia]; Montreal, Vancouver e Moncton [Canadá]; em Nova Orleans, na Costa Rica, na África do Sul, em várias regiões da Índia, da Bélgica e em alguns municípios franceses, onde os serviços públicos de água administrados pelo Estado ou por meio de autogestão voltaram a se desenvolver. As denúncias em relação à privatização de água referem-se às consequências socioambientais decorrentes da integração de economias locais a um mercado que se quer nacional e mundialmente unificado, orientado na denúncia da produção para exportação e da exploração dos recursos naturais.

Sobre o argumento de que a água será a razão de guerras futuras - imersos numa guerra mundial envolvendo por todos os lados a água, ou seja, uma guerra pelo controle e gestão da água que vem sendo disputado nas reuniões da Organização Mundial do Comércio, discutido no Fórum Mundial de Davos, nas reuniões do Banco Mundial e do FMI, onde se decide um novo ‘código das águas’, ao torná-la mercadoria e, para isso, é preciso privar os homens e mulheres de acesso a ela. Sem privatização não há mercantilização? Pelo menos no sentido tradicional capitalista. Como essa guerra é um caso que não se ganha com bombardeios, mas com terror, pânico, diretamente nos territórios onde a água se faz presente, na medida em que ela atravessa toda a sociedade e seus lugares. Daí o porquê de todo lugar em que houve tentativa de se apropriar da água houve e haverá resistência.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Coulomb-3, Bryce e Hadrian [high tech IV]


Criado em 1963, uma década após a criação da Petrobras, o Cenpes [Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello] passou a desenvolver pesquisas tecnológicas e de engenharia, como instrumento da Petrobras, desde 1973 instalado na Ilha do Fundão no campus da UFRJ. O Cenpes define-se, no âmbito do sistema da Petrobras, como órgão que se encarrega de planejar, coordenar, executar pesquisas e acompanhar o resultado de suas inovações tecnológicas.

Além das tecnologias de processo e de produtos, o Cenpes desenvolveu, em especial a partir da década de 1990, capacitação em bioestratigrafia, sedimentologia, geoquímica, robótica. Vários projetos desenvolvidos colocaram o Brasil como um país considerado detentor de alta tecnologia [high tech] no setor petrolífero: plataformas de produção para águas profundas; sistemas submarinos de produção; projetos para construção, ampliação e modernização de refinarias; robôs e veículos teleoperadores para trabalhos submarinos; catalisadores, motores, embarcações especiais; sistemas de ancoragem; programações para produção flutuante em águas com profundidade de 1000m, 200m, até alcançar 3000m; criação do robô ambiental híbrido criado em 1988, como parte do projeto de monitoramento ambiental do gasoduto Coari-Manaus, capaz de colher, fotografar e enviar imagens, além de captar sons, além de outros projetos de robótica que compõem os equipamentos automatizados que apóiam à limpeza e a desobstrução de dutos.

O final da década de 1970, os técnicos da Petrobras construíram um mapeamento geológico da costa nacional, que passou a ser referência para a Marinha Brasileira. Em 1986, dois mitos começavam a cair, a impossibilidade de auto-suficiência e a inexistência de petróleo na Amazônia. Na década de 1990, entra em operação a primeira plataforma semi-submersível totalmente desenvolvida por técnicos da companhia; a Petrobras iniciou o fornecimento de gasolina de Fórmula I para a equipe Williams; novos recordes mundiais são marcados na produção petrolífera em águas profundas. Em 2006 a Petrobras comemora a auto-suficiência sustentável do Brasil na produção de petróleo, logo em seguida, definem-se os marcos exploratórios da camada pré-sal, na faixa litoral sul-nordeste do país.

De fato, enquanto os EUA se apoiaram no xá Reza Pahlevi de 1953 até 1979, a Petrobras criou o Cenpes e iniciou o desenvolvimento de técnicas para exploração marítima e pesquisas sobre biodiesel. Quando os EUA ativaram a guerra entre o Irã e o Iraque entre 1980 e 1988, depois a guerra do golfo na década de 1990 até à guerra em 2003, a Petrobras ampliou sua área internacional de atuação comercial e produção de petróleo para todos os continentes do mundo, além de ter sido premiada sucessivas vezes com o prêmio Offshore Technology Conference, levando em consideração a alta tecnologia que se desenvolve no Cenpes, por seus engenheiros qualificados em áreas diversas, em especial, pelos avanços na robótica. Um ano antes de terminar os conflitos no Oriente Médio, entre Irã e Iraque, em 1987, a Petrobras avança para o Golfo do México, quando adquiriu participação e oito blocos no setor americano.

A companhia adquiriu prospectos exploratórios em águas profundas, em 2004, quando arrematou 37 blocos no quadrante inexplorado [Corpus Christi] em águas de 500 a 2 mil metros na direção do Estado do Texas. A atual carteira de ativos da Petrobras América em águas americanas soma 321 blocos no Golfo do México. A perfuração de dois poços, Das Bump e Hadran; as perfurações dos prospectos de Zion e Bryce; a delimitação das jazidas de Saint Malo; a descoberta de gás natural no campo de Coulomb North; e o poço Coulomb-3, com cerca de 40 metros de reservatórios de gás natural; ações essas que estão longe de se equivaler economicamente a edificação de bases militares [como as latino-americanas], prontas para a pilhagem [em diversas fontes de recursos de países periféricos] ou para instigar a guerra [entre países vizinhos produtores de petróleo]. Não é que o Brasil, desde meados do século XX, desenvolveu um tipo especial de tecnologia que percorre o céu [aeroespacial], o mar [águas profundas] e a terra [biomassa], de modo localmente determinado e globalmente instalado, ou seja, o resultado de uma geoeconomia high tech motivada por uma geopolítica anti-globalização, o que chegou a perturbar toda a ordem mundial, ao deslocar o eixo leste-oeste para o norte-sul, entre os ‘territórios dos trópicos’ e os ‘países do norte’.

Trata-se de sinalizar uma diferença teórica entre uma máquina de guerra metamorfoseada como complexo industrial-tecnológico e de uma máquina de guerra institucionalizada militarmente, que só tem por objetivo a guerra. A improdutividade de se explodir armamentos e a produtividade de se explorar desenvolvimento tecnológico, ou melhor, o consumo do exército norte-americano e a produção tecnológica de petróleo brasileira. As armas no norte e as ferramentas no sul, a distinção hostil entre os soldados e os trabalhadores. Eis uma das maiores diferenças entre esses dois tipos de General Intellect, de trabalho imaterial, intelectual, no tocante ao setor petrolífero, entre a América do Norte e a do Sul.

Águas Profundas e Biomassa [high tech III]


Os Estados Unidos conseguiram um aliado importante no Oriente Médio, quando compactuaram com o golpe do xá Reza Pahlevi, após a nacionalização do petróleo iraniano, em 1953, exatamente quando a Petrobras foi criada, momento em que o Brasil estava na total dependência das multinacionais para a importação de petróleo e derivados. Tratava-se não só de assegurar uma riqueza que o Brasil parecia potencialmente possuir, devido as suas vastas áreas sedimentares, mas também de estabelecer um organismo forte e capaz de sobreviver no complexo mundo do petróleo.

Após um breve período, de 1953 a 1979, os Estados Unidos estavam mais envolvidos com sua expansão militar capitalista em oposição ao poder soviético, do que particularmente com a conquista de petróleo via guerra, aconteciam mais acordos comerciais desiguais entre os países proprietários de reservas naturais e as empresas norte-americanas, a um passo de tornarem-se multinacionais. Trata-se do período em que os EUA mantiveram o seu apoio iraniano do xá até a revolução islâmica dos aiatolá. Mas a partir da crise de 1973, com o aumento dos preços do petróleo, beneficiando diretamente os países produtores de petróleo, que foi acompanhado da institucionalização da OPEP, os campos petrolíferos começaram a se tornar áreas de enorme cobiça por parte dos EUA, grande potência que demandava um enorme consumo por barris de petróleo. Percebe-se o início de um acesso militarizado às reservas de petróleo por parte dos EUA, ao mesmo tempo um apoio irrestrito a governos democráticos ou autoritários, em princípio não interessava a forma governamental, mas sim se esses governos estavam dispostos ou não a representar os Estados Unidos em escala regional, principalmente no Oriente Médio e na América Latina, sobre o primeiro, conferir as análises de David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo”, sobre o segundo, destaca-se o livro “As Veias Abertas da América Latina”, escrito por Eduardo Galeano.

As guerras intestinas no Oriente Médio e as ditaduras na América Latina representam esse passado recente, em que os EUA detonaram guerras e pilharam recursos de nações inteiras, principalmente o petróleo, em busca de mais poder. Embora no Brasil não obtivesse reservas suficientes de petróleo prospectadas em seu território, a opção não foi a guerra por hidrocarbonetos nem a pilhagem de recursos, mas obtenção a reservas petrolíferas através do desenvolvimento de alternativas tecnológicas. A presença da empresa estatal Petrobras no Brasil que antecedeu e procedeu a crise de 1973, com destaque para dois ramos de desenvolvimento tecnológico: a expansão para a exploração de petróleo em águas profundas e a conquista por bioenergia tornaram-se alternativas expressivas.

Com a elevação dos custos de perfuração no final da década de 1960, a ‘perfuração submarina’ mostrou-se, alongo prazo, uma das opções mais promissoras. A Petrobras investiu, a partir de 1969-73, em explorações que redirecionavam suas pesquisas de terra para o mar, acompanhando uma tendência mundial. A Petrobras desenvolveu tecnologia própria para antecipar a produção de petróleo para, com a implantação de infra-estruturas definitivas de produção em águas profundas, o que aconteceu no final da década de 1970, com os sistemas antecipados instalados na bacia de Campos, em Cação [Espírito Santo], Bahia-Sul e Curimé [Ceará], conforme Melvin Conant e Fern Racine Gold em seu livro “A Geopolítica Energética”.

