sábado, 11 de julho de 2009

Smurfing e Dirty Money [narcodolares]


A droga nunca deixou de ser um fenômeno de mercado, mas até a década de 1970, a política de 'enforço' da lei em relação à droga visava reduzir a sua oferta e ao mesmo tempo a oferta de crime, delinquência, ou seja, tratava-se de reduzir a quantidade de drogas no mercado, por meio do controle e desmantelamento das redes de refino e de circulação, pelo menos parcialmente. Isso aumentou o preço unitário da droga, além de ter beneficiado e fortalecido os grandes traficantes [monopolistas], na medida em que não se respeitavam as leis de mercado e da concorrência. O comprador que começa a consumir a droga pode se deter diante dos preços altos e renunciar a seu preço. Entretanto, o consumo de droga demonstrou-se numa demanda absolutamente inelástica: qualquer que fosse o preço, o drogado queria encontrar sua mercadoria e estará disposto a pagar por ela. A inelasticidade da droga faz aumentar a criminalidade. Os traficantes, por fim, oferecem a droga a um preço baixo aos consumidores iniciantes, cuja demanda é elástica, depois que se tornam consumidores habituais, quando a sua demanda se torna inelástica, nesse momento aumenta-se o preço, de acordo com Michel Foucault em seu livro “O Nascimento da Biopolítica”. Compreende-se o comércio de drogas na interação mundial do sistema financeiro, através das relações entre as organizações criminosas, o sistema bancário, que realiza a lavagem do dinheiro, e o sistema financeiro, onde o dinheiro se transforma em capital. Em suma, ‘lavagem de dinheiro’ é o processo pelo qual o dinheiro obtido por meios ilegais torna-se legítimo ou mascara as suas origens ilícitas. Nesse processo a economia ilegal deixa para trás sua condição ilícita e passa a integrar a economia formal.

Comuns na década de 1990, os narcodolares foram considerados dirty money por escapar do controle regulador e fiscal dos Estados, enquanto o capital especulativo, hot money, percorria o planeta à procura de lucros eventuais sem o controle do Estado, conhecido como black money, caso atribuísse um caráter criminoso. O campo de manobra para a lavagem de dinheiro dos traficantes tornou-se muito amplo, a partir de operações realizadas em lugares diferenciados, interligados por meios de comunicação via satélite, realizado por grandes bancos internacionais e diversos agentes financeiros, que fazem essas operações se tornarem legais pelo sistema econômico. Enfim, o sistema bancário potencializa o poder do crime organizado porque constitui o meio pelo qual o dinheiro ‘sujo’ pode se transformar em hot money: crédito para investimento produtivo ou divisas para captação de recursos externos por parte de um governo nacional. Há outros mecanismos de lavagem de dinheiro específicos de traficantes de droga, como os smurfing, que driblam a obrigação dos bancos de informar aos governos a procedência do dinheiro para depósitos acima de 10 mil dólares. Outro dispositivo é o uso de casas de câmbio com o ‘superfaturamento das importações’ [compra de mercadorias no exterior a um preço inflado, cuja diferença com o preço real é depositada numa conta bancária] ou o ‘subfaturamento das exportações’ [venda de mercadorias a preços artificialmente baixos, a diferença é depositada numa conta secreta, em offshore heaven, ‘paraísos fiscais’]. Além da lavagem do dinheiro, a infra-estrutura de transportes sempre será condição necessário para tráfico de drogas.

O Brasil é uma área de trânsito da droga, onde os traficantes usam meios de transporte intermodais, escondendo as drogas em containers ou em outros tipos de carregamento deslocado pela marinha, por caminhões ou ferrovias – o uso de aeronaves também é frequente. Toda essa logística intercepta os fluxos num país consumidor como o Brasil, onde é gerada a maior parte dos lucros com o comércio internacional de drogas. O Primeiro Comando da Capital [PCC] investiu no mercado de drogas e, entre os traficantes, loteou a cidade de São Paulo, cidades da Baixada Santista e cidades do interior. Determinaram-se os responsáveis pelos pontos de venda, bocas de fumo, quem vende no varejo, mas parte do dinheiro arrecada era repassada ao caixa da organização criminosa, porque são numerosas as bocas de fumo e cocaína espalhadas pelo estado, no final do mês a arrecadação era grande. Eles compram as drogas e as repassam para os donos das bocas que, por sua vez, as revendem aos consumidores. A pesar de a venda a varejo dar dinheiro ao PCC, a principal fonte de renda é a droga no atacado, negociada aos grandes traficantes, toneladas de cocaína e maconha.

Depois que o PCC e o CV se uniram para a compra e venda de entorpecentes, os negócios se intensificaram ainda mais, aumentando o volume de drogas traficado. Não se trata de um exército industrial de reserva, mas de jovens semi-analfabetos, em geral, filhos e netos de trabalhadores informais, força de trabalho precarizada vinculada ao sistema de varejo, designado de ‘hiperprecariado armado’ no livro “Fobópole” escrito por Marcelo Lopes de Souza. São traficantes de varejo que sabem que terão uma vida curta, mas para eles vale mais uma vida curta com dinheiro que uma vida longa como trabalhadores de salário mínimo ou no mercado informal usual.

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