domingo, 19 de julho de 2009

Brahmana e o Sultão de Delhi [exílio]


Reconhece-se que existiram uma ou mais civilizações no subcontinente indiano desde pelo menos 1500 a.C. De modo geral, elas são chamadas de indiana, de índica ou de hindu. O hinduísmo foi fundamental para a cultura do subcontinente desde o segundo milênio antes da era Cristã. Mais do que uma religião ou sistema social, ele é o núcleo da civilização indiana e continuou a desempenhar esse papel através dos tempos, no entanto, a Índia possui uma significativa comunidade muçulmana, bem como várias minorias culturais mais reduzidas, conforme Samuel Huntington em seu livro “O Choque de Civilizações”. O tempo ‘hindu’ separa o nome da civilização do nome do seu Estado-núcleo, pois nesse caso a cultura da civilização se estende para além do Estado. Nessas civilizações os mitos são propagados por uma classe bem definida de intelectuais, neste caso: os brâmanes hindus.

Bhrigu, um santo, era um dos filhos do deus Varuna, tendo adquirido grande conhecimento brâmane, seu pai mandou-lhe viajar, mas deste mundo a outro, essa narrativa está contida num tratado sobre os sacrifícios, o Jaiminiyá-Brahmana. São apenas três cenas: primeiramente, Bhrigu vê árvores que, no além, assumiram a forma humana e agora cortam homens em pedaços e os comem; segundo, ele vê um gado abatido e comido que assumiu, no além, forma humana, e faz agora com homem o que este fez outrora com o gado; terceiro, vê o arroz e a cevada assumirem a forma humana e retribuírem assim o que sofreram. Trata-se de uma concepção popular que se oculta sob o disfarce sacerdotal: o que se faz neste mundo recebe-se no outro – exatamente do mesmo modo como, neste mundo, os homens comem os animais, no outro mundo, os animais comerão os homens. Afirmação extraída de outro Brahmana, com notável confirmação no Livro da lei de Manu. Àqueles, porém, que se abstém de comê-la, promete-se uma recompensa especial. Carne em sânscrito é mamsa: mam significa ‘a mim’ e sa significa ‘ele’. Mamsa significa, então ‘a mim ele’. ‘A mim’ que lhe comi a carne neste mundo, ‘ele’ comerá no além, ou seja, aquilo que os sábios declararam ser a ‘carnalidade da carne’, nisso consiste a natureza carnal, o sentido da palavra carne: eu como e ele a mim, segundo Elias Canetti em seu livro “Massa e Poder”. O animal que se comeu guarda quem foi que o comeu. Carne é, então, a consequência daquilo que se fez. Enfim, ‘qualquer que seja a comida que o homem experimenta nesse mundo, ele há de experimentá-la no outro’, essa afirmação encontra-se no Shatapatha-Brahmana, um dos mais antigos tratados hindus sobre os sacrifícios. Desse mesmo tratado provém uma história: a narrativa do vidente Bhrigu ao além. Quando o saber de Bhrigu subiu-lhe à cabeça, alçando-se acima de seu próprio pai divino, tornou-se arrogante. Para mostrar ao filho quão pouco ele sabia, Varuna recomendou-lhe uma viagem pelas diversas regiões do céu: leste, oeste, norte e sul. Bhrigu deveria se submeter à condição de ver tudo com atenção e, ao retornar, contar ao pai tudo o que viu. No leste, Bhrigu viu homens decepando um a um os membros de outros homens e repartindo os pedaços entre si. Explicaram-lhe que esses homens faziam isto porque haviam feito exatamente o mesmo no outro mundo e que agora nada mais faziam como tratá-los da mesma maneira. Partiu em direção ao sul e Bhrigu assistiu praticamente o mesmo episódio, assim como no norte e no oeste. Após o retorno de Bhrigu, Varuna soube que o filho tinha visto essas coisas e explicou-lhe que os homens no leste decepando membros dos outros eram árvores, no sul eram gados, no oeste eram ervas e no norte eram águas. Para todos os esses casos Varuna conhecia o antídoto. Entre os hindus esses são alguns aspectos mitológicos que os envolvem, mas entre os muçulmanos, talvez o sultão Muhammad Tughlak trouxera alguns ensinamentos.

Muhammad Tughlak era um representante da mais alta cultura de sua época, além de ater-se aos preceitos de sua religião e não bebia vinho – levava a sério os rituais do islamismo e esperava o mesmo dos outros. Na guerra, distinguiu-se por sua coragem e iniciativa. O sultão ficava sentado em seu trono, com as pernas cruzadas uma sobre a outra, sob um baldaquim revestido de branco; através de si, tinha uma grande almofada, e duas outras dos lados, servindo de apoio para os braços. Diante dele, em pé, ficava o vizir, atrás deste, os secretários, assim por diante, segundo a hierarquia da corte. Um dos mais ambiciosos planos de conquista do sultão Tughlak era atacar Khurasan, o Iraque e a China. Essa conquista demandaria muitos exércitos e mais, mais dinheiro. O sultão dispunha de receitas suntuosas, pois de toda parte afluíam tributos de reis hindus subjugados. Então, ele mandou cunhar moedas em cobre que foram, arbitrariamente, equiparadas ao valor das de pratas e ouro. As pessoas passaram a comprar e vender em cobre, até que cada casa hindu transformou-se numa casa de moeda, milhões de moedas de cobres foram cunhadas. Logo, o valor da moeda pôs-se a despencar, por fim o cobre não valia mais nada. Pela travessia do Himalaia, a conquista da China foi promovida com um exército de cem mil homens, cavaleiros montados, em 1337, que partiu e pereceu no alto das montanhas. Somente dez homens conseguiram se salvar, trazendo de volta a Delhi a notícia da morte dos outros. Por ordem do sultão, os dez foram executados. Mas uma das mais graves acusações contra o sultão era a de ter obrigado os habitantes de Delhi a abandonar a cidade. Eles escreviam-lhe cartas, mas insultando-o. O sultão decidiu reduzir a cidade a ruínas, após ter comprado dos habitantes as suas casas e edifícios e pago por elas o que valiam, ordenou-lhes que mudassem para Daulatabad, a cidade que queria transformar em sua capital. A população recusou-se, mas a maioria acabou acatando sua ordem. Delhi ficou abandonada.

Enfim, entre os muçulmanos e os hindus brâmanes resta compreender essa natureza comum: exilar o filho e a população de uma cidade. A mobilidade e a circulação de Bhrigu e dos cidadãos de Delhi ensinam a dispersão.

Um comentário:

robezy disse...

Oi, obrigado por me dizer que você está usando Português. Eu usei o Google tradutor para ler o seu blog. Eu estou usando a dizer para traduzir do Inglês para o Português. Não sei como isto vai ser precisa.

Sim, eu sou da Índia.

Em seu blog não tiver atendido aos mencionados indiano revolucionários como Bhagat Singh, Chandra Sekhar Azad que ainda influência indiana juventude. Mas ainda Gandhi é o nosso pai da nação e de personalidade mais venerado na Índia.

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