sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Front Pós-Industrial e a Natureza da Guerra


Quando a indústria foi eliminada dos países ricos e substituída por uma economia financeira e rentista, alargou-se a denominada desindustrialização dos países antes industrializados, acelerada pela descentralização e a transferência da produção material para os países pobres, motivadas pelas diferenças exponenciais salariais. Assim o ‘capital móvel’ se desloca para as reservas de ‘mão-de-obra imóveis’, enquanto o capital transita livre de um mercado de trabalho para outro, a mão-de-obra é impedida de cruzar as fronteiras internacionais. Daí resulta a paisagem neoliberal que cartografou o desenvolvimento geográfico desigual, conforme David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”, bem como a distinção desigual das técnicas, sinalizada por Philippe Aydalot em seu “Dynamique Spatial et Development Inegal”. No Brasil, em especial nos estados nordestinos, o aprisionamento da mão-de-obra barata e de baixa qualificação formou um cerco nas ‘plataformas de exportação’ para o mercado norte-americano, ou melhor, nas Zonas de Processamento de Exportação [ZPE] implantadas em 1988, suspensas em 1990 e retomadas, em 1992, pelo governo Collor, tornando-se inoperantes numa zona cinzenta em nosso país.

De outro modo, foram as ‘technopolis’ que tornaram-se o ambiente mais propício para o neoliberalismo reproduzir-se, tais como o Silicon Valey, na California, a Route 128, nos arredores de Boston, a Sophia-Antipolis, na França, Tsukuba, no Japão. Talvez não se possa afirmar que, na década de 1990, tecnopólos [cidades tecnológicas] estivessem territorialmente desenvolvidas no Brasil, mas existiam espécies de ‘bolsões’ de trabalho especializado e qualificado no Vale do Paraíba, isto é, o fornecimento de mão-de-obra e base técnica para as fábricas do segmento eletro-eletrônico e mecânico nas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo, com ramificações no Sul de Minas de Gerais – o caso do Vale do Sapucaí, notado a partir de estudos empíricos realizados por Bertha K. Becker e Claudio Egler em seu artigo “O Embrião do Projeto Geopolítico da Modernidade no Brasil”. O neoliberalismo expõe um paradoxo territorial nas cidades mundiais, visível com a desconcentração das atividades produtivas e, ao mesmo tempo, com a concentração dos centros de decisão. Para tal desconcentração é necessário uma infra-estrutura que promova conexões fáceis entre as unidades produtivas e os centros de gestão, além da disponibilidade de trabalho qualificado [capital humano investido] e uma base técnica adequada. Esta lógica territorial do capital não deixa de ser uma paisagem ultrajante, que se localizou em torno de uma região concentrada no Brasil, promovendo um desenvolvimento geográfico e tecnológico desigual, alheios a um projeto de integração nacional – concentrando-se na região paulista, então, o que se percebia: uma área privilegiada em trabalho mais especializado, como centro de irradiação de um ‘meio técnico-científico-informacional’, provendo manchas de informação e finanças, em suma, um ‘gueto dourado’ disparatado que criou uma espécie de trincheira ou fronteira entre ‘São Paulo e o resto do território’ brasileiro, nas palavras de Milton Santos e María Laura Silveira em seu livro “O Brasil: Território e Sociedade no Início do Século XXI”.

Acontece que informação e finanças articulam veementemente o setor produtivo ‘pós-industrial’, com ênfase para as tecnologias eletro-eletrônicas, em todo caso, mecânicas, conforme acima assinalado em ‘tecnopólos’. Entretanto, não é forçoso afirmar que o turismo e seus ‘não-lugares’, assim como a ecologia e sua bioengenharia [genética, bioquímica] arrematam setores produtivos privilegiados da economia neoliberal, rearticulando características fundamentais na paisagem pós-industrial, em seu ‘front geopolítico e geoeconômico’. Mas, primeiramente, a partir de uma garantia espacial específica, pouco analisada, uma ‘Desintegração Arquitetônica’:

[1] Desintegração Arquitetônica – um imóvel subdivide-se em cômodos e elementos arquitetônicos [paredes, janelas, portas, etc.], mas Paul Virilio enumerou quatro tipos de janelas sobrepostas, que fragmentam a arquitetura domiciliar e lhes dão outra mobilidade e nova visibilidade, em seu livro “O Espaço Crítico”. Destaca-se a impossibilidade de se conceber casas sem meios de acesso, então a primeira janela é a porta. A janela propriamente dita seria a segunda janela. A terceira janela, nós a conhecemos há pouco, é a tela de televisão ou dos computadores, removíveis e portáteis. A porta é original na residência, ao mesmo tempo, o seu primeiro móvel, porque não deixa de transportar para dentro ou para fora. A porta do automóvel constitui, portanto, uma segunda porta, uma quarta janela, mas de um transporte externo aos muros da casa. Meios de acesso físico e de comunicação à distância, as mídias audiovisuais e automóveis se fundem aqui para desintegrar a estrutura arquitetônica tradicional. O que seria do neoliberalismo sem a infra-estrutura dos transportes e informacionais no seu jogo geopolítico e geoeconômico global, planetário? A fragmentação industrial, a divisão territorial do trabalho, as transnacionais, os tecnopólos, o meio técnico-científico-informacional e, sobretudo o empresário, no ‘confinamento domiciliar’, demandam e sugerem uma infra-estrutura que se sobrepõe à arquitetura tradicional, com efeito, como vetor de desintegração. Pouco se discute essa condição necessária ao ‘confinamento domiciliar’, como padrão espacial da flexibilidade do trabalho imaterial. A partir desta ‘desintegração arquitetônica’ em sua quarta janela, que circula pelo automóvel, discutem-se os não-lugares, a quintessência dos viajantes.

