quinta-feira, 16 de julho de 2009

Aiatola Khomeini versus xá Reza [1979-2003]


A maior de todas as revoluções da década de 1970 foi, de longe, a derrubada do xá Muhammad Reza Pahlevi no Irã em 1979. Como o xá foi reposto no trono em 1953, por um golpe organizado pela CIA, contra um grande movimento popular, ele não acumulou muitas lealdades nem dispunha de legitimidade que pudesse recorrer. Sua própria dinastia, os Pahlevi, remontava apenas ao golpe dado pelo fundador, Reza Shah, um soldado de brigada que assumiu o título imperial em 1925. Tratava-se, então, da possível implantação do programa de modernização e industrialização empreendido pelo xá, com apoio dos EUA e baseado na riqueza petrolífera do Irã, supervalorizada com a revolução dos preços após 1973. Enquanto o aiatolá Ruholá Khomeini, idoso e eminente, estava no exílio desde meados da década de 1960, mas no início da década de 1970, ele pregava uma forma de ‘governo islâmico total’, ao propor que o clero tinha o dever de se rebelar contra autoridades despóticas e tomar o poder: em suma, uma ‘revolução islâmica’.

Autoridades religiosas do mundo não deixam, em geral, de procurar novas formas de governo, sob o apelo à tradição, à identidade nacional e religiosa. Esses apelos são ampliados e disseminados por um sistema de comunicação dirigido à cultura de massa. Inovação radical, porque esses apelos eram comunicados às massas através de fitas-cassetes e, normalmente, elas as ouviam. Os jovens estudantes agiram, em 1978, fazendo uma manifestação contra um suposto assassinato realizado pela polícia secreta, muitos foram metralhados, o que ilustrou essa ressonância entre o aiatolá e as massas. Organizaram-se outras manifestações de luto a esses mártires, repetidas a cada quarenta dias. Essas manifestações foram aumentando até que, no fim do ano, milhões de pessoas estavam nas ruas para se manifestar contra o regime do xá. Os guerrilheiros entraram em ação; os trabalhadores do petróleo entraram em greve; os bazares fecharam – o país ficou num impasse, afinal o exército iraniano não conseguiu conter os levantes, ou se recusou a suprimi-los? Em 16 de janeiro de 1979, o xá foi para o exílio e a Revolução Iraniana tinha vencido. Logo no início Khomeini declarava que o Irã estava de fato em guerra contra os Estados Unidos. Antes disso, David Harvey rememorou o imperialismo britânico, em seu livro “O Novo Imperialismo”, quando, no final da década de 1960, os ingleses encerraram toda a sua presença militar a leste de Suez, deixando o comando aos Estados Unidos, que preferiram usar seus Estados representantes [Irã e Arábia Saudita, na época] para cuidar dos seus interesses na região.

Os Estados Unidos aproveitaram para proteger os ‘regimes clientes’ de todo o mundo, ou seja, todos os que estivessem favoráveis aos seus interesses. A derrubada de Mohammed Mossadegh, que nacionalizou os campos de petróleo do Irã, foi seguida por uma substituição, a do xá Reza Pahlevi em 1953 [apoiada pela CIA], com efeito, compensada pelos subsequentes cuidados que o xá deveria ter com os interesses norte-americanos na região do Golfo. Mas com o primeiro boicote do petróleo em 1973, que se associou a queda do xá do Irã, em 1979, tornou-se insustentável a solução indireta norte-americana. O movimento conduzido pelo aiatolá Khomeini no Irã destronou o xá, um dos principais aliados dos Estados Unidos, apoderando-se da embaixada dos EUA, além de despertar reações histéricas nos americanos. Os Estados Unidos financiaram e estimularam, portanto, a brutal guerra que o Iraque moveu contra o Irã ao longo de oito anos [1980-8]. Os EUA encorajaram, em geral, o mundo todo durante a ‘guerra Irã-Iraque’ e, em particular, Saddam Hussein, para conter ao máximo o regime iraniano, por isso o Iraque usou gás venenoso a revelia contra soldados e civis, dentre tantas outras barbaridades e atrocidades.

Até que houve, ao longo dos anos, uma expansão insólita do regime de Hussein em torno da região do Kwait, mas será que isso foi suficiente para os norte-americanos acusar Saddam Hussein de louco? Ou então, de um conquistador? Quando o Iraque invadiu o Kwait no dia 2 de agosto de 1990, Saddam Hussein não imaginava, certamente, que perderia a guerra e seu poder nem que viria as tropas ocidentais invadirem o Iraque. Provavelmente, esta ocupação em território kwaitiano poderia até expor as fraquezas do mundo ocidental e dos EUA, na medida em que expunha um ‘mundo árabe’ fortalecido em termos militares. Sabe-se que o Iraque foi sobrecarregado por invasões, embargos e intimidações a fim de destruir suas armas de destruição em massa, cujas ações da ONU foram em parte bem-sucedidas, mas em parte mal-sucedidas. Por que então as forças dos EUA não marcharam sobre Bagdá em 1991? Porque os falcões não imaginariam ser capazes de rastrear todos os poros do solo iraquiano, durante uma guerra que se estendeu de 2003 a 2008, nem que poderiam capturar Saddam Hussein, julgá-lo em um Tribunal Penal Internacional, condená-lo à morte e matá-lo.

Os norte-americanos nunca duvidaram que fosse possível marchar de volta para casa logo depois, mas eles marchariam inevitavelmente após perpetuarem sua reconhecida prática de impor democracias, bombardear toda a infra-estrutura de um país, chacinar grande parte de uma população jovem de curdos, xiitas, sunitas e deixá-la à mercê das frestas dos escombros. Mesmo com as ondas de terror islâmico ou com a possibilidade iminente de regimes democráticos tentarem invadir os desertos do Oriente Próximo, ainda assim se pergunta: o que o exército fundamentalista norte-americano, com seus falcões yuppie-fardados e mercenário-milicianos, não será capaz de fazer para tentar controlar poços de petróleo no Irã e no Iraque? Por petróleo, a impressão que se tem é que os EUA fariam tudo, ressuscitariam um xá, colocariam um Hussein contra um aiatolá, degolariam esse Hussein e voltariam para casa, deixando para trás fumaça, poeira, escombros, ou seja, não resta dúvida: eles fariam tudo de novo.

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