terça-feira, 14 de julho de 2009

Clones, Genoma e Bomba Genética [biotech III]


A decifração do código genético visa a manipular a produção de seres vivos inéditos, como a mulher-farmácia, animais transgênicos, bactérias que comem petróleo, tomates que não apodrecem, resistem ao tempo, isto é, seres monstruosos, mas principalmente a desarticulação e rearticulação de processos inframoleculares, o rompimento das barreiras entre as espécies e dentro de cada espécie, a alteração, embaralhamento e artificialização das sequencias genéticas; trata-se de uma ampla definição encontrada no artigo "Código Primitivo – Código Genético" Laymert G. dos Santos. Sucessivas pesquisas genéticas se realizaram no final do século XX.

Em fevereiro de 1997, Wilmert e seus colaboradores do Roslin Institute em Edimburgo anunciaram a clonagem de uma ovelha, a Dolly, realizada com o DNA de uma ovelha adulta. Em julho de 1998, tornou-se pública a pesquisa de dois biólogos da Universidade do Havaí, Yanagimach e Wakayama, que realizaram a clonagem em massa de 22 camundongos, entre eles sete clones de clones. Em 1998, os cientistas da Portland State University conseguiram clonar macacos adultos, mas não conseguiram reproduzir depois as condições de sua experiência, de acordo com Manuel Castells, em seu livro “A Sociedade em Rede”. Ainda não foram divulgadas amplamente as experiências de clonagem humana, mas a clonagem de órgãos humanos pode até substituir os transplantes ao mesmo tempo em que essas pesquisas biológicas visam a induzir a capacidade auto-regeneradora em seres humanos. O progresso da engenharia genética cria a possibilidade de se controlar algumas doenças, identificar predisposições biológicas e nelas intervir, portanto alterando potencialmente o destino genético. Na década de 1990, enfim os cientistas já identificavam defeitos precisos em genes humanos específicos como fonte de diversas doenças. O ‘projeto genoma humano’ teve bilhões de dólares de financiamento do Departamento de Energia e do National Institute of Health dos EUA, com o objetivo de decifrar o DNA, numa corrida para alcançar finalmente a informação da vida e destinado a decifrar a totalidade do código genético, com o uso de máquinas especializadas em fazer o sequenciamento do DNA.

A informática é indispensável para as pesquisas que promovem um mapa físico do genoma humano, abre-se caminho para uma nova eugenia que propicie a seleção artificial da espécie humana. Deste modo, a anunciação oficial da ‘bomba genética’ só foi possível com a inaudita clonagem do homem a partir do controle informático do mapa do genoma humano. Com a combinação das ciências da vida e das ciências da informação, delineou-se uma ‘eugenia cibernética’ que resulta de um mercado único, que exigiu a comercialização de tudo o que vive e a privatização do patrimônio genético da humanidade, isto é, extrapola a política das nações – como nos laboratórios dos campos de extermínio. Busca-se industrializar o ser vivo por meio de procedimentos biotecnológicos em um projeto semi-oficial de reprodução do indivíduo em série, como se a engenharia genética tomasse o lugar da atômica para inventar também a sua bomba.

Através da informática e dos progressos da biotecnologia, as ciências da vida estão em condições de ameaçar a espécie, não mais pela destruição radioativa do ambiente, mas pela inseminação clínica, pelo controle das fontes da vida, pela origem do indivíduo. Assim como a ‘guerra total’ que se anunciou ao fim do primeiro conflito mundial, de 1939-1945, ameaçando, com Auschwitz e Hiroshima, não mais um inimigo, mas todo gênero humano, a ‘guerra global’ anunciada pelas grandes manobras da guerra da informação terá por base uma radicalização científica que ameaça de extinção o próprio princípio de toda vida individuada, não de extermínio da espécie humana, já que a bomba genética e informática constituem um único e mesmo aparato bélico, segundo Paul Virilio em seu livro "A Bomba Informática". ‘Eugenia cibernética’, ‘bomba genética’: eis a tecnologia eugênica, desde os seus fundadores até Hitler, culminando na cartografia do genoma humana.

Crê-se em novas formas de racismo que se firmaram na Europa, no fim do século XIX e início do século XX, referidas historicamente a novas práticas biomédicas que, embora tenham dado nascimento a certo tipo eugenismo, não se resumiram apenas ao racismo étnico, observou Michel Foucault em “Os Anormais”. Trata-se de um ‘tecnologia eugênica’ que se envolveu com o problema da hereditariedade, o da purificação da raça e o da correção do sistema instintivo dos homens por uma depuração racial. Certamente, a produção de ‘mortos-vivos’ nos campos de extermínio nazistas, quando o não-ariano transmutou-se em judeu, o judeu em deportado [Umgesiedelt], o deportado em internado [Häftling], até que no campo nazista alcançassem o seu limite último: o morto-vivo, o Muselmman. Nesse ponto, entre o Häftling e o Muselmann, a biopolítica do racismo vai além da raça e alcança um umbral em que já não é mais possível estabelecer cesuras entre os cidadãos de ascendência ariana e os de descendência não-ariana, como Giorgio Agamben analisou em seu livro “O que resta de Auschwitz”. No Estado nazista, o biopoder médico consegue ‘fazer viver’ os homens, fazendo-os viver mesmo quando estão mortos – o lugar de produção do Muselmann, a última substância isolável do continnum biológico: isento de qualquer consciência moral, sensibilidade, estímulos nervosos, uma monstruosidade vegetativa.

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