[2] Não-lugares – vistos tanto pelas instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens [vias, trevos rodoviários, aeroportos] quanto os próprios meios de transporte ou grandes centros comerciais, os não-lugares, classificados por Marc Augé, remetem-se certos lugares que só existem pelas palavras que os evocam. Os não-lugares da supermodernidade, na auto-estrada, no aeroporto, nas compras de supermercado, definem-se por textos que nos propõem o seu modo de usar, de três maneiras: prescritiva [esquerda ou direita], proibitiva [proibido fumar] ou informativa [você está entrando no...], que instalam as condições de circulação em espaços onde se supõe que os indivíduos só interajam com textos disseminados pelo percurso. O motorista de passagem observa a cidade como um conjunto de nomes num itinerário, mas a paisagem se mantém à distância, cujos detalhes arquitetônicos ou naturais transformam-se na oportunidade de um texto. Assim, o espaço como prática dos lugares procede por um duplo deslocamento do viajante e, paralelamente, das paisagens, das quais ele nunca tem nada mais do que visões parciais, instantâneas, somadas confusamente em sua memória, recompostas num ‘relato’ que o viajante faz delas ou, na volta, impõem-se os comentários, como se o espectador fosse para si mesmo o seu próprio espetáculo. O espaço do viajante é, enfim, o arquétipo do ‘não-lugar’. De ‘não-lugar’ em ‘não-lugar’, de fragmentos de textos a fragmentos de textos, resta o passeio no espaço natural, como locus tribal de ‘povos primitivos’, lugares exóticos e últimos, como destino dos passeios da elite, ao mesmo tempo, ambiente de pesquisas biotecnológicas, nos recantos do Terceiro Mundo.

[3] Natureza da Guerra – a questão ambiental desenvolvida pelo neoliberalismo estabelece uma tríplice estratégia de uma guerra explícita, apontadas por Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Natureza da Globalização e a Globalização da Natureza”, desde que compreendamos a guerra, conforme Carl von Clausewitz, como a imposição de nossa vontade sobre o adversário: [a] a etnobiopirataria – que significa a colheita de informações sistematizadas por comunidades (camponesas, indígenas e afrodescendentes), isto é, não são apenas as plantas que se levam, mas informações e conhecimentos são apropriados de um povo. Então, as empresas reivindicam direitos de propriedades sobre conhecimentos de outros povos, como parte de um complexo industrial-científico num projeto estratégico dos EUA[1]; [b] os latifúndios genéticos – as regiões tropicais são mais ricas em diversidade biológica, mas as grandes corporações do ramo da biotecnologia localizam-se em regiões frias e temperadas (EUA, Japão, Europa do Norte). Deste modo, trata-se de uma situação geopolítica que deve ser enfrentar os países africanos e asiáticos, mas, sobretudo pelos países andino-amazônicos: Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Brasil, Suriname. Alerta-se às propostas de unidades de conservação ambiental, principalmente, em áreas com elevada diversidade biológica e de grande diversidade cultural como na Amazônia, que envolvem recursos provenientes dos países hegemônicos que protegem essas áreas como ‘reservas de valor’ para o futuro: um ‘latifúndio genético’; [c] divisão ecológica e territorial do trabalho – os países industrializados mantêm seu desenvolvimento com certos atenuantes ecológicos, mas esse modelo não pode se estender para outras regiões e povos, que acabam por tornar-se ‘lixeira’, ao limpar os rejeitos do Primeiro Mundo, onde estão populações que vivem pobremente em grandes extensões de suas terras que se transformam em unidades de conservação ambiental (latifúndios genéticos). Apesar da disparidade de posicionamentos, grandes corporações obtêm apoio das elites dominantes dos próprios países em desenvolvimento que atraem para seus territórios aquilo que os países desenvolvidos não desejam mais. Observa-se a transferência da indústria de papel e celulose para o Terceiro Mundo, por exemplo, países tropicais em especial, que são indústrias altamente poluidoras – todo o latifúndio monocultor de espécies celulósicas ou de carvão vegetal que existem no Amapá, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Notas:
[1] Trata-se de um programa que visa o controle da biodiversidade em escala mundial, através de universidades e empresas dos EUA. O programa International Cooperative Biodiversity Group (ICBG) conta com o apoio do Banco Mundial e é coordenado pelo Technical Assesment Group (TAG) formado por três grupos estatais dos EUA: Serviço de Agricultura Estrangeira (FAS), a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e o Instituto de Saúde (NIH), ou seja, a tríade Agricultura Ciência e Saúde. Englobam-se a realização de programas associados à conservação da natureza, ao desenvolvimento econômico e ao descobrimento de drogas medicinais. Resta ainda que empresas financiem investigações e podem patentear os resultados das pesquisas. Os EUA devem garantir a segurança para se apressarem, por um lado, as legislações ao livre acesso aos recursos genéticos, por outro lado, criar leis que assegurem barreiras ao acesso às informações – propriedade privada, patentes.

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