segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Tecnologia versus Nativos [Guerra social]


A Amazônia tornou-se expressão básica das fronteiras. O governo federal assumiu diretamente a iniciativa da modernização, implantando uma ‘malha programada’ em tempo acelerado e numa escala gigantesca. Trata-se de programas e projetos que provocaram um imediato aumento do valor da terra e dos conflitos sociais, de acordo com Bertha K. Becker e Claudio Egler, em seu livro “Brasil: uma Nova Potência Regional na Economia-Mundo”, dos seis grandes projetos implantados segundo os objetivos do programa, até a década de 1990, somente um estrangeiro chegou a participar – o Alcoa-Billington.

A empresa que mais se destacou foi a estatal Cia. Vale do Rio Doce [CVRD], mas que se transnacionalizou nesse processo e diversificou suas atividades, ampliando sua participação no mercado mundial. Empresas como a CVRD ganharam autonomia relativa durante a expansão da segunda metade da década de 1970 e consolidaram posições positivas no mercado externo, principalmente por executar os grandes projetos de exploração mineral na fronteira amazônica, onde construiu sua própria territorialidade. Em contrapartida, a face privada e transnacional se apresenta na medida em que articula diretamente a região criada sob seu controle com o mercado mundial, ou seja, revela a fragilidade do Estado em impedir a ‘volatilização’ da parcela ‘nacional’ do mercado mundial. Global e localmente, a crise do território desvela-se com a Amazônia. Na década de 1970, os conflitos fundamentais se travaram na disputa pela terra entre posseiros e fazendeiros. A partir da década de 1980, em face dos grandes projetos que atuam sobre as vastas extensões florestais, estão sendo atingidas diretamente as comunidades indígenas e de extrativistas.

Diante da expansão dos conflitos, índios e seringueiros se aliam e buscam comandar uma luta por demarcação de terras indígenas e de reservas extrativistas – áreas federais com direito de usufruto pelos seus ocupantes. A frente de garimpeiros chegou a avançar em direção à fronteira norte, ameaçando as terras dos índios yanomamis, que está inserido em um projeto militar para a consolidação dessa fronteira: o Projeto Calha Norte, que envolve 1.221 km2, ou seja, 14% do território brasileiro. O povo yanomami submeteu-se a muitas pressões, que envolviam missões religiosas transnacionais; tráfico e contrabando pela extensa fronteira; atividade militar e ganância de empresas mineradoras.

Os garimpeiros conflitam com as firmas ao mesmo tempo em que procuravam manter as áreas de exploração manual de minérios. O Projeto Ferro Carajás, dirigido pela CVRD é um bom exemplo, cujo poder da corporação se evidenciava no controle de um imenso território e das reservas minerais contidas nele. A CVRD mantinha uma cidadela, company town, rodeada por um perímetro de segurança, dentro desse domínio estava Serra Pelada, onde mais de 80 mil garimpeiros escavam manualmente o solo em busca de ouro. A fim de sustar a ‘guerra social e tecnológica’ entre garimpeiros e a companhia, o governo federal fez algumas concessões aos garimpeiros, estendendo o prazo para a extração manual no território da CVRD. A Amazônia tornou-se símbolo de um desafio que envolve o dilema tecno[eco]lógico, que se manifesta em duas frentes de expansão contraditórias:

[1] a ‘frente energética’, cuja vanguarda sempre esteve nos projetos de expansão de empresas estatais ou ex-estatais, com a Eletronorte e a CVRD, visando a energia hidrelétrica e siderurgia com carvão vegetal; [2] a ‘frente biotecnológica’, que coloca a natureza como capital de realização futura, com a imensa biodiversidade e a maior reserva de genes do planeta. Traça-se o campo de uma materialidade de conflitos que envolvem corporações transnacionais, empresas estatais, agentes financeiros, cientistas, militares, índios, seringueiros, garimpeiros, que chegaram a formar estranhas coalizões.

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