Para compensar a escassez em combustíveis fósseis, o Brasil despontou para a ‘era da biomassa’ como relevante fonte de energia, apta a fornecer hidrocarbonetos, a partir da enorme reserva de biomassa vegetal, o clima tropical e o solo propícios para produzir e repor continuamente energia originária de biomassa. Desde que se compreenda que o petróleo é biomassa, porém fossilizada. Deste modo, como marco histórico, o Programa Pró-Álcool, instituído em 1975, incrementou a produção do etanol para a fabricação de automotor, suprindo algumas indústrias químicas, de acordo Carlos de Meira Mattos, em seu livro “Geopolítica e Trópicos”. J. W. Bautista Vidal, físico brasileiro que sistematizou a noção de biomassa e deslocou, com efeito, a riqueza dos países temperados para os trópicos, o que para muitos representou uma revolução no entendimento da relação norte-sul. Marcava-se o período em que a população do Brasil começou aos poucos a deixar de lado a ‘alienação tecnológica’, a noção de que a tecnologia deveria ser importada de outros países. O ‘território dos trópicos’ tornou-se um lugar de mudança de direção do consumo e da produção de energia, a passagem do petróleo [fóssil] à biomassa [vegetal].

Questiona-se estruturalmente, pois as consequências desses projetos altamente distintos que envolveram os EUA [na América do Norte] e o Brasil [na América do Sul] na busca por acesso aos campos petrolíferos. De um lado, os incessantes bombardeios com fins políticos para facilitar o acesso ao petróleo pelos norte-americanos, de outro, o avanço inovador da companhia de Petróleo nacional brasileira desde 1953, que passando pelos mesmos efeitos da crise definiu metas alternativas para obter acesso ao petróleo. Ressalta-se, enfim, o monopólio nacional sobre as reservas de petróleo em subsolo brasileiro, sobretudo através da manipulação produtiva da companhia estatal Petrobras, ou seja, com forte regulamentação e intervenção do Estado. Afora a estratégia paranóica e sanguinária norte-americana, analisa-se a estratégia produtiva brasileira ao enfrentar a crise de 1973, com alternativas específicas de prospecção de petróleo, ou seja, a constituição de um trabalho intelectual, imaterial especializado em exploração petrolífera, um General Intellect destinado a desenvolver biotecnologia no Brasil, em plena era biopolítica.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Golpes e Pactos ad infinitum [Zelaya e Uribe]


Reconhece-se que uma estratégia norte-americana se estende até os dias de hoje, com os mesmos objetivos, mas com os efeitos um pouco alterados, ou seja, proporcionam dificuldades que ainda não tinham sido encontradas. Atualmente, regiões como as do Oriente Médio e da América Latina, [1] ainda continuam os principais campos de petróleo explorados pelos EUA, do mesmo modo que [2] regimes autoritários são apoiados nessas regiões, desde que assegurem os interesses estadunidenses, assim como [3] tornar essas áreas como zonas de manobras logísticas militares.

Do complexo domínio capitalista destacam-se as práticas econômico-neoliberais dos EUA que expõem três componentes intrinsecamente articulados: a] as forças armadas; b] o desenvolvimento tecnológico; c] os bancos e instituições financeiras. Das forças armadas desenvolvem-se paralelamente um ramo da indústria, belicoso, que impulsiona as inovações tecnológicas, tais como os setores de velocidade e visão [transporte e informação] amplamente analisados por Paul Virilio, como meios essenciais dos ataques e das instalações militares em áreas de exploração. Essa tecnologia, que resulta desses impactos das forças armadas em áreas periféricas de exploração precisa, em geral, ser assimilada e adaptada para o consumo civil, a fim de servir a indústria de massa, em especial, complexos industriais multinacionais, movidos a capital privado. São empresas que tendem a perder grande parte de seus ativos quando se desnacionalizam, quando se instalam em outros países, apesar de manter apenas o controle de suas ações e movimentação financeira em seus países de origem – o processo conhecido por desindustrialização dos países centrais. Os bancos e instituições financeiras são fundamentais nesse processo porque financiam essas multinacionais, com altos juros e criação de capital fictício, capazes de sustentar elevados recursos em longos prazos.

Essa organização estratégica se desencadeia a partir da ocupação militar em áreas providas de recursos naturais [como petróleo, biodiversidade, minerais, ferro, etc.] e, com efeito, desprovida de segurança, geralmente em países pobres ou em desenvolvimento. Essa invasão militar garante o acesso das empresas privadas multinacionais, logo, retroalimentando o crédito nas instituições financeiras e valorizando as ações em bolsas de valores. Essa estratégia está desgastada, sabe-se disso, mas parece que continua sendo a única alternativa norte-americana de tentar desintoxicar os papéis podres bancários e de reativar as privatizações empresariais nos países em desenvolvimento, que mantêm ainda algumas estatizações em setores estratégicos, além de impulsionar as forças armadas norte-americanas a desenvolver tecnologias, que são destinadas, principalmente, para a assimilação das indústrias privadas e de massa.

Foi desse modo que a CIA organizou o golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de Mohammed Mossadegh, que nacionalizou os campos de petróleo do Irã, o que se seguiu com a substituição do xá Reza Pahlevi em 1953 [apoiada pela CIA]. O xá firmou contratos referentes ao petróleo com empresas norte-americanas, sem devolver os ativos às empresas britânicas que Mossadegh havia nacionalizado. Desse modo o xá tornou-se um dos guardiães mais importantes dos Estados Unidos na região petrolífera do Oriente Médio. Trata-se de uma estratégia antidemocrática dos EUA, que os levaram a afirmar cada vez alianças com ditaduras militares e regimes autoritários, o que se percebeu de modo espetacular na América Latina a partir da década de 1960, segundo David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”. Nos últimos cinquenta anos, pois os EUA tornaram o seu projeto ‘democrático’ mais antidemocrático do mundo, ou seja, aliou-se e incentivou regimes autoritários, totalitários, que defendessem os interesses econômicos norte-americanos.

Destaca-se no pós-guerra, de um lado, a aliança com o xá do Irã, na década de 1950, bem como sua derrubada, em 1979, pelo o aiatolá Ruholá Khomeini, que pregava uma espécie de ‘governo islâmico total’, além do incentivo ao governo do Iraque [inclui-se o de Saddam Hussein] a entrar em guerra contra os seus vizinhos iranianos, de 1980 a 1988, um dos conflitos mais sangrentos do final do século passado. De outro lado, da década de 1960 até por volta da década de 1980, um encadeamento de regimes totalitários na América Latina alinhou-se aos Estados Unidos, que não só favoreceram o acesso às reservas mineiras, por exemplo, de ferro e petróleo, essenciais para a indústria militar, bélica, como se tornou campo de todo tipo de manobras logísticas [o canal do Panamá e as diversas bases áreas militares instaladas ao longo da América Central e do Sul], sobretudo os países latino-americanos foram pontos de aplicação da ‘tecnologia de poder’ capitalista, para prolongar e acirrar ao máximo o conflito bipolar com a URSS.

Frida Modak afirmou, em recente artigo “Os Interesses Econômicos que sustentam o Golpe em Honduras” postado no site oficial de “Agência Carta Maior”, que este país tem muito petróleo, conforme mostraram as prospecções feitas por uma empresa norueguesa há um ano, a pedido do presidente Zelaya, presidente deposto, que acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela. O projeto de Zelaya para a nova Constituição previa que os recursos naturais de Honduras não poderiam ser entregues para outros países. O grupo golpista liderado por Roberto Micheletti, um empresário do setor de transporte que fez fortuna, fomentou a invasão de centenas de soldados à casa do presidente Manuel Zelaya e o expatriaram para a Costa Rica, às 5 horas da manhã do dia 28 de junho de 2009.

Em reportagens publicadas pela Folha On Line, desde o início de agosto de 2009, sobre um acordo que facilita o acesso dos EUA a três bases da Força Aérea colombiana, situadas em Palanquero, Apiay e Malambo. Os governos da Colômbia e dos Estados Unidos discutem, além disso, a permissão aos americanos para utilizar três bases militares na Colômbia. O novo acordo, previsto para ser finalizado neste mês, permitirá a Washington manter 1.400 pessoas entre militares e civis nos próximos dez anos e compensará o recente fechamento da base americana de Manta, no Equador. Os EUA preveem investimentos de até US$ 5 bilhões pelo novo pacto.

Após a persistente manutenção da guerra contra o Iraque, por W. Bush, no início da década de 2000, e a propósito das bases colombianas e o golpe militar em Honduras: percebe-se através das evasivas de Barack Obama o reconhecimento de que o tempo não passou, de resto mantêm-se as mesmas estratégias de há cinquenta anos atrás, pelo menos, quiçá ad infinitum, mas encontram-se territórios cada vez mais resistentes. Se fossem identificados os níveis de uma informação estratégica, de acordo com Washington Platt em seu livro “A Produção de Informações Estratégicas”, que interrogam a ‘situação’[o que estão fazendo?], as ‘possibilidades’ [o que podem fazer?] e as ‘intenções’ [o que farão?] dos norte-americanos. Diz-se que estão promovendo as mesmas práticas, mas as possibilidades são bem mais limitadas e suas intenções se relativizam na medida em que muitos países latino-americanos e do Oriente Próximo já não se camuflam como nações amigas, revestem-se, portanto de um explícito nacionalismo, principalmente para demarcar seus recursos naturais e deixaram de ser dependentes dos capitais provenientes exclusivamente das instituições financeiras com forte apego aos cofres norte-americanos. Percebe-se, enfim, que Barack Obama não tem muita escolha e maximiza velhos truques [golpes militares em áreas com campos de petróleo e acordos para manter bases militares próximas], entretanto com menores efeitos comparados aos alcançados no passado. Entre republicanos e democratas, o que levou os EUA a não produzir tecnologia para prospectar petróleo, mas a capturá-lo à base de embustes políticos e truques maquiavélicos em países periféricos?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Máquina de Guerra do Sul [Chaco Petroleum]


A paranóica sede por petróleo de povos civilizados e insanos não provocou somente golpes de Estado na América Latina, desencadeou a guerra do Chaco [1932-35] entre os dois povos mais pobres da América do Sul. Reni Zavalte designou por ‘Guerra dos Soldados Nus’, a matança recíproca entre Bolívia e Paraguai, como assinalou Eduardo Galeano em seu livro “As Veias Abertas da América Latina”. O senador de Lousiana, Huey Long, em maio de 1934, denunciava a Standard Oil de New Jersey por provocar o conflito, além de financiar o Exército da Bolívia para que se apoderasse do Chaco paraguaio: espaço necessário para estender um oleoduto boliviano. Os paraguaios, em contrapartida, obtinham o apoio da Shell. Disputas de duas empresas sócias e inimigas em um mesmo complexo industrial, mesmo cartel. Acrescente-se os poços de petróleo e as jazidas de gás natural explorados pela Gulf Oil Co., próximos aos territórios mais longínquos dessa batalha. Duas empresas rivalizaram a exploração dos recursos naturais no subsolo do Terceiro Mundo e incitaram à guerra povos, primitivos, selvagens: de fato, não é um argumento novo, mas como essa situação ganhou terreno na América do Sul?

