quinta-feira, 2 de julho de 2009

Ethos - Atos e Habitat


Ethos é ao mesmo tempo morada e maneira, pátria e estilo. Há toda uma arte das poses, das posturas, das silhuetas, dos passos e das vozes. Trata-se, sobretudo de manter à distância as forças que batem a porta. Sabe-se que nossos cães executam os movimentos de farejar, levantar, correr, abocanhar e sacudir até a morte uma presa imaginária, sem ao menos ter fome. Mas o ‘cão de Pavlov’ em estado de hipnose desvia a cabeça quando lhe oferecemos um pedaço de carne, na primeira, na segunda ou mesmo na terceira apresentação. Assim que retiramos o alimento, ele vira, ao contrário, a cabeça na direção do prato e o segue com os olhos. O pássaro Scenopoïetes densirostris estabelece suas referências, toda manhã, ao fazer caírem da árvore folhas que ele cortou, virando-as em seguida do lado inverso, para que a sua face interna mais pálida contraste com a terra. O macho dos Trogloditae [família de pássaros] toma posse de seu território e produz um canto feito caixa de música, como aviso aos pássaros intrusos. Sabe-se do papel dos excrementos na marcação territorial: o excremento do coelho tem, por exemplo, um odor particular devido a glândulas anais específicas; de sentinela, muitos macacos expõem seus órgãos sexuais de cores vivas, o pênis torna-se um ‘porta-cores’ expressivo e ritmado que marca os limites do território. Os peixes de recife de corais se transformamem verdadeiros 'cartazes', na medida em que eles desenham um território que lhes pertence e que traz consigo ou que o produz – as cores desses peixes são auto-objetivas e encontram uma objetividade no território que elas traçam.

O território é, pois um ato, comum entre todos os animais. Entre os humanos, destacam-se algumas formas discursivas os indígenas brasileiros: entre os sedentários, a palavra vazia do chefe e a palavra profética do xamã. Se, de um lado, o chefe repete as histórias dos ancestrais e enfatiza as tradições comuns do grupo, o que é desinteressante para o grupo, por outro lado, o discurso profético condiciona os indígenas a refutar o líder, o que é capaz de fazer o grupo abandonar a aldeia e em fuga refundar outro território. Diferentemente, o canto promove a manifestação subjetiva do caçador-nômade com sua própria identidade, mas entre as mulheres, o canto coletivo e os versos em coro são repetidos em rituais específicos. A psiquiatria moderna francesa pode, por exemplo, ser ilustrada por três monstros fundadores. Em primeiro lugar, a mulher de Sélestat, que matou a filha, cortou-a em pedaços, cozinhou sua coxa com repolho e comeu-a. Em segundo lugar, o caso de Papavoine, que assassinou no bosque de Vincennes duas crianças, que tomou por descendentes dos filhos da duquesa de Berry. E enfim, Henriette Cornier, que cortou o pescoço de uma filhinha dos vizinhos. Atos monstruosos produzidos por uma dinâmica móbil dos instintos. Toda essa espécie de vagabundos dos confins, de flâneurs que vivem livres de preocupações materiais à beira de seus abismos domesticados.

Deve haver uma ‘máquina’ biológico-comportamental, todo um engineering molecular que nos permita compreender a natureza dos maneirismos, comportamentos e atos. Em 1942, Norbert Wiener, Arturo Rosenblueth e Julian Bigelow preconizaram o comportamento em um método que consistia em privilegiar o estudo de quaisquer fenômenos [natural ou artificial], ou seja, as modificações que este fenômeno sofre diante de sua relação com o ambiente: este método privilegiava a observação em relação ao comportamento dos objetos, possibilitando a comparação entre quaisquer objetos, principalmente, entre o homem e a máquina. Por um lado, é conhecido o gesto escandaloso de Diógenes Laércio: quando tinha necessidade de satisfazer seu apetite sexual, ele se masturbava em praça pública. Provocação cínica que estava no caráter público da coisa – o que na Grécia do século IV a.C. era contra todos os hábitos. A questão não residia, entretanto, sobre o permitido ou proibido dentre os desejos que se experimenta ou os atos que se comete, mas trata-se de reflexão e cálculo na maneira em que se controlam os seus atos. Por outro lado, vinte e cinco séculos mais tarde, em plena era do ‘confinamento domiciliar’, pensa-se na realidade virtual da teletactibilidade e da ciber-sexuality (as peles com sensores e a adimensionalidade do ciberespaço): além do uso do capacete (VPL) e da vestimenta transmissora de dados (Data Suit), existem ainda outros equipamentos como o teleoperador (ou telemanipulador), progresso recente da teletactibilidade, que faz com que o alto-relevo do toque à distância venha completar a alta-fidelidade sonora e a alta definição visual. Das técnicas de retorno do esforço destaca-se o feedback da luva de dados Telefact e a combinação teletáctil integral do toque, cujo impacto será o do corpo inteiro, mas o que se assiste é a produção industrial de um desdobramento da personalidade; não a clonagem do ser humano, mas sim a criação técnica do duplo eletro-ergonômico de presença espectral, outra denominação do fantasma ou do morto-vivo.

O neurologista Didier Vincent observou que o cérebro não gosta do tédio, assim ele cria rupturas, como o esporte, o sexo, o lazer e as drogas. Lista exaustiva em que se acrescenta a busca de situações-limite ou o prazer de ver o sangue correr, sangue de animais e de homens, com o início da guerra civil mundial e a normalização do terrorismo privado. No século XIX, Ratzel escreveu que a guerra consistia em fazer suas fronteiras passear pelo território alheio, mas com a difusão mundial do Show Reagan-Bush, o mundo não deixou de ser mais do que uma única e só sala de projeção, como o maior show desde a criação do mundo tornou-se o menor espetáculo.

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