terça-feira, 7 de julho de 2009

Gaza entre a Intifada e os Refuseniks


A Intifada é uma das grandes sublevações anticoloniais de nossos tempos. Iniciado em 1987, o movimento de não-cooperação em massa da Intifada demonstrou que dali em diante só a repressão ativa e não a passividade – aceitação tácita – manteria a ocupação israelense. Não se sabe ao certo o que estimulou as populações até então inertes a entrar em ação, mas foi a disposição das massas de se manifestar que passou a decidir as questões. Essas ações das massas, por si mesmas, não derrubariam governos, mas essas mobilizações conseguiram demonstrar a perda de legitimidade dos regimes. Ocorreram demonstrações de quase unânime falta de confiança em regimes que, ou tinham perdido ou nunca tiveram legitimidade, como Israel nos territórios ocupados, sobretudo quando ocultavam isso de si mesmas, argumentou Eric Hobsbawm em seu livro “Era dos Extremos”. Talvez, movimentos como a intifada palestina dificilmente se interessariam pelo mundo além de suas fronteiras, onde para participar de uma oposição como essa, tornar-se-ia preciso lidar com as exigências táticas e logísticas da luta cotidiana.

Os territórios palestinos ocupados pelos israelenses são lugares de tremenda dinâmica popular, repleto de civis em geral desarmados, fartos de suportar privações, tiranias e inflexibilidade de governos que já os dominaram demais: é absolutamente memorável a criatividade e o simbolismo desconcertante dos protestos de jovens palestino atirando pedras. Em parte, esses protestos de massa questionavam o princípio do confinamento na arte e teoria de governar. Afinal, para ser governado, o povo precisaria ser contado, tributado, educado e dominado evidentemente em locais regulamentados [casa, escola, asilo, oficina], cuja extensão é representada em seu cúmulo e severidade pela prisão e pelo manicômio, como foi descrito por Edward Said em seu livro “Cultura e Imperialismo”. Multidões ainda andam em círculos em Gaza, cujas consequências dramáticas de desconfinamento em massa e de uma vida sem domicílio fixo revelaram. A organização da intifada segue dois modelos:

[1] a revolta é organizada internamente por homens pobres em nível extremamente local, em torno de líderes de vizinhança e comitês populares – os apedrejamentos e conflitos diretos com policiais e autoridades israelenses deram início à primeira intifada, mas rapidamente se disseminaram por grande parte de Gaza e da Cisjordânia;

[2] A revolta é organizada externamente pelas diferentes organizações políticas palestinas estabelecidas, a maioria das quais estava no exílio no início da primeira intifada, sob o controle de homens de uma geração mais velha.

Destaca-se que a Intifada tende sob certos aspectos para estruturas disseminadas em rede, sem um centro de comando e com máxima autonomia de todos os elementos participantes, correspondendo a certas características de mobilidade, flexibilidade e capacidade de desafiar as formas mutáveis de repressão e adaptação a elas de uma forma radical, analisaram Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Multidão”. Não se pode excluir a hostilidade suave com que decorreu um acontecimento notável em Israel no início de 2002: a recusa organizada de centenas de reservistas a servir nos territórios ocupados. Os refuseniks, como são chamados, não são pacifistas, em sua proclamação, enfatizaram que cumpririam o seu dever de lutar por Israel nas guerras contra os Estados árabes, alegavam apenas que não concordavam em lutar para dominar, expulsar, reduzir à fome e humilhar todo um povo. Veio à tona toda a realidade de pequenas humilhações diárias e sistemáticas que os palestinos e os árabes israelenses se sujeitaram: discriminados na alocação de água, nos negócios envolvendo patrimônio e toda uma humilhação micro-psicológica por meio de disciplina e castigo.

O paradoxo paradigmático reside, portanto, na situação ridícula em que as forças de segurança palestina são bombardeadas ao mesmo tempo em que se cobram delas repressão ao terrorismo do Hamas. Com esperar que elas retenham autoridade aos olhos da população palestina se são humilhadas pelos ataques que sofrem, caso se defendam ou ofereçam resistência serão todos considerados terroristas? E se não houver uma maioria silenciosa palestina autenticamente democrática? E se o novo líder democraticamente eleito for ainda mais antiisraelita? Questionamentos propostos por Slavoj Zizek em seu livro “Bem-vindo ao Deserto do Real”. Os refuseniks deveriam tratar os palestinos não como cidadãos-iguais, mas como próximos, no sentido judaico-cristão – o teste ético mais difícil para os israelenses, ou o mandamento ‘ame o próximo’ significa ‘ame o palestino', ou não significa nada.

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