segunda-feira, 24 de agosto de 2009

General Intellect e Amazônia Andina


A força produtiva nasce dos sujeitos e se organiza na cooperação. No século XIX, a cooperação produtiva não era imposta pelo capital, mas por uma habilidade intelectualizada, desmaterializada, pode-se dizer uma força de trabalho mental, imaterial, ou seja, trabalho linguístico, que só pode se expressar de forma cooperativa. Trata-se do General Intellect que, ao longo do desenvolvimento capitalista, acabou por se expandir e inclui em sua organização aquilo que formalmente lhe está externo. General Intellect é um conceito que está contido nos Grundrisse de Karl Marx [1858-9], curiosamente publicado na Rússia somente em 1954. Para Antonio Negri, em seu livro “5 Lições sobre o Império”, atribuir características linguísticas ao General Intellect desenvolve as suas determinações biopolíticas.

Ao considerar apenas as abordagens foucaultianas, biopolítica opõe-se à anatomopolítica, ou em outros termos, à disciplina [controle dos corpos e dos indivíduos, tecnologia do adestramento]. Mas por isso biopolítica significa um controle como tecnologia de poder dirigido às populações, quando os efeitos de massas próprios de uma população podem ser agrupados. Considera-se o livro “Rechercehes et Considérations sur la Population de la France” que Jean-Baptiste Moheau publicou em 1778, porque Michel Foucault o considera va um grande teórico do que designava por biopolítica e biopoder. Nesta perspectiva, depende do governo mudar a temperatura do ar e melhorar o clima; dos tráfegos dos cursos dos rios, de florestas plantadas ou queimadas, de montanhas destruídas pelo tempo ou pelo cultivo contínuo da superfície: as ações do tempo, da habitação da terra, das oscilações na ordem física, com efeito, tudo aquilo que pode tornar os recantos mais sadios em ambientes mórbidos. Trata-se, pois de perceber que o soberano não é mais aquele que exerce seu poder apenas sobre um território a partir de coordenadas geográficas, mas de um soberano que se relaciona com a ‘natureza’, ou então, com a interferência perpétua de um meio geográfico [climático, físico, povoado em sua condição física e moral]. O soberano, portanto exerce seu poder na articulação em que a natureza e seus elementos físicos vêm interferir com a natureza humana. Enfim, trata-se de uma técnica de poder que se dirige ao meio. Compreende-se por meio um conjunto de dados naturais [rios, lagos, florestas e pânicos] e conjuntos de dados artificiais [aglomerações de casas e indivíduos]. O que qualquer soberano busca atingir através desse ‘meio’ é exatamente o ponto em que os acontecimentos produzidos por indivíduos e populações interferem com os acontecimentos naturais que se produzem ao seu redor. É assim que os ‘dispositivos de segurança’ [policiais e militares] vão poder trabalhar, criar, organizar e planejar um ‘meio’, antes mesmo de a própria noção de meio ter sido formada, isolada – o meio vai ser aquilo que se faz em circulação.

Se os generais foram transformados em ‘organizadores do território’, Paul Virilio articulou, em seu livro “Velocidade e Política”, uma dupla imagem do soldado e do proletário, a origem propriamente moderna do exército de reservas e do militar. Deduz-se, então que o soberano dispõe de uma força de trabalho imaterial [um General Intellect] capaz de organizar e gerir um meio, considerando as inter-relações entre os acontecimentos humanos e naturais, ao mesmo tempo em que aciona os seus dispositivos de seguranças policiais e militares.

Só um General Intellect é capaz de desarmar a ‘bomba ecológica’. Em outras palavras, sempre que se ganha uma guerra, parte dos recursos foram investidos em armas e alta tecnologia, mas se ganha, sobretudo quando outra parte destinou-se ao investimento intelectual. Na Amazônia Andina, que ainda não é um locus desse tipo de bombardeio, onde apenas se percebem vestígios, indícios de ‘latifúndios genéticos’, como criações de um ‘meio natural’ próprio para a pilhagem, a etno-biopirataria, assim como o ‘narcoterrorismo andino’ como um ‘meio humanizado’ que foi criado para o extermínio, ao mesmo tempo o que legitima a entrada arbitrária das forças armadas norte-americanas pelas bases implantadas na Colômbia, através de acordos legais entre esses países. Portanto, ‘latifúndios genéticos’ e ‘narcoterrorismo’ nada mais são que o rascunho da imagem do ‘meio’ biopolítico, entre acontecimentos humanos e naturais, entre suas interferências.

