quarta-feira, 8 de julho de 2009

Os Stingers [da al-Qaeda e do WTC]


A guerra no Afeganistão [1979-1988] demonstrou que um regime com base urbana podia se manter num país de guerrilha clássica, repleto de insurretos rurais apoiados, financiados e equipados com armamentos de alta tecnologia. A tensão militar aumentou sobre a economia desde 1980, quando as Forças Armadas soviéticas se envolveram diretamente em uma guerra no Afeganistão, embora o país já estivesse sob a esfera do domínio soviético desde 1950. Uma tropa foi enviada ao Afeganistão que, desde 1978, estava governada por um Partido Democrático Popular comunista dividido por facções conflitantes, em que os principais antagonistas eram os latifundiários locais e o clero muçulmano. Os EUA optaram, entretanto, por compreender essa manobra soviética como uma grande ofensiva militar contra o ‘mundo livre’. Desse modo, via Paquistão, os EUA despejaram dinheiro e armamentos avançados sem limites nas mãos de guerreiros fundamentalistas muçulmanos das montanhas. Os EUA distribuíram mísseis antiaéreos portáteis Stinger, com lançadores, a guerrilheiros tribais anticomunistas afegãos, calculando que eles contrabalançassem o domínio aéreo soviético.

O Afeganistão tornou-se – ou como alguns em Washington pretendiam que se tornasse – o Vietnã da União Soviética, no entanto, não foi bem assim. O governo afegão, com apoio soviético, teve pouca dificuldade para manter as grandes cidades do país, mas o custo foi muito alto. O governo do presidente Najibullah sobreviveu alguns anos depois da partida do exército soviético e, quando caiu, não foi porque Cabul não podia mais resistir aos exércitos rurais, mas porque parte de seus guerrilheiros mudaram de lado. Mesmo após a retirada soviética em 1988, a guerra continuou como se nada tivesse acontecido. Na ausência das aeronaves russas permanentes no seu espaço aéreo, as tribos afegãs passaram a explorar, então, a nascente demanda por Stingers, que vendiam no mercado internacional de armas. Em desespero e com insucessos, os EUA se ofereciam para comprar de volta a 100 mil dólares cada Stinger, mensurado por Eric Hobsbawm em seu livro “Era dos Extremos”. As derrotas dos EUA no Vietnã e dos soviéticos no Afeganistão, ante as forças incomparavelmente inferiores, em termos de tecnologia militar, demonstram como o modelo de guerrilha dos mujahedin, no caso afegão, saíram vitoriosas.

Os soviéticos invadiram o Afeganistão em 1979 sob a alegação de defender os governos locais, enquanto as ações militares norte-americanas incessantes nessa região estavam ligadas a obtenção de vantagens econômicas específicas, como o acesso ao petróleo barato. Verificou-se que convenções e tratados de paz estavam limitados e não cobriam as atividades recorrentes que tinham lugar em regiões que estavam fora do controle efetivo dos Estados que nominalmente as governavam, tais como as lutas entre grupos rivais nas montanhas do Afeganistão.

Dadas as ameaças do ‘11 de setembro’, o governo de W. Bush conseguiu aprovar a ideia da invasão do Afeganistão e do combate ao terrorismo, com seu partido dominado por neoconservadores, devendo muito ao complexo industrial-militar, apoiado por fundamentalistas cristãos e pela opinião liberal, compreendido David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo”. As Torres Gêmeas [World Trade Center - WTC] foram construídas com grande capacidade de engenharia, supostamente imunes a todo tipo concebível de destruição acidental ou deliberada. Contudo, ninguém pensaria que dois aviões cheios de combustível podiam colidir deliberadamente contra as torres e atingi-las precisamente no ponto, 20 % do topo, que maximizaria a destruição, explicitado por Immanuel Wallerstein em seu livro ‘O Declínio do Poder Americano’. Os EUA podem vingar o ataque, mas não podem voltar atrás e impedir que ele aconteça – a tecnologia revela-se imperfeita, neste episódio. Este acontecimento foi associado a um grupo de terroristas da al-Qaeda. A guerra terrestre que se seguiu no Afeganistão foi, em grande medida, confiada a um grupo de ‘agentes substitutos’, mercenários.

Há quem considere que bin Laden e os dirigentes da al-Qaeda escaparam das montanhas de Tora Bora no fim de 2001, porque a tarefa de sair em sua busca foi entregue a tropas mercenárias afegãs e paquistanesas, e não a soldados americanos, como denunciaram Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Multidão”. Os mercenários armados são um exército de corrupção, as investidas da al-Qaeda contra as torres gêmeas e o Pentagono devem ser consideradas uma revolta de mercenários? Mas a al-Qaeda é uma organização em rede, mesmo clandestina, com hierarquia estrita e uma figura central de comando; ela ataca o corpo político global para ressuscitar velhos corpos sociais e políticos sob o controle de autoridades religiosas. Teria, por isso, bin Laden e a al-Qaeda a mesma legitimidade que os militares americanos para exercer a violência?

A estrutura inicial da al-Qaeda parece ter sido uma organização da elite, os seus candidatos a recrutas receberam tratamento no Afeganistão na década de 1990 e eram da classe média alta, quase todos com ensino superior, inclinados para as ciências naturais, em suma, engenheiro. Nesse período, a al-Qaeda não passou de 4 mil indivíduos. A operação é descentralizada, na qual células pequenas e isoladas são criadas para atuar sem nenhum apoio da população ou de qualquer outro tipo, e sem necessitar de base territorial. Com isso, a al-Qaeda, ou uma rede difusa de células islâmicas, conseguiu sobreviver à perda de uma base no Afeganistão e à marginalização da liderança de Osama bin Laden. Um pouco antes, nos meses que se seguiram ao ‘11 de setembro’, o serviço postal norte-americano teve não apenas de enfrentar cartas infestadas de antraz, mas também de decidir sobre o que fazer com pilhas de cartas endereçadas ao Afeganistão, argumentou Susan Willis em seu livro “Evidências do Real”, que talvez o terrorista fantasmagórico com seu rosto terrível, transmitido e retransmitido pela Al Jazira, tornou-se um homem de carne e osso...

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