segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Terror Grotesco Liberal [new biotech I]


Liberalismo ou neoliberalismo caracterizam-se por alguns elementos fundamentais, dentre os quais o Estado de Direito [a forma da lei]; o enforcement of law [o enforço, o reforço da lei]; o homem econômico e seu anverso homo penalis; o capital-humano; a espoliação financeira; e, em último caso, a própria colonização da vida. O projeto ainda frustrado da biogenética e suas manipulações e clonagens, chegou a ser a quintessência da última varredura do neoliberalismo no globo terrestre. A biotecnologia e a bomba informacional foram a maquinaria desenvolvida no período de maior abrangência do neoliberalismo, entre as décadas de 1970 a 1990. Paul Virilio foi quem analisou, em sua obra e em detalhes, a articulação tecnológica da bomba informacional e da bomba genética, cuja estratégia previa um mundo de teleatores [radares, satélites, informações, cibernética, telemática, etc.] articulados a clones [seres dessubjetivados, protótipos genéticos] – a composição da paisagem ideal dos neoliberais.

Em termos políticos, Michel Foucault decifrou as estratégias políticas neoliberais e denunciou a biopolítica como a nova forma liberal de governar os vivos: a própria vida como o campo abrangente da política neoliberal; a obra de Giorgio Agamben segue essa mesma esteira: a relação entre a política e a vida nua. Não nos assusta, contudo, perceber como os neoliberais no Brasil, ainda resistem com seu discurso de poder-saber envolvendo os dramas ecológicos e de saúde. As questões ecológicas e de saúde pública propostas pelos tucanos e democratas [os representantes neoliberais brasileiros mais ortodoxos] não circulam em outro ambiente senão o do nascimento da biopolítica.

Neste caso, afora os problemas ambientais ou ecológicos, discute-se a trama estratégica da articulação entre medicina e criminologia, perceptível nesse levante dos tucanos pró-Serra em sua campanha política. Certamente, sabe-se que uma das manifestações geopolíticas mais frequentes ou o estopim mais evidente de uma guerra, é a tomada do poder de uma nação: guerras aconteceram por causa da tomada de um poder ou por causa da retirada de um presidente eleito do seu posto, o paradoxo da democracia à la USA, quando se torna autoritária. Imaginem que desordem mundial aconteceria se o governo brasileiro voltasse às mãos dos tucanos? Que desalinhamento ocorreria entre as nações, nos blocos regionais de poder? Reconhecer uma eleição cotidiana como um ‘mote’ para a guerra ainda não é um evento muito divulgado, mas essencialmente conhecido. Os neoliberais perdem as eleições como quem perde uma guerra, fazem piquetes, se matam nas ruas. Politicamente, travestidos pelo Estado de Direito criam leis e, inevitavelmente, as articulam com a vida, por exemplo, tal quando um juiz impõe aos indivíduos uma série de medidas corretivas, de readaptação, de reinserção – o duro ofício de punir vê-se alterado para o belo ofício de curar. Do sem-número de profissionais liberais que se conhece, médicos e advogados são os que exercem um poder cada vez mais emaranhado, que se traduz: ali, onde havia de se curar, há punição; lá onde havia de ter punição, há cura, ou melhor, um objeto que não é legalmente uma infração nem patologicamente uma doença.

Trata-se de duas estratégias eleitorais [de guerra] dos neoliberais, de alcance local e global, que envolvem as práticas médicas e as práticas jurídicas: o antitabagismo de Serra e o terrorismo da gripe A [influenza]. [1] Estratégia local: O antitabagismo em São Paulo é a reprodução do processo de exclusão da lepra no século XVI e da loucura a partir do século XVIII. Eliminar uma doença simplesmente pela exclusão. Excluir simplesmente através de uma lei, os médicos não se preocupam em reconhecer o tabagismo como doença, não se levanta a hipótese de curá-lo, apenas são coniventes com a lei que incide sobre a exclusão do doente, afinal o tabagismo é uma doença, infelizmente, um bode expiatório de uma política de saúde, em São Paulo, que não teria efeito, sem essa panacéia arcaica de simplesmente tirar a visibilidade da doença, como fizeram contra os leprosos e os lunáticos das 'cidades ideais' européias desde o Renascimento; [2] Estratégia global: a gripe A [H1N1] é uma pandemia que resulta do objetivo último da política neoliberal, ou biopolítica, cujas artimanhas se concretizam na medida em que se controlam os fluxos, a circulação de pessoas, bens, vírus, transportes, etc. com o auxílio dos bufões da OMS. Trata-se de uma gripe qualquer? Que mata tanto ou pouco mais que qualquer outra mutação do vírus da gripe, que ainda precisa da morosidade do processo de desenvolvimento das vacinas; e se realmente fosse uma doença grave?

Não há cura, não há vacina, proliferam-se as mortes, então o que a medicina reproduz? O discurso médico reproduzido não se redunda apenas numa tática de abandono e exclusão, mas, por não curar ou se ver impotente, prolifera-se uma espécie de terror, o que Michel Foucault denominou, em seu livro "Os Anormais", por ‘terror ubuesco’ ou ‘soberania grotesca’: trata-se de uma engrenagem arcaica visível nas estruturas políticas de nossas sociedades ocidentais, desde Nero, Heliogabalo até as disciplinas modernas, que se define pela ‘maximização do poder a partir da desqualificação de quem os produz’. Os médicos são acionados para lidar com uma patologia ao mesmo tempo que se vêem desqualificados para curá-la, não tendo outra opção deixam morrer ou, no caso do tabaco, excluem, escondem mais do que desenvolvem terapias; eles são capazes de até definir a nosografia, representam os gráficos e as formas dos vírus, mas não curam. Terror grotesco, portanto, que articula a maquinaria dos profissionais liberais, cujo passo da medicina é redesenhado pelas ordens legais – o jurídico a serviço da biomedicina. Essa estratégia política, datada, reconhecida há séculos continua a proliferar as suas pragas, acelerando-se com a desinformação [cada médico prolifera um discurso distinto, embaraçoso, desconexo, enquanto os juristas incidem leis certeiras]. Meios de comunicação, médicos e advogados colocaram a sua máquina liberal para funcionar, em suas estratégias revelam a arcaica forma de poder do liberalismo, não tendo onde se apegar – tomam para si a própria vida.

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