Nada incomum, considerando que a máquina de guerra é o próprio motor da máquina social primitiva, afinal a guerra impede, repele o Estado. A recusa do Estado é a recusa à exonomia [lei exterior], iso é, a recusa à submissão. A sociedade primitiva sul-americana assentou-se em uma multiplicidade de comunidades indivisas, sob uma lógica centrífuga, onde a guerra passa a ser, portanto, o mecanismo que garante essa dispersão territorial. Quanto mais guerra, menos unificação. O Estado é o inimigo da guerra. A guerra impede o Estado. Sociedades para a guerra e sociedades contra o Estado, eis, pois o que foi, para Pierre Clastres, até o século XIX na América do Sul: uma Máquina de Guerra Primitiva, destacado em seu livro intitulado “Arqueologia da Violência”. Enfim, a sociedade primitiva se expande num espaço de guerra permanente. Uma máquina de dispersão contra uma máquina de unificação – a guerra contra o Estado.

Ninguém se espanta com essa proposição, pois o continente americano [de sul a norte] sempre possuiu uma ampla amostragem de sociedades que levaram longe sua vocação guerreira, o que se prolongou intocado na paisagem selvagem do Terceiro Mundo até o século XIX, antes do rufar dos nativismos, nacionalismos do século XX. A institucionalização de espécies de confrarias de guerreiros é um vestígio natural dessas práticas. A guerra ocupava o centro da vida política e ritual no 'socius primitivo'. Reconhecimento social à forma quase a-social da guerra e aos homens que a conduz. Do outro lado, bem a oeste dos campos de engenhos [agrário, minerador] e das cidades modernas [comerciais, industriais] no litoral brasileiro pré-rebuplicano, ressalta-se uma América do Sul selvagem, belicosa, canibalesca, entre as suas numerosas tribos de ‘cultura guerreira’, por exemplo, na Grande Chaco, austera em vasta região tropical, entre os territórios do que se chama hoje Bolívia, Argentina e Paraguai, do século XVIII, em plena expulsão dos jesuítas, em 1768. Foi um fracasso integrar o Chaco, porque contra a evangelização concorria uma paixão guerreira de índios como os Abipones, Mocovi, Guayakuru-Mbyá. Na parte paraguaia do Chaco, perto do rio Pilcomato, que separa a Argentina ao sul, no curso médio desse rio, faz-se fronteira com o território dos índios Chulupi. As tribos e suas tradicionais práticas, livres, autônomas –, mas a guerra ocupava lugar central entre os Nivaké. Até o início de 1930 – o Chaco paraguaio era um território exclusivamente indígena: terra incógnita que até os paraguaios pouco conheciam.

Em 1932, o Estado boliviano tentou anexar essa região – a Guerra Mortífera – a guerra do Chaco que opuseram bolivianos e paraguaios, que acabou em 1935, com a derrota do exército da Bolívia. Não resta dúvida, mas é preciso ainda investigar o ethos guerreiro das sociedades sul-americanas e experimentar os ritos e as técnicas da ‘guerra índia’, com sua solidariedade tribal, que conservam em certa autonomia até o presente: armar emboscadas para os inimigos hereditários, como os Toba argentinos e os Chulupi. Como atravessar o ‘monopólio da violência organizada’, cuja capacidade militar se exerce contra os inimigos, traçada por guerreiros em fuga – prisioneiros da morte, mas num canibalismo quase banal: nus e a chacoalhar os seus escalpos.

Como imaginar a chuva de balas que se sucedeu após 1935, com o fim desse armistício até resultar, no final do século XX, no ‘nacionalismo militar andino’? Em termos etnopolíticos, a imperial submissão incaica entrava em choque, em suas franjas territoriais com um povo que esconjurava o poder, desobedientes, insurretos, florestanos. Em termos técnico-econômicos, uma cultura da guerra tribal se fundiu a uma cultura do petróleo. Máquina de Guerra Primitiva que engole os complexos industriais? As duas direções da máquina de guerra deleuze-guattariana convergem pela primeira vez, quando a Guerra do Chaco foi promovida na América do Sul? A colisão do Primeiro e do Terceiro mundo no locus da emergente exploração da natureza? Os complexos-industriais confrontam o ambiente selvagem e mobilizam bandos, tribos e toda uma espécie de nativos, ávidos por guerra? Que motor foi esse? Que propulsão foi essa movida por ‘guerras tribais’ e ‘complexos industriais’? Como decifrar a intercalação de paisagens paradisíacas [Andes, Pampas, Patagônia] em ‘ecossistemas maquínicos’? No Novo Mundo, seja na costa do Pacífico seja no litoral Atlântico, de leste a oeste em vasta paisagem selvagem, emergiram máquinas sociais ávidas por guerra, petróleo e justiça... o que seria mesmo o ethos guerreiro sul-americano?

O Império Incaico e o Esconjuro Guerreiro


Povos sul-americanos em templos gigantes e tribos emaranhadas numa carcaça vegetal gritante: de um lado, povos de olho no Sol, de outro lado, tribos com gosto de sangue. Trata-se de arrebatar o curioso hábito primitivo dos povos e tribos sul-americanos de se submeterem aos Impérios e, ao mesmo tempo, por sua igual avidez em destruí-los. Escudo rochoso, planaltos e planícies torneadas pelo oceano Pacífico, a oeste, e pelo oceano Atlântico, a leste, caravelas inteiras não o viram nem o reviram. Ao norte do subcontinente, em suas mais altas montanhas, não se cansou de gerar impérios sucessivos, sujeitando os próprios corpos que desejavam involuntariamente a própria sujeição. De nordeste a noroeste, passando por sul a sudeste, em uma vasta dimensão tropical, um círculo se irradiava e expandia redes de sociedades tribais, com laços sociais hostis entre si e relações tecidas pela centrifugação de guerras permanentes, contra o poder unificado imperial. A maculosa imagem dos clássicos estados-imperiais sul-americanos, despóticos, e seu anverso não menos histórico, o socius primitivo e selvagem, ou a máquina de guerra contra o Estado.

A América do Sul estava inteiramente ocupada pelos homens no momento do seu ‘descobrimento’, no final do século XV, com raríssimas exceções, como no deserto de Atacama, no extremo norte do Chile. A extensão territorial e a variação climática fundam uma sucessão de ambientes ecológicos e de paisagens no sul da América que partem da floresta equatorial úmida do norte [bacia amazônica] às savanas da Patagônia, até ao clima inóspito da Terra do Fogo. A essas diferenças naturais acrescentam-se culturas ameríndias muito contrastadas: agricultores sedentários andinos, agricultores itinerantes [com queimada de floresta]; caçadores-coletores nômades. Na América do Sul, as culturas de caçadores são minoritárias, sua área de atuação corresponde onde a agricultura foi impossível, por causa de elementos naturais e climáticos repulsivos, em geral, como na Terra do Fogo e nos pampas argentinos. Por isso a ausência de agricultura não persistiu entre eles como um modo de vida, estável ao longo do tempo, mas proveio de perdas sistêmicas: os Guayaki no Paraguai e os Sirionos da Bolívia praticaram e abandonaram a agricultura com queimada, e voltaram a ser caçadores nômades, inúmeras vezes, devido a diversas circunstâncias naturais e históricas.

Na América pré-colombiana, no tocante a ocupação real e simbólica do espaço, os índios florestais comportam-se em seus territórios, enquanto o dos Andes foram povos da terra, ou melhor, camponeses. A história dos Andes parece se confundir com uma sucessão de aparecimentos e desaparecimentos de impérios, fortemente teocráticos, o último deles, e o mais conhecido, é dos Incas, cuja expansão territorial irradiou-se do atual Peru e se estendeu por Equador, Colômbia, Bolívia, Argentina. O imperialismo político dos Incas era ao mesmo tempo cultural e religioso, cujo astro solar [Inti] impunha-se como figura maior do seu panteão. O Sol tornou-se uma divindade pan-peruana instituído por um sistema político atravessado por despotismos arcaicos, que identificava o seu senhor ao império do Sol – os imperadores eram considerados, por isso, filhos do sol. O período incaico estendeu-se do século XIII até a chegada dos espanhóis.

