segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Débil bio-juris-midiático [new biotech III]


Quem se surpreenderia ao se deparar com a proposição de que o terrorismo não teria efeito algum sem o pânico que produz, ou de que o crime e as mortes, que o terror causa, seriam apenas um detalhe se não fosse a difusão do medo no meio social. Daí a necessidade dos mass media na prática terrorista. O nosso dia-a-dia está repleto de mortes que se reduzem aos leitos hospitalares e às celas penitenciárias, mais pelo excesso que pela vacância. Essa morbidade poderia ser apenas dados estatísticos se caso não contribuísse para demonstrar à famigerada ‘ingovernabilidade’. A biomedicina alcança as células invisíveis de nossos corpos e os vírus e bactérias imperceptíveis que vagueiam em torno de populações inteiras; a criminologia se imiscui à psicologia, à genética e à biologia para tentar responder o que não tem resposta; os mass media aterrorizam o telespectador, que consome vacinas, cercas elétricas, em nome da proteção onde se produz por mais e mais medo. O discurso médico e o discurso criminológico acoplam-se à insegurança, um reles cientificismo no cerne de uma micro-geopolítica na trama urbana de todos os países, cujas objetivas da imprensa ampliam e difundem o medo, propagam o pânico e proliferam o terror. Eis, pois a tríplice engrenagem médica-jurídica-midiática em ampla vitalidade liberalizada em nosso país:

[1] Biomedicina – Sabe-se que a tecnologia de poder se bifurca para colonizar os corpos, de um lado, e regulamentar a população, de outro, ou seja, o que Michel Foucault [em sua obra, principalmente nos cursos “Em Defesa da Sociedade” e “Segurança, Território, População”] designou por Anatomopolítica e por Biopolítica, respectivamente. Em primeiro lugar, a acomodação os mecanismos de poder sobre os corpos individuais, com a vigilância e o treinamento – a disciplina – foi mais fácil de realizar e por isso ocorreu mais cedo, já no final do século XVII. Em segundo lugar, no final do século XVIII, houve uma acomodação sobre os fenômenos globais, de população, com processos biológicos ou bio-sociológicos das massas humanas. Este é o momento da preocupação dos homens, seres vivos, com o seu meio, e seus efeitos brutos, geográficos, climáticos, hidrográficos: os problemas dos ‘pântanos’ ligados a existência de epidemias, a partir das sucessivas práticas de exclusão da lepra, de quarentena na peste e de inoculação da varíola. Tratam-se então de duas séries: a série corpo – organismo – disciplina – instituições; e a série população – processos biológicos – mecanismos regulamentadores. Percebem-se as condições necessárias para se constituir um biopoder, quando a possibilidade é uma técnica e politicamente dada ao homem, não só de organizar a vida, mas de fazer a vida proliferar, de fabricar algo vivo, no limite, algo monstruoso, de fabricar vírus incontroláveis e universalmente destruidores.

[2] Criminologia – Se a lei se arma contra os que a transgridem, respondendo sempre com ameaças, agora ela vai funcionar como norma, integrando o aparelho judiciário aos aparelhos médicos e administrativos. Por isso as especulações acerca da analítica do poder não podem passar sem considerar o elemento pelo qual incide a preocupação mais salutar da modernidade e que conjuga estas duas séries de aplicação do poder. Quais foram as práticas e conceitos biomédicos e psicológicos que suplementaram o poder de punir? Para se compreender a origem da criminalidade as categorias psicológicas do autor do delito já eram estudadas, o que passou a considerar menos o crime (o ato) do que a compreensão do próprio infrator. O surgimento do “criminosos nato”, categoria do positivismo-naturalista de Cesare Lombroso, que empreendeu o estudo científico do delinqüente e da gênese do delito sob o aspecto da antropologia criminal, considerando os fatores bio-sociais, ou seja, fatores endógenos (biológicos) e exógenos (sociais). O Serviço de Biopsicologia na rede carcerária buscava preencher uma lacuna deixada aberta pela criminologia, o verdadeiro estado da alma do delinqüente, enfatizado por Luiz Ângelo Dourado. Este serviço biopsicológico subdividia-se em alguns setores: da identificação e coordenação ao exame da personalidade; elaboração e síntese dos resultados.

[3] Mass media – A guerra psicológica e terrorista põe em circulação este quarto poder, domínio sobre as mídias, assim analisado por Paul Virilio em “Máquina de Visão”: transformado na última forma da guerra psicológica, o terrorismo impõem aos diversos antagonistas um novo domínio dos mídias. Militares e serviços secretos ampliam seu controle. Os próprios terroristas, invertendo os papéis, se entregam a um documentarismo selvagem, oferecendo à imprensa e à televisão as fotos aviltantes de suas vítimas, freqüentemente repórteres ou fotógrafos – ou ainda, fazendo o levantamento em vídeo dos locais, o local de seus futuros crimes. As imagens fotográficas, videográficas e também a televisão, como meios de comunicação assumem a dupla função de comunicar e guerrear. Fala-se sobre um “arsenal de armas de comunicação. Mas a relação entre guerrear e comunicar é recíproca, entendendo-se por isto tanto comunicar guerreando quanto guerrear comunicando.

A respeito da pauta midiática sobre os crimes [passionais, milicianos, do narcotráfico, dos furtos] e as pragas [epidemias, pandemias, doenças incuráveis, caos hospitalares] não resta dúvida do terror e da insegurança que propagam, pelo desserviço à ingovernança. Mas por que o mesmo discurso de poder que é eficaz em demarcar a origem do mal é sempre tão impotente em saná-lo? As “Paisagens do Medo”, descrita por Yi-Fu Tuan, geógrafo chinês, ou da “Fobópole”, enunciada por Marcelo Lopes de Souza, não estão tangentes a esses problemas, circulam no centro dessas questões, cada um a seu modo, mas nenhum dos dois com tanto assombro como em “O Jardineiro Fiel” de Fernando Meirelles, em seu drama-biotech na África. Neste levante liberal [após a crise econômica mundial e o emblemático 11 de setembro] que redesenha por todos os lados o campo da guerra midiática, psicológica e bacteriológica, resta saber qual a estratégia articular para minar o que é apenas medo e detectar quais são os verdadeiros monstros.

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