quarta-feira, 15 de julho de 2009

Bacillus Antraz e o Cipro [biotech IV]


O governo W. Bush foi capaz de bombardear o deserto desolado dos afegãos e, ao mesmo tempo, tornar-se refém de uma bactéria invisível: o antraz. Essa é, certamente, a imagem da guerra do século XXI, não a figura explosiva do World Trade Center [WTC]. Longe de apontar para a guerra do século XXI, a explosão e o colapso das torres gêmeas em 2001 não deixam de ser o último grito espetacular da guerra do século XX. O nosso destino parece muito mais estranho: o espectro de uma guerra ‘imaterial’, onde o invisível [vírus, venenos, bactérias] pode estar em qualquer lugar. Mesmo que na realidade material e visível nada aconteça, o universo conhecido passa a desmoronar e a vida a se desintegrar. Quando, dias após o 11 de setembro, nosso olhar se fixava sobre aquelas imagens do avião atingindo uma das torres do WTC, tínhamos de ver tudo aquilo vezes sem conta, ad nauseam. A queda das torres gêmeas pela tela da televisão mostra pessoas que parecem representar – representam a si mesmas – em um reality show.

Com o pânico provocado pelo antraz em outubro de 2001, o Ocidente teve uma primeira aproximação com essa ‘guerra invisível’, onde os cidadãos comuns ficam totalmente dependentes das autoridades públicas para saber o que realmente está acontecendo. Aconteceu que a caça paranóica do governo de W. Bush por armas de destruição em massa no Iraque tornou invisível a indústria do terror biológico norte-americano, mas ninguém se surpreendeu com a revelação de que o maior depósito de armas de destruição em massa fica nos EUA e não no Iraque. De fato, nesta ‘guerra imaterial’ há uma coordenação de uma ‘bomba biológica’ e uma ‘bomba informática’, sobretudo ao combinar as ciências da vida e as ciências da informação, conforme Paul Virilio em seu livro “A Bomba Informática”. Nessa nova guerra, os agentes vão assumir cada vez menos os seus atos, pelo menos a al-Qaeda não assumiu explicitamente os ataques de 11 de setembro nem a difusão de cartas com antraz.Slavoj Zizek afirmou, em seu livro “Bem-vindo ao Deserto do Real”, que a biotecnologia e a realidade virtual inauguraram uma combinação e ampliaram o horizonte de tortura.

Após o 11 de setembro, os EUA ainda se preocupavam com os ataques ao WTC e ao Pentagono, mas os meios de comunicação ainda estavam insatisfeitos com os resultados e começaram a espalhar o medo de que terroristas poderiam continuar seus ataques usando armas químicas e biológicas. O fato é que os jornalistas viram seus temores se concretizarem em uma onda de correspondências com antraz: cinco delas verdadeiras e milhares de outras fraudulentas. Essas incursões terroristas disseminadas pelas ondas de histeria sobre o antraz se espalharam até os cantos mais remotos dos Estados Unidos. Simultaneamente as imagens dos aviões, que colidiram com os centros econômicos e militares dos EUA, foram sobrepostas pelas ameaças de ataque biológico. Assim, as agências do correio começaram a mandar para quarentena os pacotes de biscoitos caseiros que recebiam; milhares de correspondências foram lacradas e armazenadas para testes futuros; diversos voos comerciais foram redirecionados e forçados a pousar quando era encontrado qualquer pó branco: substâncias triviais como pó para pudim de baunilha, açúcar, farinha, talco, conseguiram fechar escolas e fábricas, além de emperrar o ritmo dos negócios, descreveu Susan Willis em seu livro “Evidências do Real”. O antibiótico, Cipro, até então recomendado, foi encomendado pelas pessoas. Alguns norte-americanos compraram máscara de gás, mas os peritos afirmaram que os esporos do antraz poderiam penetrar com facilidade pelo filtro da máscara. Ordenaram-se aos norte-americanos que procurassem envelopes suspeitos: cartas sem remetente, combinações estranhas de selos, volumes injustificados, embrulhos inusitados e, sobretudo, o pó branco. Acompanhando o aviso, tantos outros trotes e alarmes falsos vieram. Com a finalidade de controlar a histeria crescente, W. Bush chegou a advertir que alarmes falsos de contaminação por antraz constituiriam uma ‘séria ofensa criminal’. Mas a paranóia atingiu seu apogeu quando a notícia de que o antraz havia causado mortes. O jornalista do Sun News na Flórida e o trabalhador dos correios de Nova Jersey foram algumas vítimas fatais, por serem alvos potenciais dos terroristas.

Todas as estratégias do governo norte-americano para se criar uma falsa sensação de segurança desmoronaram, quando Kathy Nguyen [funcionária de um hospital em Nova York] e Ottile Lundgren [idosa que morava na zona rural de Connecticut] foram mortas após inalarem antraz. O antraz mobiliza e combina, portanto, dois tipos de temores na área da segurança pública: o medo do envenenamento coletivo e o pavor dos efeitos poluidores. Decerto imaginávamos ter criado um novo mundo de agentes viróticos de destruição mais limpos e abstratos, como os códigos que se anexam aos e-mails do mesmo modo que se anexam ao DNA para causar falha generalizada no sistema. O golpe do antraz, entretanto, não nasceu no 11 de setembro nem com a carta que contaminou o escritório do senador Daschle. Em 1991, com a Guerra do Golfo, os americanos se preocuparam com as armas de destruição em massa no Iraque e com a hipótese de Saddan Husseim ter testado o antraz. Em 1997, um prato rotulado Anthraschs foi enviado para os escritórios da B’nai B’rith em Washington, que continha uma substância inofensiva: alarme falso. Desde muito tempo, portanto, o antraz esteve no pensamento ocidental. No Império Romano, o antraz dizimou inúmeros rebanhos ao longo do Mediterrâneo. No século XIX o antraz foi identificado como a Doença dos Coletores de Lã. Mais recentemente, tornou-se objeto de experimentos pelos nazistas, pela KGB e pelo aparato militar norte-americano. Enfim, o bacillus anthracis é uma das mais simples formas de vida, que vem atravessando séculos com a promessa de um apocalipse microbiano.

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