terça-feira, 25 de agosto de 2009

Atlântico-Sul Aero-Orbital [High Tech II]


Não só em relação à América do Sul, mas em relação a muitos continentes, o Brasil levou certa vantagem no que se diz respeito à tecnologia ‘aero-orbital’. Desvela-se, pois o que levou o Brasil a desenvolver tecnologia aeroespacial? Houve algum tipo particular de motivação? É necessário descartar a hipótese de que a extensão territorial brasileira não só incentivou a tecnologia aeroespacial, como inviabilizou a ampliação de sua malha rodoviária e ferroviária? Antes dessa interrogação, uma digressão sobre o poderio aéreo brasileiro, a partir de três pontos principais: as rotas aéreas no Vale do Paraíba do Sul, inauguradas pelo correio aéreo militar; a criação dos centros tecnológicos e institutos de formação em engenharia aeroespacial; e da produção de aeronaves e tecnologia aeronáutica no Brasil.

[1] As rotas aéreas do Brasil resultaram dos primeiros aparelhos da aviação brasileira do Correio Aéreo Nacional, seguindo os vales dos rios, os caminhos naturais da expansão territorial e os lugares preferenciais da aglomeração populacional no país. O ano de 1931 assinalou o início do Correio Aéreo Militar, marco sublinhado no livro “Os Transportes no Atual Desenvolvimento do Brasil”, coordenado por João Baptista Peixoto. Os voos da conhecida ‘rota do vale do Paraíba’, que se tornou oficial com a rota entre Rio de Janeiro e São Paulo, linha inicial que se estendeu, um pouco mais tarde, em uma rota ao interior do Brasil, até Goiás.

[2] O primeiro instituto de formação de engenheiros aeronáuticos brasileiros foi instalado no Vale do Paraíba, em São José dos Campos [SP], em 1946, no Centro Técnico da Aeronáutica [CTA], atualmente conhecido por Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial. Trata-se do Instituto Tecnológico da Aeronáutica [ITA] é uma instituição de ensino superior ligado à Força Aérea Brasileira [FAB], possui cursos de graduação e pós-graduação em áreas ligadas à engenharia do setor aeroespacial.

[3] A Embraer [Empresa Brasileira de Aeronáutica S/A] foi fundada em 1969, como empresa de capital misto, mas em 1994 foi privatizada, com o controle proprietário de brasileiros. A empresa tornou-se experiente em projeto, fabricação, comercialização e pós-venda, chegou a produzir mais de 4.100 aviões, que operam em 69 países nos cinco continentes. A Embraer desenvolve tecnologia de aviação comercial [com sua linha de jatos regionais]; aviação de defesa [cerca de 20 forças aéreas no exterior operam com os seus produtos, dotados de sistema de vigilância, de controle alerta aéreo antecipado, ou de sensoriamento remoto]; aviação executiva [inaugurada em 2001 com a produção do Legacy]. Destaca-se o uso do Centro de Realidade Virtual [CRV] equipado com computadores gráficos, capazes de visualizar em três dimensões toda a estrutura de uma aeronave em fase de projeto, ou seja, customização que chega a produzir aeronaves com diferentes especificações e possibilidades de personalização junto aos clientes. Há oito simuladores de voos no mundo onde são treinados novos pilotos que voarão com os jatos regionais da Embraer. Utiliza-se, enfim, túneis aerodinâmicos para avaliar as características dos aviões em desenvolvimento.

A unidade controladora da Embraer está sediada no Brasil, também como o CTA e o ITA, na cidade de São José dos Campos – unidade que projeta e fabrica, além de dar suporte a aeronaves para os mercados de aviação comercial, executiva e de defesa. Há outras unidades da Embraer no interior de São Paulo, mas os escritórios regionais da empresa espalham pelo mundo, como o fundado em 1979, a Embraer EUA que está localizado em Fort Lauderdale, na Flórida; há a Embraer na França; na China; em Cingapura. Por isso a Embraer, terceira maior produtora de jatos comerciais, tem sido caracterizada por ser uma das maiores exportadoras brasileiras. Em 2002, foi criada a Harbin Embraer Aircraft Industry Co. Ltda [HEAI] que possibilitou a construção e venda de aviões ERJ-145 para o mercado chinês. Em 2004, uma associação com a Lockheed Martin foi criada para fornecer aviões de sensoriamento remoto com base no ERJ-145 para a marinha e a aeronáutica dos EUA, mas esse projeto foi suspenso pelo cancelamento do projeto por parte do exército norte-americano em 2006. Em 2005, a Embraer adquiriu parte da empresa portuguesa OGMA [Indústria Aeronáutica de Portugal] especializada em manutenção e produção de peças e aeronaves. Em 2006, o governo dos EUA vetou tanto as vendas de Super Tucano à Venezuela quanto à comercialização de aeronaves ao Irã, vetos justificados por transferência de tecnologia, pois esses mesmos aviões possuem tecnologia aviônica norte-americana. Em 30 de junho de 2007, a Embraer contava com 23.637 funcionários e sua carteira de pedidos firmes totalizava US$ 15,6 bilhões de dólares. Para se ter uma idéia dos tipos de contratos que envolvem uma empresa deste porte, a Embraer chega a assinar contratos com empresas, como a Air France/KLM, por exemplo, para aquisição de 20 E-Jets em torno de US$ 657 milhões a 1, 245 bilhão, caso todas as opções forem exercidas.

De que valem essas transações comerciais, se as Forças Armadas Brasileiras se negativizaram por seus golpes políticos, por suas torturas e censuras? Por irreparáveis danos políticos causados ao povo brasileiro, com o seu Estado de Exceção? Entretanto, um paradoxo se instalou no Brasil, os militares começaram a se acotovelar não em Brasília, mas num lugar mais propício: entre o complexo industrial e as transferências de tecnologia. Será que é possível identificar uma metamorfose militar numa linhagem tecnológica [high tech] mais produtiva no Brasil? Em que medida se percebe uma espécie de trabalho imaterial [General Intellect] dando nova forma às forças militares? Mas ninguém duvida: uma verdadeira hegemonia não se estrutura apenas militarmente, como urge, de guerra em guerra, os norte-americanos. Uma hegemonia se baseia, sobretudo por pressupostos econômicos e tecnológicos, como eles já foram um dia e como vem se destacando o Brasil no Atlântico-Sul, em setores estratégicos, como o aeroespacial.

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