Desejo de submissão, próprio das sociedades com Estado, tal como no Império Inca, mas por outro lado, a ‘recusa de obediência’ caracteriza os selvagens, desobediência como efeito do funcionamento intrínseco de suas máquinas sociais tribais. A tribo busca separar o poder e a chefia, porque ela não quer que o chefe se torne o detentor de poder. Para os florestanos, trata-se de recusar a relação de poder para impedir que o desejo de submissão se realize –, ao ponto de abandonar e exclui um chefe que quer bancar de chefe, caso ele insista no poder, eles chegam a matá-lo, esconjuro total. “A Sociedade contra o Estado” é um livro em Pierre Clastres dedicou a esclarecer esses mecanismos de conjuração do Estado comum às tribos sul-americanas. O que resta ainda desse desejo por submissão pré-colombiana nos dias de hoje? Como compreender a insanidade do terror do narcotráfico senão através destes vetores políticos de submissão incaica e de rebelião selvagem? Qual o lugar da Colômbia, da Bolívia e de Venezuela nisto? Qual o lugar em que se posiciona inteiramente o Brasil? Percebe-se, pois, de um lado, o Império Inca, que separa os homens entre detentores e submetidos ao poder, de outro, as tribos florestais, que são igualitárias e se expressam em relações entre iguais – qual outro nome de justiça?

El Chapare, Campesino Cocaleiro



Os primeiros europeus que chegaram ao Novo Mundo operaram uma divisão abstrata que agrupava diferenças étnicas muito específicas: de um lado, as sociedades dos Andes [submetidos ao poder imaterial da eficiente máquina de Estado Inca], de outro, as tribos que povoavam o resto do continente [índios das florestas, savanas e pampas – ‘gente sem fé, sem lei, sem rei’, segundo cronistas do século XVI]. Acontece que o ponto de vista europeu correspondia à opinião professada pelos Incas, de acordo com Pierre Clastres em seu livro “Arqueologia da Violência”, para eles, os selvagens eram desprezíveis e só seriam reconhecidos bons selvagens caso fossem reduzidos a pagar impostos ao rei, ao déspota. Esta é exatamente a linha que separa os povos indígenas da América do Sul: os andinos e os outros; os civilizados e os selvagens, as altas culturas e as civilizações florestais. Em seu “Discurso sobre a Servidão Voluntária”, La Boétie descobriu que a sociedade na qual o povo quer servir ao tirano é histórica, que ela não é eterna nem existiu sempre, algo aconteceu para que os homens caíssem da liberdade para a servidão. O nascimento do Estado se realiza quando há a divisão da sociedade entre os que mandam e aqueles que obedecem. Assim a sociedade decai em submissão voluntária de todos a um só. Data daí a operação que distingue as ‘sociedades de liberdade’, conforme a natureza do homem, e as ‘sociedades sem liberdade’, onde um comanda os outros. Dessa forma os homens obedecem não por medo da morte ou por efeito do terror, mas voluntariamente, porque sentem vontade de obedecer, ou seja, tudo por servir a um tirano.

Na América do Sul, ao longo desses séculos que sucederam ao fim do Império Inca, tribos das florestas se singularizaram, em geral, sob um processo constante de assimilação e transculturação, sem deixar de lado seus ritos, mitos e línguas nativas. Os problemas políticos que assolam a América do Sul, nos primeiros anos do século XXI, não deixam de se posicionar nos mesmos termos de ‘servidão voluntária’ e ‘recusa de obediência’, que se redimensionavam no passado, através do Império do Sol e das tribos florestanas, o que está ainda invariante na postura subserviente colombiana e na conjuração do imperialismo norte-americano por parte de bolivianos. Trata-se, numa genealogia das práticas de poder, do conflito entre sociedades com Estado e sociedades contra o Estado, de maneira tal que seja possível compreender uma nova mutação dessas práticas de poder na Amazônia Andina, em cujo governo de Álvaro Uribe na Colômbia destaca-se uma tendência à submissão aos imperialistas, aos interesses militares e econômicos norte-americanos? Em contrapartida, de que modo o governo rebelado de Evo Morales ecoa um discurso de desobediência a esse mesmo imperialismo, que se propôs erradicar o plantio de coca sul-americano? Mais do que entre a oposição de Venezuela e Colômbia, que em termos de ‘máquinas de sujeição’, nesta análise, garantem a permanência de máquinas despóticas semelhantes em seu funcionamento, embora embaladas pelo combustível norte-americanizado de uma e pelo motor anti-USA da outra. Desde que os EUA instalaram o terror no narcotráfico sul-americano, trata-se de opor Bolívia e Colômbia, em termos de ‘recusa da obediência’ e de ‘servidão voluntária’. A ‘servidão voluntária’ do governo Uribe é histórica, desde que os colombianos viveram um flagelo nacional com a violência dos chefes do tráfico de cocaína, nas décadas de 80 e 90.

Antes que a Colômbia se jogasse numa autodestruição, voluntariamente assinaram um programa com os EUA, o ‘Plano Colômbia’, onde os americanos financiariam a militarização colombiana contra o narcotráfico: dinheiro, armas, treinamento e Inteligência, para que os seus policiais e militares combatessem os plantadores de coca e os guerrilheiros que lhes dão proteção. Acordo servil, que ostenta a incontestável repressão ao narcotráfico por colombianos, mas que, em matéria recente, faz dos bolivianos um ambiente propício para a recusa à obediência, já que os plantios significativos de coca não estão cultivados na Venezuela, ou seja, as ‘fontes’ de drogas perseguidas pelos EUA estavam no Peru, de Sendero Luminoso, e na Colômbia até a era-Uribe. Então, resta voltar a atenção para Chapare na Bolívia. Recusa explícita do governo de Evo Morales e do ministro Felipe Cárceres, ex-cocaleiros, que não obedecem ou reconhecem às intervenções da ONU ou da UNODC, quando apontam que 66% da produção de coca boliviana é desviada para o narcotráfico. Não há saída para os bolivianos. O discurso da ‘recusa a obediência’ é reflexa. Como aderir a essas afirmações? Ou não recusam, e os bolivianos vão assumir o novo fardo do narcoterrorismo sul-americano sozinhos?

Essas instituições transnacionais, em consonância com os norte-americanos, afirmam que houve um crescimento enorme da coca na economia boliviana de 2008 em relação a 1998, de 0,37% para 3%. Nessa paisagem de densa atmosfera, acusam Hugo Chávez por fazer uma ‘guerra imaginária’, que realmente é irreal de fato. Enquanto a real guerra andina está nos atos de coação à Bolívia e, com efeito, a sua insubordinação – cuja militarização colombiana endivida-se e se confunde com as franjas da própria máquina militar norte-americana que criou bases físicas no Andes para combater o narcotráfico. Em “Mil Platôs”, Gilles Deleuze e Félix Guattari apontaram o complexo-industrial como uma metamorfose da máquina de guerra, no entanto os neoprimitivismos seguem outra direção dessas metamorfoses. De que nos serve associar a máquina de guerra aos bandos que envolvem o narcotráfico andino? De que maneira a cartografia das máquinas de guerras sul-americanas, em suas duas direções [bandos e complexos tecnológicos], será capaz de antecipar táticas para conjurar os mecanismos estratégicos que definem o narcoterrorismo como objeto de sujeição bélica norte-americana?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Espaço Aéreo da América do Sul [High Tech I]


A lei do Estado não é a do tudo ou nada, ou seja, não se trata de sociedades com Estado e sociedades contra o Estado. A lei do Estado é a do interior e a do exterior, para Gilles Deleuze e Félix Guattari em “Mil Platôs”. Quando se pensa em soberania, percebe-se que ela só reina sobre aquilo que ela é capaz de interiorizar, de apropriar-se localmente. O ‘fora’ do Estado é tanto ‘política externa’ como, principalmente, um conjunto de relações entre os Estados. O fora pode aparecer como máquinas mundiais [grandes companhias, complexos industriais, até mesmo formações religiosas] ramificadas pelo globo, mas o fora também irrompe como ‘mecanismos locais de bandos’, minorias que buscam afirmar os direitos de sociedades segmentárias contra os órgãos estatais. Duas direções, entre tantas, se desenvolvem no mundo moderno: certas ‘máquinas mundiais’ e uma espécie de ‘neoprimitismo’. Em geral, o Estado se reproduz como interioridade, sempre idêntico a si, porque ele não se oculta, procura ser reconhecido pelo público. Enquanto os ‘bandos’ e as ‘organizações globais’ se apresentam como ‘máquinas de guerra’, polimorfas e difusas, exteriores aos Estados.

Na América do Sul, não é difícil detectar o ‘narcoterrorismo’ como esse tipo de formação de bandos ‘neoprimitivistas’, de ‘mecanismos de bandos’, espécie de máquina de guerra que busca impor sua subjetividade aos Estados. Deixe-se de lado um pouco o narcoterrorismo, para que se possa identificar um dos complexos militares e industriais sul-americanos, que se direciona também em suas metamorfoses, mas através de megamáquinas, instaladas fora dos aparelhos identitários de Estados, que se renovam em ciclos industriais e tecnológicos. Identifica-se a organização desse complexo, ao mesmo tempo em que se destaca o setor aeroespacial. Questiona-se então por que, no amplo rol tecnológico, seleciona-se na América do Sul, primeiramente, o desenvolvimento aéreo?

Primeiramente, ressalta-se que a evolução dos armamentos e das estratégias políticas na história das nações, depois do multissecular domínio da força naval, aponta-se para o predomínio aéreo, da fatalidade de uma guerra do alto, no céu, que eleva o combate a níveis extremos e implica o imperativo de uma arma absoluta, afirmou Paul Virilio em seu livro “Estratégias da Decepção”. Em seguida, percebe-se que neste arsenal aéreo o que está em jogo não são apenas aeronaves, mas redes de satélites e sistemas de radares; satélites de escuta de sinais eletrônicos a radares geradores de imagens; Global Positioning System, Global Information Dominance; instrumentos de teledetecção, drones de reconhecimento automático, entre outros mecanismos – um ‘ecossistema de armas aéreas, orbitais e cibernéticas no espaço hertziano’.

