domingo, 12 de julho de 2009

Y. Arafat entre Homens-Bombas [Doppelgänger]


Foi Ariel Sharon, até então primeiro-ministro israelense, quem tentou matar Yasser Arafat, fisicamente, várias vezes durante a invasão do Líbano e o reduziu ao confinamento de 2001 a 2004. No final de março de 2002, Yasser Arafat foi sitiado e isolado nos três cômodos do seu escritório em Ramallah no mesmo momento em que se cobrava o combate ao terror, como se ele tivesse poder absoluto sobre os palestinos. Enquanto a visão americana pode ser expressa num comentário de Newt Gingrich: como Arafat é o líder de uma organização terrorista, teremos de depô-lo e substituí-lo por outro democraticamente eleito e capaz de entrar em acordo com o Estado de Israel. Há algo de excepcional no conflito palestino-israelense, quantas vezes um acordo de paz parecer estar próximo, tantas vezes depois tudo cairá por terra. Parece que neste conflito os papéis normais são invertidos: Israel representa a modernidade liberal ocidental, mas legitima-se através de sua identidade ético-religiosa, ao passo que na Palestina as suas exigências são legitimadas em termos de cidadania secular, enquanto são execrados como ‘fundamentalistas’ pré-modernos. A criação de um Estado em que israelenses e palestinos possam viver felizes lado a lado para sempre será apenas isso – um sonho, um delírio.

Para os árabes, o conflito árabe-israelense é fundamental, mas os acontecimentos de 11 de setembro enraízam-se na injustiça perpetuada por Israel e EUA contra os palestinos. Y. Arafat pode ter sido um terrorista como bin Laden, mas para os falcões dos EUA e de Israel a referência a ‘guerra ao terrorismo’ é fundamental, porque a luta de Israel contra a OLP [Organização para a Libertação da Palestina] é só um capítulo menor nessa luta. Por isso, deve-se resistir a compreender o ‘anti-semitismo’ árabe como uma reação ‘natural’ à situação infeliz dos palestinos, ou entender as medidas de Israel como uma reação ‘natural’ à lembrança hostil do Holocausto. Percebe-se que o Estado de Israel é que profana a memória de vítimas do Holocausto, manipulando-as impiedosamente como meio de legitimação das atuais políticas, quando todo protesto contra as ações das Forças de Defesa de Israel na Margem Ocidental é denunciado como anti-semitas, denunciou Slavoj Zizek em seu livro “Bem-vindo ao Deserto do Real”. Então, se cidades israelenses forem atacadas por ‘terroristas suicidas’, dá-se o direito de se atacar os territórios palestinos que lhes dão abrigo?

Compreende-se o ‘homem-bomba’, o ‘ataque suicida’, em uma breve genealogia que remonta a onda de violência política que produziu massacres em escalas desconhecidas desde o fim da Segunda Guerra Mundial e trilhou os caminhos que levaram ao genocídio sistemático. Os grupos ativistas deste período [Al Fatah, Hamas, Jihad Islâmica da Palestina, Hezbollah, Tigres Tâmeis] contavam com o apoio popular maciço, logo com uma fonte permanente de recrutamento. Momento em que surgiu uma importante inovação singularmente terrível: o ‘homem-bomba’. Sua origem deriva da revolução iraniana de 1979, impregnado da ideologia islâmica xiita, que idealizava o martírio. O ‘homem-bomba’ foi empregado pela primeira vez em 1983 no Líbano, contra os americanos, pelo Hezbollah. Sua eficácia foi clara e sua prática se estendeu aos Tigres Tâmeis em 1987; ao Hamas, na Palestina, em 1993; a al-Qaeda e outros extremistas islâmicos, entre 1998 e 2000, na Caxemira e na Chechênia. Na Palestina, 57% dos ‘homens-bombas’ têm instrução superior ao nível secundário. Questiona-se, pois, por que os ‘homens-bombas’ palestinos em Israel, além de propaganda, pouco valor possuem? Talvez porque os perigos da ‘guerra contra ao terror’ nunca provieram dos ‘homens-bomba’ muçulmanos, segundo Eric Hobsbawm em seu livro ‘Globalização, Democracia e Terrorismo’. Em reação à onda de ‘explosões suicidas’, muitos liberais israelenses creem que Israel tem o direito de se defender, ao contrário, a maioria dos palestinos adotou a postura do não apoio a matança indiscriminada de civis israelenses, mas as ‘explosões suicidas’ devem ser entendidas como atos desesperados dos que não tem força contra a máquina militar israelense? Acontece que, sobre o crescente fenômeno dos ‘ataques suicidas’ – o ‘homem-bomba’ é o doppelgänger ensanguentado do soldado sem corpo. Exatamente quando o corpo parecia ter desaparecido do campo de batalha, com a política de perda zero de soldados, adotada pela estratégia militar de alta tecnologia. O ‘homem-bomba’ nega o corpo em risco, definiram Michel Hardt e Antonio Negri em seu livro “Multidão”, assegurando a morte: os ataques suicidas constituem um exemplo extremo das dificuldades e contradições apresentadas pelos conflitos assimétricos em geral.

O ‘homem-bomba’ surge como símbolo da inevitável limitação e vulnerabilidade do poder soberano – recusa a aceitar uma vida de submissão, o ‘homem-bomba’ transforma a própria vida numa terrível arma. Do fundamentalismo religioso ao nacionalismo tradicional, os líderes palestinos mais populares estão: mortos, presos ou mergulhados no planejamento de atentados suicidas. As operações terroristas alcançaram outros níveis com os ataques suicidas. Como chefe terrorista, Yasser Arafat aderiu a novidades como os sequestros de aviões e de reféns inocentes, eram atos quase ingênuos comparados aos horrores dos atuais cortejos de decapitação, carros-bombas e ataques suicidas – tempo em que os terroristas planejavam sair vivos de seus ataques. Y. Arafat está morto desde novembro de 2004.

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