quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Kuomintang e a Longa Marcha


O comunismo chinês nunca foi uma subvarieda-de do comunismo soviético nem parte do sistema satélite russo. O comunismo chinês era social e nacional. Por um lado, o aspecto social que alimentou a revolução comunista foi a pobreza e a opressão em que se encontrava o povo chinês, inicialmente dos trabalhadores nas grandes cidades costeiras do centro e do sul da China [Xangai, Hong Kong, Cantão], e, depois, do campesinato, que formava 90% da vasta população do país. Por outro lado, o elemento nacional no comunismo chinês se realizou por meio dos intelectuais de origem das classes alta e média, que lideraram a maior parte dos movimentos políticos chineses do século XX, mas principalmente através do sentimento, generalizado entre as massas chinesas, de que os ‘bárbaros estrangeiros’ não representavam efeito positivo nem para os chineses nem para a China como um todo. Sabe-se que a China foi atacada, dividida e explorada por ‘estados estrangeiros’ até meados do século XX. Dentre essas invasões, a resistência à conquista japonesa foi a que mais promoveu os comunistas chineses, de agitadores sociais a líderes e representantes de toda a China. O Partido Comunista teve essa vantagem sobre seus rivais, principalmente o Partido do Kuomintang.

Os dois partidos obtinham sua base política nas cidades mais avançadas do sul do China e os seus líderes provinham do mesmo tipo de elite intelectuais, entre os comunistas, de camponeses e operários, e, no Kuomintang, entre os comerciantes. Ambos os partidos derivaram de movimentos antiimperialistas da década de 1900, reforçados pelo ‘Movimento de Maio’: levante nacional de estudantes e professores em Pequim após 1919. Sun Yat-sen, o líder do Kuomintang, era um patriota, democrata e socialista, que contava como apoio soviético e achava o modelo bolchevista, de partido único, o mais adequado para seus anseios; mas, após a sua morte, em 1925, os comunistas se tornaram uma grande força, graças a ligação soviética, e, em parte, por partilhar do grande avanço pelo qual a República estendeu sua influência à metade da China, que Sun não conseguia controlar. Chiang Kai-chek, sucessor de Sun Yat-sen, jamais estabeleceu um controle completo sobre o país, embora, em 1927, rompesse com os russos e buscasse eliminar os comunistas chineses, que voltaram sua atenção para o campo e, assim, travaram uma ‘guerra de guerrilha’ contra o Kuomintang.

A ‘guerra de guerrilha’ define-se como uma forma de atividade de resistência essencialmente rural – ‘guerrilha’ é uma expressão que não fazia parte do vocabulário marxista, pelo menos até a Revolução Cubana, em 1959. Os bolcheviques usavam o termo partisan, como padrão regular dos movimentos inspirados pelos soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial, salientou Eric Hobsbawm em seu livro “Era dos Extremos”. Na China, essa nova estratégia – ‘guerra de guerrilha’ – foi pioneira e usada por alguns comunistas, depois que o Kuomintang, sob a liderança de Chang Kai-chek, se voltou contra seus ex-aliados comunistas em 1927. O principal defensor dessa estratégia foi Mao Tsé-tung, que acabou tornando-se líder da China comunista, porque reconheceu tanto as regiões da China que estavam fora do controle de qualquer administração central quanto o uso de táticas de guerrilhas como parte tradicional do conflito social chinês. Trata-se da estratégia de Mao para triunfar a revolução pela imobilização de incontáveis milhões de habitantes da zona rural contra os bastiões do status quo. Os exércitos maoístas recuaram para o extremo noroeste, na Longa Marcha, que compôs a estratégia rural de Mao Tsé-tung e se estendeu até ao seu exílio em Yenan. Enquanto o Kuomintang controlava o país até a invasão japonesa em 1937, a longa marcha de Mao Tsé-tung, em meados da década de 1930, punha em jogo pelo menos duas relações, de acordo com Hardt e Negri, em seu livro "Multidão": a conjugação de bandidos e rebeldes dispersos, para formar algo semelhante a um exército nacional [força centrípeta], e a instalação de grupos revolucionários, do Sul ao norte da China, para propagar a revolução [força centrífuga].

O exército do Kuomintang não conseguiu impedir a invasão japonesa nas cidades costeiras, em contrapartida os comunistas mobilizaram uma resistência de massa nas áreas ocupadas. Quando tomaram a China, em 1949, ao varrer as forças do Kuomintang numa breve guerra civil, os comunistas se tornaram o governo legítimo para todos os chineses, assim forjaram uma organização nacional que levou a política central do governo até as aldeias mais remotas do país.

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