A partir dessa orientação geoestratégia peculiar que o espaço aéreo e suas tecnologias alcançaram no final do século XX e início do século XXI, interroga-se se na América do Sul foi constituído um know-how como esses, trabalho intelectual típico General Intellect ‘aeroespacial’? Ou assinala-se apenas um riacho que Giscard d'Estaing via se irromper de sul a norte, abrindo-se para derrotar planos de organização, como a antiga Ordem Mundial bipolar posta leste a oeste? A máquina de guerra que Gilles Deleuze e Claire Parnet viram, em seu livro "Diálogos", como um corsa aqui ou um levante ali, um sequestrador de avião, seja como for, para eles, sempre haverá algo ou alguém para surgir no sul...

Atlântico-Sul Aero-Orbital [High Tech II]


Não só em relação à América do Sul, mas em relação a muitos continentes, o Brasil levou certa vantagem no que se diz respeito à tecnologia ‘aero-orbital’. Desvela-se, pois o que levou o Brasil a desenvolver tecnologia aeroespacial? Houve algum tipo particular de motivação? É necessário descartar a hipótese de que a extensão territorial brasileira não só incentivou a tecnologia aeroespacial, como inviabilizou a ampliação de sua malha rodoviária e ferroviária? Antes dessa interrogação, uma digressão sobre o poderio aéreo brasileiro, a partir de três pontos principais: as rotas aéreas no Vale do Paraíba do Sul, inauguradas pelo correio aéreo militar; a criação dos centros tecnológicos e institutos de formação em engenharia aeroespacial; e da produção de aeronaves e tecnologia aeronáutica no Brasil.

[1] As rotas aéreas do Brasil resultaram dos primeiros aparelhos da aviação brasileira do Correio Aéreo Nacional, seguindo os vales dos rios, os caminhos naturais da expansão territorial e os lugares preferenciais da aglomeração populacional no país. O ano de 1931 assinalou o início do Correio Aéreo Militar, marco sublinhado no livro “Os Transportes no Atual Desenvolvimento do Brasil”, coordenado por João Baptista Peixoto. Os voos da conhecida ‘rota do vale do Paraíba’, que se tornou oficial com a rota entre Rio de Janeiro e São Paulo, linha inicial que se estendeu, um pouco mais tarde, em uma rota ao interior do Brasil, até Goiás.

[2] O primeiro instituto de formação de engenheiros aeronáuticos brasileiros foi instalado no Vale do Paraíba, em São José dos Campos [SP], em 1946, no Centro Técnico da Aeronáutica [CTA], atualmente conhecido por Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial. Trata-se do Instituto Tecnológico da Aeronáutica [ITA] é uma instituição de ensino superior ligado à Força Aérea Brasileira [FAB], possui cursos de graduação e pós-graduação em áreas ligadas à engenharia do setor aeroespacial.

[3] A Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A] foi fundada em 1969, como empresa de capital misto, mas em 1994 foi privatizada, com o controle proprietário de brasileiros. A empresa tornou-se experiente em projeto, fabricação, comercialização e pós-venda, chegou a produzir mais de 4.100 aviões, que operam em 69 países nos cinco continentes. A Embraer desenvolve tecnologia de aviação comercial [com sua linha de jatos regionais]; aviação de defesa [cerca de 20 forças aéreas no exterior operam com os seus produtos, dotados de sistema de vigilância, de controle alerta aéreo antecipado, ou de sensoriamento remoto]; aviação executiva [inaugurada em 2001 com a produção do Legacy]. Destaca-se o uso do Centro de Realidade Virtual [CRV] equipado com computadores gráficos, capazes de visualizar em três dimensões toda a estrutura de uma aeronave em fase de projeto, ou seja, customização que chega a produzir aeronaves com diferentes especificações e possibilidades de personalização junto aos clientes. Há oito simuladores de voos no mundo onde são treinados novos pilotos que voarão com os jatos regionais da Embraer. Utiliza-se, enfim, túneis aerodinâmicos para avaliar as características dos aviões em desenvolvimento.

A unidade controladora da Embraer está sediada no Brasil, também como o CTA e o ITA, na cidade de São José dos Campos – unidade que projeta e fabrica, além de dar suporte a aeronaves para os mercados de aviação comercial, executiva e de defesa. Há outras unidades da Embraer no interior de São Paulo, mas os escritórios regionais da empresa espalham pelo mundo, como o fundado em 1979, a Embraer EUA que está localizado em Fort Lauderdale, na Flórida; há a Embraer na França; na China; em Cingapura. Por isso a Embraer, terceira maior produtora de jatos comerciais, tem sido caracterizada por ser uma das maiores exportadoras brasileiras. Em 2002, foi criada a Harbin Embraer Aircraft Industry Co. Ltda [HEAI] que possibilitou a construção e venda de aviões ERJ-145 para o mercado chinês. Em 2004, uma associação com a Lockheed Martin foi criada para fornecer aviões de sensoriamento remoto com base no ERJ-145 para a marinha e a aeronáutica dos EUA, mas esse projeto foi suspenso pelo cancelamento do projeto por parte do exército norte-americano em 2006. Em 2005, a Embraer adquiriu parte da empresa portuguesa OGMA [Indústria Aeronáutica de Portugal] especializada em manutenção e produção de peças e aeronaves. Em 2006, o governo dos EUA vetou tanto as vendas de Super Tucano à Venezuela quanto à comercialização de aeronaves ao Irã, vetos justificados por transferência de tecnologia, pois esses mesmos aviões possuem tecnologia aviônica norte-americana. Em 30 de junho de 2007, a Embraer contava com 23.637 funcionários e sua carteira de pedidos firmes totalizava US$ 15,6 bilhões de dólares. Para se ter uma idéia dos tipos de contratos que envolvem uma empresa deste porte, a Embraer chega a assinar contratos com empresas, como a Air France/KLM, por exemplo, para aquisição de 20 E-Jets em torno de US$ 657 milhões a 1, 245 bilhão, caso todas as opções forem exercidas.

De que valem essas transações comerciais, se as Forças Armadas Brasileiras se negativizaram por seus golpes políticos, por suas torturas e censuras? Por irreparáveis danos políticos causados ao povo brasileiro, com o seu Estado de Exceção? Entretanto, um paradoxo se instalou no Brasil, os militares começaram a se acotovelar não em Brasília, mas num lugar mais propício: entre o complexo industrial e as transferências de tecnologia. Será que é possível identificar uma metamorfose militar numa linhagem tecnológica [high tech] mais produtiva no Brasil? Em que medida se percebe uma espécie de trabalho imaterial [General Intellect] dando nova forma às forças militares? Mas ninguém duvida: uma verdadeira hegemonia não se estrutura apenas militarmente, como urge, de guerra em guerra, os norte-americanos. Uma hegemonia se baseia, sobretudo por pressupostos econômicos e tecnológicos, como eles já foram um dia e como vem se destacando o Brasil no Atlântico-Sul, em setores estratégicos, como o aeroespacial.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

General Intellect e Amazônia Andina


A força produtiva nasce dos sujeitos e se organiza na cooperação. No século XIX, a cooperação produtiva não era imposta pelo capital, mas por uma habilidade intelectualizada, desmaterializada, pode-se dizer uma força de trabalho mental, imaterial, ou seja, trabalho linguístico, que só pode se expressar de forma cooperativa. Trata-se do General Intellect que, ao longo do desenvolvimento capitalista, acabou por se expandir e inclui em sua organização aquilo que formalmente lhe está externo. General Intellect é um conceito que está contido nos Grundrisse de Karl Marx [1858-9], curiosamente publicado na Rússia somente em 1954. Para Antonio Negri, em seu livro “5 Lições sobre o Império”, atribuir características linguísticas ao General Intellect desenvolve as suas determinações biopolíticas.

Ao considerar apenas as abordagens foucaultianas, biopolítica opõe-se à anatomopolítica, ou em outros termos, à disciplina [controle dos corpos e dos indivíduos, tecnologia do adestramento]. Mas por isso biopolítica significa um controle como tecnologia de poder dirigido às populações, quando os efeitos de massas próprios de uma população podem ser agrupados. Considera-se o livro “Rechercehes et Considérations sur la Population de la France” que Jean-Baptiste Moheau publicou em 1778, porque Michel Foucault o considera va um grande teórico do que designava por biopolítica e biopoder. Nesta perspectiva, depende do governo mudar a temperatura do ar e melhorar o clima; dos tráfegos dos cursos dos rios, de florestas plantadas ou queimadas, de montanhas destruídas pelo tempo ou pelo cultivo contínuo da superfície: as ações do tempo, da habitação da terra, das oscilações na ordem física, com efeito, tudo aquilo que pode tornar os recantos mais sadios em ambientes mórbidos. Trata-se, pois de perceber que o soberano não é mais aquele que exerce seu poder apenas sobre um território a partir de coordenadas geográficas, mas de um soberano que se relaciona com a ‘natureza’, ou então, com a interferência perpétua de um meio geográfico [climático, físico, povoado em sua condição física e moral]. O soberano, portanto exerce seu poder na articulação em que a natureza e seus elementos físicos vêm interferir com a natureza humana. Enfim, trata-se de uma técnica de poder que se dirige ao meio. Compreende-se por meio um conjunto de dados naturais [rios, lagos, florestas e pânicos] e conjuntos de dados artificiais [aglomerações de casas e indivíduos]. O que qualquer soberano busca atingir através desse ‘meio’ é exatamente o ponto em que os acontecimentos produzidos por indivíduos e populações interferem com os acontecimentos naturais que se produzem ao seu redor. É assim que os ‘dispositivos de segurança’ [policiais e militares] vão poder trabalhar, criar, organizar e planejar um ‘meio’, antes mesmo de a própria noção de meio ter sido formada, isolada – o meio vai ser aquilo que se faz em circulação.

Se os generais foram transformados em ‘organizadores do território’, Paul Virilio articulou, em seu livro “Velocidade e Política”, uma dupla imagem do soldado e do proletário, a origem propriamente moderna do exército de reservas e do militar. Deduz-se, então que o soberano dispõe de uma força de trabalho imaterial [um General Intellect] capaz de organizar e gerir um meio, considerando as inter-relações entre os acontecimentos humanos e naturais, ao mesmo tempo em que aciona os seus dispositivos de seguranças policiais e militares.

