quarta-feira, 9 de setembro de 2009

TRIPS & Copyright ©


Pressupõe-se que todos os agentes que operam no mercado neoliberal tenham acesso às mesmas informações, assim como se presume que não haja assimetrias de poder ou de informações que interfiram na capacidade dos indivíduos de tomar decisões econômicas racionais em seu próprio benefício. Afinal, agentes melhor informados podem com demasiada facilidade tornar-se ainda mais fortes. Acrescente-se a isso o estabelecimento de propriedade intelectual [patentes], que estimula a ‘busca de renda’. Quem detém os direitos de patente geralmente usa seu poder de monopólio para estabelecer preços de monopólio e evitar transferências de tecnologia exceto se pagarem altos preços. Os capitalistas tiveram de descobrir outras maneiras de criar e preservar seus tão cobiçados poderes monopolistas, portanto as duas principais manobras foram: centralização do capital [busca o domínio por meio do poder financeiro, economias de escala e posição de mercado] e a ávida proteção das vantagens tecnológicas, que substituem as vantagens locais [por meio de direitos de patentes, leis de licenciamento e direitos de propriedade intelectual]. Não por acaso, mas os direitos de patente tem sido alvo de intensas negociações no âmbito da OMC, a partir do acordo chamado TRIPS [Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights Agreement – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio].

Desde a introdução do TRIP em 1994, previa-se que a aplicação das leis de patentes teria exceções por razões de saúde pública, neste caso, seria permitido emitir licenças obrigatórias para fabricação nacional de remédios e realizar importações paralelas [comprar um produto com patente válida de outro país onde se vende mais barato]. Na Declaração de Doha emitida na reunião de OMC, realizada em 2001, foram ratificadas as exceções existentes. Os países sedes das transnacionais farmacêuticas, Estados Unidos e União Européia, buscam reduzir as aplicações das exceções, reduzindo o número de enfermidades aplicáveis [somente malária, tuberculose e AIDS] e declarando que a Sars, a pneumonia asiática, por ser uma pneumonia atípica, não poderia entrar nessas exceções. Assim, abre-se espaço para avaliação de ocasião, segundo Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”, na medida em que se manipula o termo ‘razões de saúde pública’ que consta no documento TRIPS para que só seja válido em situações de ‘extrema urgência’.

Até pouco tempo atrás os Estados Unidos declararam que somente os 48 países extremamente pobres do mundo, segundo as Nações Unidas, poderia fazer uso do direito às exceções por razões de saúde pública. Sobre a discussão sobre genéricos e patentes, resta o direito dos países do Terceiro Mundo de usar e produzir os remédios que suas populações necessitam, sem depender nem submeter-se às multinacionais tampouco aceitar o sistema de patentes vigente, que não param de saquear recursos e conhecimentos indígenas e camponeses. Os conflitos derivados de diferentes modos de apropriação da natureza têm sido cada vez mais frequentes. A propriedade intelectual do material genético por meio de empresas, dotadas de poder jurídico, que ficam à vontade para reivindicar direitos de propriedade sobre conhecimentos ancestrais de outros povos e culturas. A Organização Mundial sobre Propriedade Intelectual – OMPI – avaliou, em 1995, em nada mais nada menos que 45 bilhões de dólares, o valor dos produtos farmacêuticos derivados da medicina tradicional comercializados no mercado internacional.

Trata-se de uma divisão territorial de poder que põe em jogo as relações desiguais estabelecidas entre um pólo hegemônico [detentor de tecnologia] e um pólo biocultural na Ásia, África e América Latina, ou seja, a busca sistemática do complexo químico-farmacêutico-alimentar para controlar os recursos genéticos, energéticos e da água. O International Cooperative Biodiversity Group [ICBG] coordenado pelo Technical Assessment Group [TAG] é um programa norte-americano que articula decisões militares e projetos de investigação da natureza, além de promover cruzamentos entre universidades e agências de investigação, assim como a composição dos diretórios ou conselhos de administração de organismos aparentemente não governamentais e/ou agências governamentais.

Mas como afirmava Karl Marx em seu livro “Capital”: ‘entre dois direitos, quem decide é a força’. Toda a trama jurídica do neoliberalismo quer garantir os direitos inalienáveis dos indivíduos, ou seja, o direito à propriedade privada e à taxa de lucros, neste sentido, o direito de propriedade tornou-se co-extensivo à apropriação do material genético e se justifica com a patente, com os seus lucros monopolistas exorbitantes. Segue a lista das ‘virtude burguesas’ que David Harvey elencou em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”: responsabilidade e obrigações individuais; independência da interferência do Estado; igualdade de oportunidades no mercado e perante a lei; recompensa à atividade empreendedora; cuidado de si mesmo e dos outros; mercado aberto com ampla liberdade de escolhas em termos de contrato como de troca. O sistema de direitos norte-americano, pautado na lógica neoliberal de acumulação do capital, estende-se do direito da propriedade privada do próprio corpo à liberdade de pensamento, de expressão e de manifestação. Aos brados ecológicos, mas adversos, foi exatamente isso que Bush quis dizer quando afirmou que os Estados Unidos dedicaram a estender a esfera da liberdade a todo o globo.

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