segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Guerra Narcótica Andina [new biotech IV]


A War On Drug está acionada faz tempo, como uma guerra biotecnológica, como uma guerra surda, ela ecoa legítima pelas linhas dos jornais e pelos mass media em geral, guerra imperceptível por ser banalizada demais. Mas a picada tropical na Colômbia, com a implantação das bases militares norte-americanas e seu reforço no governo Barack Obama, tem desestabilizado o ordenamento territorial no sul das Américas, onde as FARC é o novo bode expiatório do terror. A codificação dessa guerra está também definida, e como todo código depende, assim definido por Gilles Deleuze em seu artigo “O Pensamento Nômade”, das leis, das instituições e dos contratos, basta avaliá-los. As leis [a Lei 11.343 de 2006 e o artigo 12 da Lei 6.368/76] fazem a triagem entre os usuários, dependentes de um caso médico, e os traficantes, prisioneiros de um caso criminológico; as instituições se dividem, logo, entre a penitenciária e o hospital psiquiátrico; os contratos se resumem no ‘Plano Colômbia’, um detalhe que atribui ainda visibilidade ao Consenso de Washington.

Mecanismo de terror que articula uma engrenagem jurídico-psiquiátrica ao ordenar os territórios nacionais e urbanos sul-americanos, em geral, do mundo, ao materializar uma ‘máquina de guerra’ do narcotráfico contra o Estado de Direito, moldura liberal. O narcoterrorismo, como produto de uma sujeição social, passa pelo mesmo ‘mecanismo de terror’ qualificado no século XIX, através do par discursivo jurídico-psiquiátrico: todo esse continuum, que tem seu pólo terapêutico e seu pólo judiciário responde a quê? Ao perigo, ou seja, vai ser para o indivíduo perigoso [nem exatamente doente nem propriamente criminoso] que esse conjunto institucional está voltado, segundo Michel Foucault em seu curso “Os Anormais”. A militarização do território será o produto dessa engrenagem discursiva que alia o saber biomédico à instituição penal. A aglutinação do narcoterrorismo corresponde à justaposição dos discursos legais, quanto ao crime, e das práticas médicas, referente ao uso da droga. Em termos estratégicos, o foco da pontaria desse arsenal bélico se ajusta horizontalmente, para os usuários de droga e a sua captura numa teia psiquiátrica, e verticalmente, para os as redes do narcotráfico e a arapuca criminológica. O par jurídico-psiquiátrico se aviva como um tipo novo de exame médico-legal, na praxe dessa guerra cega:

[1] Médico-psiquiátrico – O uso disciplinar de certo número de drogas, como um fenômeno médico, surgiu no século XVIII: o ópio, nitrito de amila, clorofórmio, éter, etc. Tratava-se de uma experiência específica dos efeitos da droga relacionada aos processos da doença mental em que se perceberam fases na intoxicação com haxixe, por exemplo. Experiências que davam ao médico a possibilidade de uma reprodução natural e artificial da loucura. O médico passa a se comunicar com a loucura não mais apenas pela observação, mas através da experiência direta com a droga, reconstituindo os acontecimentos e os processos característicos da loucura. A experiência psicotrópica de Moreau de Tours, do psiquiatra como indivíduo normal, faz o médico ditar leis à própria loucura, na medida em que a consumia e definia os liames de sua manifestação. Em suma, trata-se de uma prática da reprodução da loucura atestada na prática psiquiátrica do século XIX e praticada intensamente no século XX. Em 1967, altas dosagens de LSD (300-500g) foram utilizadas em mais de 3300 sessões psicodélicas na Europa e Estados Unidos, com o intuito de decifrar o comportamento dos indivíduos intoxicados, de acordo com Stanislav Grof em seu artigo intitulado “Variedades das Experiências Transpessoais: Observações da Psicoterapia com LSD”. Tudo isso para atestar a reprodução artificial da loucura sob os efeitos das drogas, sublinha-se: reprodução artificial da doença mental.

[2] Jurídico-criminológico – A produção e a comercialização de drogas é um crime patente em todas as sociedades do mundo, em todos os países, onde isto não é comum, em pouco tempo o será. O ineditismo sul-americano está na legitimação do ataque norte-americano à produção de drogas. Atacar a produção na fonte em países como Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Em 1989, a National Drug Control Strategy foi criada pela administração de Bush mantendo, com efeito, o lema Guerra ás Drogas: a mensagem da política estadunidense antidrogas soava cristalina, o tráfico de psicoativos ilegais passará a ser visto pelo governo dos EUA como um alvo primordial de sua segurança nacional, conforme Rafael Duarte Villa, em seu artigo “Os Países Andinos: tensões entre realidades domésticas e exigências externas”. Nos Chapare da Bolívia e no Alto Huallaga do Peru cultivavam mais de 80% das folhas de coca que alimentavam a produção de cocaína no mundo, o que justificou a política going to the source (“ir até a fonte”). A Estratégia Andina foi o resultado do eixo central da Guerra às Drogas, desde a década de 1990. Apontam-se, entretanto, três aspectos sobre essa estratégia: fortalecimento das instituições políticas dos países-chave na oferta de drogas ilícitas; assessoramento e operacionalização de unidades militares e policiais para o combate ao circuito da droga aos países andinos para desmantelar cartéis da droga.

A segurança do território sul-americano [dos Andes às favelas nas metrópoles brasileiras] tem sido ordenada, de um só golpe, juridicamente como ‘proteção social’ ao terror, ao medo e à violência, mas também como ‘higiene pública’, sob uma ordem médica, quando o narcótico e a droga estão em questão: a noção de perigo, de indivíduo perigoso, que permite justificar e fundar teoricamente, discursivamente, a existência de uma cadeia ininterrupta de instituições médico-legais. O delinqüente e o toxicômano aqui não obedecem a espaços diferentes, não se distinguem em absoluto, masse apresentam sob a imagem aglutinada do narcoterrorismo, pequenas subjetividades cotidianas se sucedem no dia-a-dia com os rostos sobrepostos dos ‘usuários’, dos ‘soldados’, dos ‘aviões’ e dos ‘gerentes’ do narcotráfico. Em uma dupla zona de perigo social, enfim, o território sul-americano se articula com a segurança tanto no sentido da ‘proteção social’ (discurso da norma, jurídico, político, criminológico) quanto na direção da ‘higiene pública’ (discurso patológico, médico, biológico, psiquiátrico). De um lado, em torno da infração ao plantio e ao beneficiamento da droga, como se verifica nos Andes, e de outro, do consumo dos narcóticos, isto é, da droga como produtora artificial de loucura, tal como se percebe no tráfico a varejo nas metrópoles brasileiras, impulsionado por quadrilhas como o CV e o PCC, do crime de sua distribuição à discrição psiquiátrica dos usuários. Assiste-se de “O Bicho de Sete Cabeças” dirigido por Laís Bodanzky à “Cidade de Deus”, roteiro escrito por Bráulio Mantovani: as mídias não se calam, enquanto o monstro cotidiano se rostifica. A propaganda liberaliza: o usuário financia o tráfico de drogas, mas o Real obscuro se inscreve no verdadeiro Terror - os países produtores de coca na América do Sul são os produtores de petróleo que fazem dos EUA menos dependentes do Oriente Médio [!?].

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