domingo, 5 de julho de 2009

Alien - POW, Detainees [Diktatur]


A espécie humana reduzida às reações mais elementares – o ‘cão de Pavlov’ – em que um feixe de reações pode ser sempre liquidado e substituído por outras reações de um comportamento exatamente igual ao anterior, este é o cidadão modelo do Estado Totalitário, que nunca foi produzido de maneira tão perfeita como nos campos de concentração. Nem mesmo Mussolini tentou estabelecer um regime inteiramente ‘totalitário’, contentou-se com a ‘ditadura unipartidária’. Ditaduras não-totalitárias semelhantes surgiram antes da II Guerra Mundial na Romênia, Polônia, Hungria, Portugal e, mais tarde, na Espanha. Os movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas e não as classes ou os cidadãos. Antes mesmo da morte de Lênin, toda a atividade política [ostensiva ou clandestina] foi sufocada implacavelmente pelo ‘terror ditatorial’, que difere do ‘terror totalitário’, por ameaçar apenas adversários autênticos, não cidadãos inofensivos e carentes de opiniões políticas. O que superestimou e obscureceu o fenômeno totalitário foi o ‘princípio de liderança’, que não é totalitário em si mesmo, pois algumas de suas características derivam do autoritarismo e da ditadura militar. Hannah Arendt reconheceu, em seu livro “Origens do Totalitarismo”, que toda hierarquia [por mais autoritária que seja] e toda escala de comando [por mais ditatorial que pareça] constituem um obstáculo ao poder total de um líder de um movimento totalitário.

O totalitarismo moderno pode ser definido como a instauração de uma guerra civil legal que permite a eliminação física de adversários políticos e de diversas categorias de cidadãos que pareçam, por qualquer razão, não integráveis ao sistema político. Carl Schmitt identificou, em seu livro “Die Diktatur”, que o estado de exceção é apresentado através da figura da ditadura, na medida em que se apresenta como uma ‘suspensão dos direitos’. Na ditadura distinguem-se a ‘ditadura comissária’, que visa a defender ou a restabelecer a constituição vigente, e a ‘ditadura soberana’ busca, como figura da exceção, criar um estado de coisas que seja possível de impor uma nova constituição. Assim, o poder constituinte torna-se uma ‘questão de força’, que embora não constituído em virtude de uma constituição, mantém com toda a constituição vigente uma relação tal que ele apareça como poder fundador. Em seu livro “Constitutional Dictatorship”, Clinton Rossiter examinou a ditadura constitucional a partir do momento em que o regime democrático é organizado para funcionar em circunstâncias normais, com seu complexo equilíbrio de poderes, entretanto, em tempo de crise, o governo constitucional deve ser alterado por medidas que neutralizem o perigo e restaurem a situação normal - alteração que implica um governo mais forte, que terá mais poder, enquanto os cidadãos possuam menos direitos.

Trata-se de um contemporâneo processo de transformação das constituições democráticas entre as duas guerras mundiais, com o nascimento dos regimes ditatoriais na Itália e na Alemanha. Usos e abusos do art. 48 da Constituição de Weimar se sucederam, nos anos que vão de 1919 a 1933, porque caso a segurança pública estivesse ameaçada no território do Reich, o imperador podia declarar uma parte do território em estado de guerra e remetia, assim, à lei prussiana sobre o estado de sítio, de 4 de junho de 1851. Acaso desordens e rebeliões se seguirem após a guerra, os deputados da Assembléia Nacional deveriam votar uma nova constituição e introduzir um artigo capaz de conferir poderes excepcionais e extremamente amplos ao presidente do Reich.

A ampliação do poder do líder é acompanhada por uma suspensão da própria ordem jurídica, ou seja, o estado de exceção como estrutura original em que o direito inclui em si o vivente por meio de sua própria suspensão, o que aparece nítido na military order [promulgada pelo presidente dos EUA no dia 13 de novembro de 2001] que autoriza a indefinite detention e o processo dos não cidadãos suspeitos de envolvimento em atividades terroristas perante as military commissions. Antes disso, o USA Patriot Act [promulgado pelo senado no dia 26 de outubro de 2001] já permitia ao Attorney General ‘manter preso’ o estrangeiro [alien] suspeito, mas no prazo de sete dias, o estrangeiro devia ser expulso ou acusado de violação da lei sobre a imigração ou de outro delito. A novidade da ‘ordem’ de W. Bush reside na anulação do estatuto jurídico do indivíduo, produzindo um ser inominável e inclassificável. Os Talibãs capturados no Afeganistão não gozaram o estatuto de POW [prisioneiro de guerra], de acordo com a convenção de Genebra, apenas detainees – uma detenção indeterminada temporalmente e totalmente fora do controle judiciário – fora da lei. No detainee de Guantánamo, por exemplo, a vida nua atinge sua máxima indeterminação. A única comparação possível é com a situação dos judeus nos Lager nazistas, que perderam a cidadania e seu estatuto jurídico, somente conservaram a identidade de judeus.

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