Somente um General Intellect na região sul-americana, que conhece e produz a ‘Amazônia’ seria capaz de desativar um arranjo ilícito de acontecimentos desse tipo. Tratam-se de um General Intellect como as Operações Militares Especiais. Acredita-se que Forças Armadas dotadas de um grupo restrito de sujeitos treinados e organizados em torno de ações cooperativas, estruturadas linguisticamente e prontos para um combate desmaterializado, intelectualizado, poderiam dominar esses ‘meios’ fabricados para as guerras. Em “Estratégias da Decepção”, Paul Virilio descreve, por exemplo, o ‘Psy-Ops’, grupo de cinco a sete indivíduos, das Operações Psicológicas das Forças Armadas Norte-americanas, em atuação na guerra dos Bálcãs, que tinha por princípio abrir canais de radio e TV, em raios limitados, anexados na carceragem de aviões, com um linguista capaz de falar a língua nativa, ao mesmo tempo bloqueando os canais oficiais e explodindo infra-estruturas de eletricidade.

Sugere-se, num caso de prevenção e proteção na região andina, a consolidação de grupos especiais, de um lado, ‘Operações Psicológicas e Linguisticas’, de outro lado, ‘Operações Etnológicas e Biológicas’, ambos com a participação seletiva de General Intellect treinado, uma equipe composta pelo menos com policiais, militares e cientistas. Para os problemas que incorrem sobre os ‘latifúndios genéticos’, uma operação etnológica e biológica, que reorganizem os grupos, povos, e lhes garantam direitos ao que produzem, impedindo a pirataria do seu cultivo e receitas. Para a questão do ‘narcoterrorismo’, uma operação psicológica e linguística, capaz de traduzir a maximização médico-psiquiátrico para os Andes, sobre o uso e prática da droga, não se trata de curar ou tratar em primeira instância, mas de atenuar a ilegalidade do tráfico, parte de sua ilegalidade. De que modo definir os melhores vetores e veículos? Como traçar as estratégias, táticas e logísticas dessas Operações Especiais? De que forma traçar as práticas tecnológicas, espaciais e temporais mais adequadas?

Não resta dúvida, que essa espécie malformada de ‘bomba ecológica andina’ desarma-se com [1] com uma extensão universitária nas práticas militares, com o incremento de cientistas [naturais e humanos], para compor os grupos de Operações Especiais; [2] uma intensiva psicologização e, com efeito, uma desmilitarização do narcotráfico; [3] uma etnologização, auxiliando as práticas biológicas, ao combate da biopirataria; [4] um esforço para manter ou até ampliar a nacionalização dos recursos hidrológicos [água doce potável] e, sobretudo dos campos de petróleo.

O que as Forças Armadas Ianques fariam na Amazônia Andina se lhes fosse restrito o acesso aos narcotraficantes? Qual o objetivo que os norte-americanos teriam com a Amazônia Andina se lhes fosse dificultado o acesso aos povos, as espécies naturais e à pirataria? Que objetivo restaria para as forças americanas continuar nos Andes se até os campos de petróleo fossem cada vez mais estatizados? Portanto, um General Intellect, capaz de se desmaterializar e desativar as ações objetivas norte-americanas, pode impedir a bomba ecológica ou, no mínimo, pode retardar a sua detonação. Não se afirma, portanto que um General Intellect deste tipo não esteja sendo articulado na América do Sul. Se esse General Intellect estiver articulado com o meio [os povos andinos e a natureza amazônica] para combater as práticas de biopiratarias e o narcoterrorismo, sob novas práticas ‘intelligentsia’, não resta dúvida, essa é a forma mais adequada para o desfecho de uma guerra, principalmente porque parece sempre uma guerra porvir, antes dela acontecer, dissipa-se. Decerto, os armamentos bélicos de última geração são essenciais, as políticas de transferência de tecnologia imprescindíveis, mas investir capital somente em bombas e explodir a paisagem ainda é muito pouco lucrativo.

Todo esse discurso pode parecer imaginação? Pode. E até pode parecer delírio, pois em suas sinuosas e insipientes linhas questionam-se, sobretudo quem, quais e quantos indivíduos seriam necessários e capazes de operar estratégias científico-militares de defesa da Amazônia Andina? Principalmente estratégias com o intuito de desativar ataques biopolíticos sobre essa espécie de ‘bomba ecológica’ tramada pela pilhagem de recursos naturais, pela etno-biopirataria e pelo narcoterrorismo. Em qualquer momento e em qualquer lugar este artefato pode ser implantado sobre a natureza física e humana, onde toda logística e equipamento tático precisam maximizar os seus efeitos com o menor impacto. Não se trata de um Novo Vietnã, o que é formidável, nem de uma guerra imaginária, o que é lastimável.

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