Só um General Intellect é capaz de desarmar a ‘bomba ecológica’. Em outras palavras, sempre que se ganha uma guerra, parte dos recursos foram investidos em armas e alta tecnologia, mas se ganha, sobretudo quando outra parte destinou-se ao investimento intelectual. Na Amazônia Andina, que ainda não é um locus desse tipo de bombardeio, onde apenas se percebem vestígios, indícios de ‘latifúndios genéticos’, como criações de um ‘meio natural’ próprio para a pilhagem, a etno-biopirataria, assim como o ‘narcoterrorismo andino’ como um ‘meio humanizado’ que foi criado para o extermínio, ao mesmo tempo o que legitima a entrada arbitrária das forças armadas norte-americanas pelas bases implantadas na Colômbia, através de acordos legais entre esses países. Portanto, ‘latifúndios genéticos’ e ‘narcoterrorismo’ nada mais são que o rascunho da imagem do ‘meio’ biopolítico, entre acontecimentos humanos e naturais, entre suas interferências.

Somente um General Intellect na região sul-americana, que conhece e produz a ‘Amazônia’ seria capaz de desativar um arranjo ilícito de acontecimentos desse tipo. Tratam-se de um General Intellect como as Operações Militares Especiais. Acredita-se que Forças Armadas dotadas de um grupo restrito de sujeitos treinados e organizados em torno de ações cooperativas, estruturadas linguisticamente e prontos para um combate desmaterializado, intelectualizado, poderiam dominar esses ‘meios’ fabricados para as guerras. Em “Estratégias da Decepção”, Paul Virilio descreve, por exemplo, o ‘Psy-Ops’, grupo de cinco a sete indivíduos, das Operações Psicológicas das Forças Armadas Norte-americanas, em atuação na guerra dos Bálcãs, que tinha por princípio abrir canais de radio e TV, em raios limitados, anexados na carceragem de aviões, com um linguista capaz de falar a língua nativa, ao mesmo tempo bloqueando os canais oficiais e explodindo infra-estruturas de eletricidade.

Sugere-se, num caso de prevenção e proteção na região andina, a consolidação de grupos especiais, de um lado, ‘Operações Psicológicas e Linguisticas’, de outro lado, ‘Operações Etnológicas e Biológicas’, ambos com a participação seletiva de General Intellect treinado, uma equipe composta pelo menos com policiais, militares e cientistas. Para os problemas que incorrem sobre os ‘latifúndios genéticos’, uma operação etnológica e biológica, que reorganizem os grupos, povos, e lhes garantam direitos ao que produzem, impedindo a pirataria do seu cultivo e receitas. Para a questão do ‘narcoterrorismo’, uma operação psicológica e linguística, capaz de traduzir a maximização médico-psiquiátrico para os Andes, sobre o uso e prática da droga, não se trata de curar ou tratar em primeira instância, mas de atenuar a ilegalidade do tráfico, parte de sua ilegalidade. De que modo definir os melhores vetores e veículos? Como traçar as estratégias, táticas e logísticas dessas Operações Especiais? De que forma traçar as práticas tecnológicas, espaciais e temporais mais adequadas?

Não resta dúvida, que essa espécie malformada de ‘bomba ecológica andina’ desarma-se com [1] com uma extensão universitária nas práticas militares, com o incremento de cientistas [naturais e humanos], para compor os grupos de Operações Especiais; [2] uma intensiva psicologização e, com efeito, uma desmilitarização do narcotráfico; [3] uma etnologização, auxiliando as práticas biológicas, ao combate da biopirataria; [4] um esforço para manter ou até ampliar a nacionalização dos recursos hidrológicos [água doce potável] e, sobretudo dos campos de petróleo.

O que as Forças Armadas Ianques fariam na Amazônia Andina se lhes fosse restrito o acesso aos narcotraficantes? Qual o objetivo que os norte-americanos teriam com a Amazônia Andina se lhes fosse dificultado o acesso aos povos, as espécies naturais e à pirataria? Que objetivo restaria para as forças americanas continuar nos Andes se até os campos de petróleo fossem cada vez mais estatizados? Portanto, um General Intellect, capaz de se desmaterializar e desativar as ações objetivas norte-americanas, pode impedir a bomba ecológica ou, no mínimo, pode retardar a sua detonação. Não se afirma, portanto que um General Intellect deste tipo não esteja sendo articulado na América do Sul. Se esse General Intellect estiver articulado com o meio [os povos andinos e a natureza amazônica] para combater as práticas de biopiratarias e o narcoterrorismo, sob novas práticas ‘intelligentsia’, não resta dúvida, essa é a forma mais adequada para o desfecho de uma guerra, principalmente porque parece sempre uma guerra porvir, antes dela acontecer, dissipa-se. Decerto, os armamentos bélicos de última geração são essenciais, as políticas de transferência de tecnologia imprescindíveis, mas investir capital somente em bombas e explodir a paisagem ainda é muito pouco lucrativo.

Todo esse discurso pode parecer imaginação? Pode. E até pode parecer delírio, pois em suas sinuosas e insipientes linhas questionam-se, sobretudo quem, quais e quantos indivíduos seriam necessários e capazes de operar estratégias científico-militares de defesa da Amazônia Andina? Principalmente estratégias com o intuito de desativar ataques biopolíticos sobre essa espécie de ‘bomba ecológica’ tramada pela pilhagem de recursos naturais, pela etno-biopirataria e pelo narcoterrorismo. Em qualquer momento e em qualquer lugar este artefato pode ser implantado sobre a natureza física e humana, onde toda logística e equipamento tático precisam maximizar os seus efeitos com o menor impacto. Não se trata de um Novo Vietnã, o que é formidável, nem de uma guerra imaginária, o que é lastimável.

sábado, 22 de agosto de 2009

Bomba Ecológica [biotech andean I]


Não há dúvida alguma que se necessita preservar, conservar e proteger os biomas, a biocultura, em toda superfície terrestre. Do mesmo modo que se deve condenar a exploração indevida dos recursos naturais, a destinação inadequada dos resíduos, o avanço das fronteiras agrícolas, a proliferação de queimadas. É certo que se reconhece a eficácia da legislação ambiental, não só pelo gesto de sua promulgação, mas pelas devidas condições infra-estruturais para o aparelhamento policial [florestal e ambiental] e para a aplicação corretiva de multas, penas. Óbvio, uma série de ‘questões’ ecológicas já desfilariam a partir daí, porque se sabe, talvez a única coisa que se sabe e nenhum de nós é capaz de fingir desconhecer: a total falta de consenso que se integra aos debates ambientais, em especial no Brasil. Entretanto, uma questão torna-se latente: a que interesses políticos esse discurso ambiental, mesmo confuso e disparatado, se refere? Em que medida essas práticas discursivas, difusas e descontínuas, podem ser consideradas estrategicamente geopolíticas?

Preservar a natureza e mediar legalmente a exploração de recursos naturais não deixa de contornar, especificamente, uma démarche geopolítica, principalmente pela confluência de interesses internacionais, transnacionais, na manutenção da hegemonia global de reservas naturais, por exemplo, de petróleo, que se manteve legítima, mesmo após o 11 de setembro, através dos discursos e das práticas neoconservadoras norte-americanas. Mas de modo geral, sob uma geopolítica que acaba por gerar fluxos de incertezas entre a distinção desigual da tecnologia e da natureza, Bertha K. Becker procurou politizar o discurso ecológico, em nota introdutória ao livro “Redescobrindo o Brasil: 500 anos depois”, em que a ‘questão ambiental’ torna-se um instrumento de pressão dos países centrais [detentores de tecnologia] sobre os países periféricos [detentores da natureza].

A política neoliberal, ávida por guerra, liderada pelos Estados Unidos, criou duas ‘bombas’ que se articulam entre si, que sobrepõem sua potência, segundo Paul Virilio: a ‘bomba informática’ e a ‘bomba genética’. Propõem-se aqui, não invalidá-las, pelo contrário, acrescente-se a elas um novo artefato bélico: a ‘bomba ecológica’. Entre a biotecnologia dos países do Norte e os biomas dos países do Sul, demarca-se um Theatrum da Guerra, composto por um tríplice recontro, sob batalhas sucessivas e interpostas: os campos de petróleo [habitat de hidrocarbonetos]; o narcoterrorismo [war on drug]; e os latifúndios genéticos [diversidade biocultural] na Amazônia Andina.

Etnobiopirataria [biotech andean II]


Os Estados e as empresas, por exemplo, do complexo químico-farmacêutico, com sede no hemisfério hegemônico do planeta, buscam sistematicamente controlar os recursos energéticos, de água e energia, em contraposição a outro pólo de países, com amplas áreas cobertas por diversidade biológica e cultural, como na África, Ásia e América Latina. Nessa estratégia, salta aos olhos do Norte toda a região tropical, faixa intertropical, a mais rica em biodiversidade da Terra, enquanto as grandes corporações do ramo biotecnológico localizam-se nos EUA, Europa do Norte e Japão. Situação geopolítica que abre, pois perspectivas novas para as populações das regiões de grande diversidade biocultural, como os países da Amazônia Andina [Peru, Equador, Colômbia e Venezuela, além dos amazônicos Brasil e Suriname, inclusive o Chile]. A Bacia Amazônica pode estar se tornado um ‘latifúndio genético’, nas palavras de Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”, mas apenas se considerarmos os diversos interesses que incorrem sobre os recursos estratégicos ali existentes: urânio, níquel, zinco, cobre, ouro e principalmente os recursos genéticos, além do cobiçado petróleo.

Não há porque não considerar os conflitos gerados pela sobreposição de falsos interesses, instigados por uma prática comum de conservação, proliferado por discursos que se utilizam de algumas imagens conceituais relativas às áreas protegidas [parques ecológicos, reservas, unidades ambientais, etc.], cercadas, que acabam impactando e limitando os direitos nacionais e territoriais de se impor sobre elas, desde tempos remotos. Certamente, os EUA visam controlar a biodiversidade em escala mundial, com o programa estratégico designado ‘International Cooperative Biodiversity Group’ [ICBG], realizado por três delineamentos essenciais: [a] Conservação da Natureza; [b] Desenvolvimento Econômico; [c] Descobrimento de Drogas Medicinais.

Os procedimentos das pesquisas no ICBG, aliando universidades e empresas, envolvem a coleta de informações e a obtenção de extratos naturais junto às comunidades locais [camponeses, quilombolas, indígenas, pescadores e ribeirinhas]. Além disso, enviam essas informações colhidas para laboratórios nos EUA, até que se identifiquem os princípios ativos desses extratos. Por fim, busca-se obter as patentes e a proteção para comercialização. Percebe-se o caráter etnológico dessas pesquisas, nessa prática de (etno)biopirataria em proveito dos EUA, que se justifica, [1] na medida em que essas populações são desapropriadas do conhecimento habitual que possuem, [2] por não terem o registro escrito de suas ‘fórmulas’ e receitas, [3] onde a captura do saber sobre a biodiversidade, por parte dos laboratórios norte-americanos, apodera-se de em um conhecido coletivo, não individualizável, dificultando o reconhecimento dos direitos de propriedade aos nativos.

Será que poderosas transnacionais [Ptizer+Pharmacia, Glaxo Smith Kline, Merck & Co.] ainda buscam desarmar os sistemas autônomos de saúde dessas comunidades locais, amazônicas, em especial, e os tornam dependentes dos produtos farmacêuticos industrializados? Acrescente-se às práticas de etnobiopirataria na Amazônia Andina, as relações econômicas baseadas na importação norte-americana de petróleo, em todo caso, obtendo como contrapartida a repressão ao narcotráfico. De que modo a exploração de recursos naturais nos Andes, pela indústria farmacêutica e, principalmente, pela indústria petroquímica, tornou-se o suporte de uma geoeconomia tóxica articulada a uma geopolítica terrorista de fato?

Hidrocarboneto Habitat [biotech andean III]



Afirma-se então que a crescente dependência norte-americana por petróleo importado possui ramificações geopolíticas. De uma herança geopolítica neoliberal da década de 1970, que se cristalizou na elevação dos preços pela OPEP, cujo embargo do petróleo em 1973 colocou vastas parcelas de poder e capital financeiro à disposição de países produtores de petróleo como a Arábia Saudita, Kuwait e Abu Dhali –, os Estados Unidos estavam, a contrapelo, preparando-se para invadir esses países no mesmo ano -, para restaurar o fluxo de petróleo e baixar os preços: tratava-se de uma pressão militar dos EUA para reciclar seus petrodólares em bancos de investimentos em Nova York. Resta que a liberalização do crédito e do mercado financeiro promoveu, com o apoio do governo ianque, essa estratégia em nível global, na década de 1970.

Os países em desenvolvimento uniram sua avidez por crédito aos estímulos de se endividarem, com taxas elevadas destinadas aos banqueiros de Nova York, em contrapartida, antes de 1973, segundo David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”, a maioria dos investimentos externos aplicados pelos EUA era ‘direto’ e voltado para a exploração de recursos básicos [petróleo, minérios, matérias-primas, produtos agrícolas] ou para cultivo de mercados específicos [telecomunicações, automóveis, etc.] na Europa e na América Latina. Se a dependência das importações de petróleo dos EUA ramificava-se em uma estratégia geopolítica, a dependência das exportações de petróleo, da maioria dos países da ‘Comunidad Andina de Naciones’, também não deixava de ser um anverso estratégico? Em uma espécie de drenagem andina dessa ramificação geopolítica norte-americana?

Venezuela, Equador, Colômbia e Peru são grandes exportadores de petróleo e têm nos EUA o principal mercado de destino, mal ou bem, mesmo ressaltando a diminuição dessas importações desde o início do século XXI. Na Venezuela, a vida econômica e política abrangem o papel desempenhado pelo petróleo e a função protagonista do Estado, ou seja, o Estado tende a ser o único proprietário do petróleo, conta com 66 bilhões de barris em média, gerido em sua maioria pela ‘Petróleos de Venezuela’ [PDVSA], exportava quase 70% de petróleo para os EUA em 2003; no Equador, desde 1970, o petróleo passou a ser o principal produto de exportação, além de possuir reservas em torno de 2,1 bilhões de barris, com uma produção próxima de 415 mil barris/dia; a Colômbia produz em torno de 815 mil barris/dia, grande parte administrados pela antiga estatal ‘Empresa Colombia de Petróleo’ [Ecopetrol] que foi privatizada, em 2003, o petróleo se mantinha como o seu principal produto de exportação para os EUA, algo como 33,6%; o impacto do petróleo na composição da pauta de exportações do Peru apresenta um decréscimo, mas até 1996, o petróleo ainda era o principal produto de exportação para os EUA; na Bolívia, todavia, o que constava eram as suas reservas de gás natural, sob acordos bilaterais com o Brasil e investimentos do BNDES.

Este é um panorama geoeconômico dos campos de petróleo andinos apresentado por Rafael Duarte Villa, em seu artigo “Os Países Andinos: tensões entre realidade doméstica e exigências externas”, que se sobrepõe, pari passu, a um panorama geopolítico narcoterrorista, que circunda no imaginário militar dos norte-americanos. Mas afinal, de que modo esses países sul-americanos associam-se ao narcotráfico? Como uma guerra às drogas pode ser territorializada na Amazônia Andina, em torno de campos de petróleos e de ‘latifúndios genéticos’? O que há no narcoterrorismo capaz de acionar uma ‘guerra às drogas’ e detonar essa ‘bomba ecológica’?

Narcoterror [biotech andean IV]


Acontece que, desde a década de 1990, os EUA começaram a pressionar os países andinos, tratando problemas econômicos vinculados ao tráfico de drogas. Afinal, segue-se: a Bolívia é ainda produtora de folha de coca em regiões como os Yunga e o Chapare; o Peru também produz e exporta folhas de coca, em regiões como o Alto Huallaga; a Colômbia cultiva, refina e exporta coca; a Venezuela é acusada por lavagem de dinheiro do narcotráfico e, juntamente com o Equador, destacam-se por serem suspeitos de delinear rotas de fuga de cocaína rumo aos mercados do norte.

O ‘Andean Trade Preference Act’ [ATPA] ou ‘Ley de Preferencias Arancelarias Andinas’ fazem parte do programa da guerra às drogas que George Bush efetivou em 1992, com a Bolívia e a Colômbia como principais beneficiárias, só se estendendo ao Equador e Peru, em 1993, já com Bill Clinton. Este acordo estimulava alternativas ao cultivo de coca, estabelecendo regras comerciais entre esses países e os EUA. W. Bush prorrogou o ATPA até 2006, ao incentivar a diminuição das barreiras tarifárias para esses países andinos, mantendo o vínculo com a repressão ao tráfico de drogas. Mas quando o congresso norte-americano aprovou em 1999 o ‘Plano Colômbia’, os Estados Unidos passaram a se envolver mais diretamente na luta antidrogas, o que de fato impôs a presença de fuzileiros navais americanos na base colombiana de Manta, elevando a região dos Andes a um patamar geopolítico de maior visibilidade. Principalmente porque W. Bush, depois do 11 de setembro, assimilava essa ‘guerra às drogas’ [war on drug] como ‘guerra ao terrorismo’ [war on terror], obtendo como ponto de aplicação a atuação dos grupos guerrilheiros das FARC e dos paramilitares da AUC, em cuja estratégia ‘going to the source’ [ir à fonte] detonou uma única condição para eles: o terror.

Em 1993, Elliot Abrams, ainda no Hudson Institute, afirmou que os interesses norte-americanos na região andina transcendiam ao narcotráfico, pois o acesso ao petróleo da região diminuía a dependência de petróleo do Oriente Médio, conforme Luiz Fernando Ayerbe em seu artigo “Percepções Norte-americanas sobre os Impasses na América Latina”. A ‘Iniciativa Andina Antidrogas’, aprovada em Quebec, Canadá, em 2001, pela Cúpula das Américas, propunha destinar, entretanto, recursos para os países da América Andina, como estímulo ao narcotráfico. Enfatiza-se que o governo colombiano de Alvaro Uribe tornou-se um aliado da War On Drug no continente sul-americano, contemporâneo à política estimulada do governo W. Bush. O impasse na região agravou-se a partir de 2002, mesmo com Álvaro Uribe endurecendo o combate ao narcotráfico e estreitando relações com os EUA. De um lado, Evo Morales destacava-se como líder dos plantadores de folha de coca, eminentemente contrário a erradicação do seu plantio, e de outro, um governo venezuelano irradiava-se como militância antinorte-americana, ao mesmo tempo em que se mantinha como um dos maiores produtores mundiais de petróleo. É inquestionável, a Amazônia Andina respira e explode impasses domiciliares e transfronteiriços, mas inevitavelmente, os estilhaços se unem na mais nova insígnia do terror, que agora é verde...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Front Pós-Industrial e a Natureza da Guerra


Quando a indústria foi eliminada dos países ricos e substituída por uma economia financeira e rentista, alargou-se a denominada desindustrialização dos países antes industrializados, acelerada pela descentralização e a transferência da produção material para os países pobres, motivadas pelas diferenças exponenciais salariais. Assim o ‘capital móvel’ se desloca para as reservas de ‘mão-de-obra imóveis’, enquanto o capital transita livre de um mercado de trabalho para outro, a mão-de-obra é impedida de cruzar as fronteiras internacionais. Daí resulta a paisagem neoliberal que cartografou o desenvolvimento geográfico desigual, conforme David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”, bem como a distinção desigual das técnicas, sinalizada por Philippe Aydalot em seu “Dynamique Spatial et Development Inegal”. No Brasil, em especial nos estados nordestinos, o aprisionamento da mão-de-obra barata e de baixa qualificação formou um cerco nas ‘plataformas de exportação’ para o mercado norte-americano, ou melhor, nas Zonas de Processamento de Exportação [ZPE] implantadas em 1988, suspensas em 1990 e retomadas, em 1992, pelo governo Collor, tornando-se inoperantes numa zona cinzenta em nosso país.

De outro modo, foram as ‘technopolis’ que tornaram-se o ambiente mais propício para o neoliberalismo reproduzir-se, tais como o Silicon Valey, na California, a Route 128, nos arredores de Boston, a Sophia-Antipolis, na França, Tsukuba, no Japão. Talvez não se possa afirmar que, na década de 1990, tecnopólos [cidades tecnológicas] estivessem territorialmente desenvolvidas no Brasil, mas existiam espécies de ‘bolsões’ de trabalho especializado e qualificado no Vale do Paraíba, isto é, o fornecimento de mão-de-obra e base técnica para as fábricas do segmento eletro-eletrônico e mecânico nas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo, com ramificações no Sul de Minas de Gerais – o caso do Vale do Sapucaí, notado a partir de estudos empíricos realizados por Bertha K. Becker e Claudio Egler em seu artigo “O Embrião do Projeto Geopolítico da Modernidade no Brasil”. O neoliberalismo expõe um paradoxo territorial nas cidades mundiais, visível com a desconcentração das atividades produtivas e, ao mesmo tempo, com a concentração dos centros de decisão. Para tal desconcentração é necessário uma infra-estrutura que promova conexões fáceis entre as unidades produtivas e os centros de gestão, além da disponibilidade de trabalho qualificado [capital humano investido] e uma base técnica adequada. Esta lógica territorial do capital não deixa de ser uma paisagem ultrajante, que se localizou em torno de uma região concentrada no Brasil, promovendo um desenvolvimento geográfico e tecnológico desigual, alheios a um projeto de integração nacional – concentrando-se na região paulista, então, o que se percebia: uma área privilegiada em trabalho mais especializado, como centro de irradiação de um ‘meio técnico-científico-informacional’, provendo manchas de informação e finanças, em suma, um ‘gueto dourado’ disparatado que criou uma espécie de trincheira ou fronteira entre ‘São Paulo e o resto do território’ brasileiro, nas palavras de Milton Santos e María Laura Silveira em seu livro “O Brasil: Território e Sociedade no Início do Século XXI”.

Acontece que informação e finanças articulam veementemente o setor produtivo ‘pós-industrial’, com ênfase para as tecnologias eletro-eletrônicas, em todo caso, mecânicas, conforme acima assinalado em ‘tecnopólos’. Entretanto, não é forçoso afirmar que o turismo e seus ‘não-lugares’, assim como a ecologia e sua bioengenharia [genética, bioquímica] arrematam setores produtivos privilegiados da economia neoliberal, rearticulando características fundamentais na paisagem pós-industrial, em seu ‘front geopolítico e geoeconômico’. Mas, primeiramente, a partir de uma garantia espacial específica, pouco analisada, uma ‘Desintegração Arquitetônica’:

[1] Desintegração Arquitetônica – um imóvel subdivide-se em cômodos e elementos arquitetônicos [paredes, janelas, portas, etc.], mas Paul Virilio enumerou quatro tipos de janelas sobrepostas, que fragmentam a arquitetura domiciliar e lhes dão outra mobilidade e nova visibilidade, em seu livro “O Espaço Crítico”. Destaca-se a impossibilidade de se conceber casas sem meios de acesso, então a primeira janela é a porta. A janela propriamente dita seria a segunda janela. A terceira janela, nós a conhecemos há pouco, é a tela de televisão ou dos computadores, removíveis e portáteis. A porta é original na residência, ao mesmo tempo, o seu primeiro móvel, porque não deixa de transportar para dentro ou para fora. A porta do automóvel constitui, portanto, uma segunda porta, uma quarta janela, mas de um transporte externo aos muros da casa. Meios de acesso físico e de comunicação à distância, as mídias audiovisuais e automóveis se fundem aqui para desintegrar a estrutura arquitetônica tradicional. O que seria do neoliberalismo sem a infra-estrutura dos transportes e informacionais no seu jogo geopolítico e geoeconômico global, planetário? A fragmentação industrial, a divisão territorial do trabalho, as transnacionais, os tecnopólos, o meio técnico-científico-informacional e, sobretudo o empresário, no ‘confinamento domiciliar’, demandam e sugerem uma infra-estrutura que se sobrepõe à arquitetura tradicional, com efeito, como vetor de desintegração. Pouco se discute essa condição necessária ao ‘confinamento domiciliar’, como padrão espacial da flexibilidade do trabalho imaterial. A partir desta ‘desintegração arquitetônica’ em sua quarta janela, que circula pelo automóvel, discutem-se os não-lugares, a quintessência dos viajantes.

[2] Não-lugares – vistos tanto pelas instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens [vias, trevos rodoviários, aeroportos] quanto os próprios meios de transporte ou grandes centros comerciais, os não-lugares, classificados por Marc Augé, remetem-se certos lugares que só existem pelas palavras que os evocam. Os não-lugares da supermodernidade, na auto-estrada, no aeroporto, nas compras de supermercado, definem-se por textos que nos propõem o seu modo de usar, de três maneiras: prescritiva [esquerda ou direita], proibitiva [proibido fumar] ou informativa [você está entrando no...], que instalam as condições de circulação em espaços onde se supõe que os indivíduos só interajam com textos disseminados pelo percurso. O motorista de passagem observa a cidade como um conjunto de nomes num itinerário, mas a paisagem se mantém à distância, cujos detalhes arquitetônicos ou naturais transformam-se na oportunidade de um texto. Assim, o espaço como prática dos lugares procede por um duplo deslocamento do viajante e, paralelamente, das paisagens, das quais ele nunca tem nada mais do que visões parciais, instantâneas, somadas confusamente em sua memória, recompostas num ‘relato’ que o viajante faz delas ou, na volta, impõem-se os comentários, como se o espectador fosse para si mesmo o seu próprio espetáculo. O espaço do viajante é, enfim, o arquétipo do ‘não-lugar’. De ‘não-lugar’ em ‘não-lugar’, de fragmentos de textos a fragmentos de textos, resta o passeio no espaço natural, como locus tribal de ‘povos primitivos’, lugares exóticos e últimos, como destino dos passeios da elite, ao mesmo tempo, ambiente de pesquisas biotecnológicas, nos recantos do Terceiro Mundo.

[3] Natureza da Guerra – a questão ambiental desenvolvida pelo neoliberalismo estabelece uma tríplice estratégia de uma guerra explícita, apontadas por Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Natureza da Globalização e a Globalização da Natureza”, desde que compreendamos a guerra, conforme Carl von Clausewitz, como a imposição de nossa vontade sobre o adversário: [a] a etnobiopirataria – que significa a colheita de informações sistematizadas por comunidades (camponesas, indígenas e afrodescendentes), isto é, não são apenas as plantas que se levam, mas informações e conhecimentos são apropriados de um povo. Então, as empresas reivindicam direitos de propriedades sobre conhecimentos de outros povos, como parte de um complexo industrial-científico num projeto estratégico dos EUA[1]; [b] os latifúndios genéticos – as regiões tropicais são mais ricas em diversidade biológica, mas as grandes corporações do ramo da biotecnologia localizam-se em regiões frias e temperadas (EUA, Japão, Europa do Norte). Deste modo, trata-se de uma situação geopolítica que deve ser enfrentar os países africanos e asiáticos, mas, sobretudo pelos países andino-amazônicos: Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Brasil, Suriname. Alerta-se às propostas de unidades de conservação ambiental, principalmente, em áreas com elevada diversidade biológica e de grande diversidade cultural como na Amazônia, que envolvem recursos provenientes dos países hegemônicos que protegem essas áreas como ‘reservas de valor’ para o futuro: um ‘latifúndio genético’; [c] divisão ecológica e territorial do trabalho – os países industrializados mantêm seu desenvolvimento com certos atenuantes ecológicos, mas esse modelo não pode se estender para outras regiões e povos, que acabam por tornar-se ‘lixeira’, ao limpar os rejeitos do Primeiro Mundo, onde estão populações que vivem pobremente em grandes extensões de suas terras que se transformam em unidades de conservação ambiental (latifúndios genéticos). Apesar da disparidade de posicionamentos, grandes corporações obtêm apoio das elites dominantes dos próprios países em desenvolvimento que atraem para seus territórios aquilo que os países desenvolvidos não desejam mais. Observa-se a transferência da indústria de papel e celulose para o Terceiro Mundo, por exemplo, países tropicais em especial, que são indústrias altamente poluidoras – todo o latifúndio monocultor de espécies celulósicas ou de carvão vegetal que existem no Amapá, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Notas:
[1] Trata-se de um programa que visa o controle da biodiversidade em escala mundial, através de universidades e empresas dos EUA. O programa International Cooperative Biodiversity Group (ICBG) conta com o apoio do Banco Mundial e é coordenado pelo Technical Assesment Group (TAG) formado por três grupos estatais dos EUA: Serviço de Agricultura Estrangeira (FAS), a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e o Instituto de Saúde (NIH), ou seja, a tríade Agricultura Ciência e Saúde. Englobam-se a realização de programas associados à conservação da natureza, ao desenvolvimento econômico e ao descobrimento de drogas medicinais. Resta ainda que empresas financiem investigações e podem patentear os resultados das pesquisas. Os EUA devem garantir a segurança para se apressarem, por um lado, as legislações ao livre acesso aos recursos genéticos, por outro lado, criar leis que assegurem barreiras ao acesso às informações – propriedade privada, patentes.