sexta-feira, 4 de setembro de 2009

‘NeoCONS’: Militarismo, Maioria Moral


O Partido Republicano norte-americano, no final da década de 1970, precisava de uma sólida base eleitoral para colonizar de fato o poder, foi assim que buscaram uma aliança com a ‘direita cristã’. Embora os integrantes mais antigos dessa ‘direita cristã’ não tenham sido politicamente ativos no passado, o partido político fundado em 1978, a ‘Maioria Moral’ de Jerry Falwey, mudou o quadro sócio-político por completo nos Estados Unidos, apelando ao nacionalismo cultural da classe trabalhadora branca e ao seu ‘ressentido senso de virtude moral’. Reconhece-se uma ‘base política’ mobilizada pela religião, mas também pelo nacionalismo cultural, mediante o racismo, a homofobia, ao antifeminismo disfarçado e nem por isso ostensivo. Há muitas provas de que os cristãos evangélicos [que não ultrapassam 20% população dos EUA], constituintes do núcleo da ‘maioria moral’, aceitaram a aliança com os grandes negócios e o Partido Republicano como meio de promoção do seu programa evangélico-moral. Percebeu-se um movimento intelectual neoconservador bem financiado, congregados em torno de Irving Kristol e Norman Podhoretz, além da revista Commentary, que conferiam credibilidade as teses que esposaram a moralidade e os valores tradicionais.

Os neoliberais, assim como os ‘neocons’ [neoconservadores] que os promoveram, foram ambos favoráveis ao poder corporativo, à iniciativa privada e à restauração do poder de classe. O neoconservadorismo foi compatível com o programa neoliberal de governança pela elite, desconfiança à democracia e manutenção das liberdades de mercado. Os ‘neocons’ remodelaram práticas neoliberais em dois sentidos: [a] na preocupação com a ordem como resposta aos caos de interesses individuais e [b] na preocupação com uma moralidade inflexível como cimento social necessário à manutenção da segurança do corpo político. O caos dos interesses individuais pode se sobrepor à ordem, ou seja, a anarquia do mercado, da competição e do individualismo sem peias gera uma situação cada vez mais ingovernáveis. Diante disso, algum grau de coerção parece ser necessário à restauração da ordem. Os neoconservadores são aqueles que enfatizam assim a militarização como remédio para o caos dos interesses individuais. Nos Estados Unidos, isso desencadeou ‘o estilo paranóico da política americana’, no qual a nação se descreve como sitiada e ameaça constantemente por inimigos internos e externos.

O neoconservadorismo, portanto não é algo novo, e desde a Segunda Guerra Mundial tem sua residência particular num poderoso complexo industrial-militar que tem seus interesses escusos na permanente militarização, afirmou David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”. O fim da Guerra Fria evocou a origem da ameaça à segurança norte-americana, mas o islamismo e a China surgiram como os dois candidatos concorrentes externos. Internamente, o Ramo de Dravidiano incinerado em Waco, os movimentos de milicianos que deram apoio ao bombardeio de Oklahoma, as revoltas populares que se seguiram ao espancamento de Rodney King em Los Angeles e, por fim, os distúrbios que estouraram em Seattle em 1999, todos se tornaram alvos de uma vigilância e um policiamento mais intenso. Não resta dúvida de que o neoconservadorismo existe como um movimento não declarado contra a ‘permissividade moral’ que o individualismo costuma gerar. Assim, ele procura restaurar um sentido de propósito moral, alguns ‘valores de ordem superior’ que constituam o centro estável do ‘corpo político’. Esses ‘valores morais’ traduzem-se na coalizão específica construída na década de 1970 nos EUA, entre os interesses dos negócios que se dispunham a restaurar o poder de classe da elite em contraposição a uma base eleitoral de certa ‘maioria moral’, branca, de trabalhadores, ressentida.

Trata-se de ‘valores morais’ centrados no nacionalismo cultural, na retidão moral, no cristianismo [em geral de orientação evangélica] nos valores familiares e em questões relativas ao ‘direito à vida’, bem como no antagonismo a novos movimentos sociais pautados pelo feminismo, direitos homossexuais, a ação afirmativa e ao ambientalismo. Nos Estados Unidos, essa afirmação de ‘valores morais’ tem se apoiado fortemente em apelos aos ideais de nação, religião, tradição cultural e coisas do tipo. Recobre-se um dos mais perturbadores aspectos da neoliberalização – a curiosa relação entre Estado e nação. Decerto que o Estado neoliberal precise de algum tipo de ‘nacionalismo’ para sobreviver. O Estado mobilizara o nacionalismo em seu esforço de sobrevivência, ao operar com agente competitivo no mercado mundial e estabelecendo climas favoráveis para os negócios. Grosso modo, a competição inevitavelmente produz vencedor e vencidos por uma posição na luta global, o que em si torna-se uma fonte de orgulho nacional.

‘Neocons’ se distinguem do ‘fundamentalismo’ apenas porque, geralmente, como aparece na mídia, esse termo se reduz a variedade de formações sociais que se referem exclusivamente ao ‘fundamentalismo islâmico’. De todo modo, os neoconservadores não deixam de ser uma espécie de ‘fundamentalismo norte-americano’, pois tanto se apresentam como movimentos contra a modernização social quanto estimulam a recriação do que imaginam ser uma formação social do passado, com base em textos sacros, de acordo com Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Império”. A agenda social cristã nos EUA tem centrado esforços na recriação do núcleo familiar estável e hierárquico, voltando-se contra o aborto e o homossexualismo, sobretudo orientada por um projeto de supremacia branca e pureza racial. É verdade, pureza racial e integridade familiar nuclear [heterossexual] nunca existiram nos Estados Unidos. A ‘família tradicional’ que lhes serve de fundamento ideológico é simplesmente um ‘pastiche de valores e práticas’ que derivam mais de programas de televisão do que de qualquer experiência histórica real.

Ao interrogar a evolução cultural norte-americana desvelam-se dois princípios norteadores: a concepção puritana da vida e o sucesso da sociedade capitalista, até porque as grandes inovações nos EUA, até a década de 1940, foram o jazz e o cinema totalmente integrados a indústria de massa. A ‘modernização’ da cultura americana ocorreu ao pós-guerra, quando houve o colapso das pequenas cidades, a emergência de um novo urbanismo, a explosiva expansão universitária, a emergência dos intelectuais de Nova York como árbitros culturais, o aumento de uma audiência de classe média e, sobretudo com o predomínio protestante no modo de vida norte-americano.

Retrata-se a passagem do Western – misterioso, melodramático, mas repleto de aventuras, numa narrativa que equilibra os personagens, a ação, o enredo, os ambientes aos interesses comerciais –, aos formatos dramatúrgicos articulando o gosto popular à narrativa, assim a audiência encontrou satisfação e segurança emocional numa ‘forma familiar’, familiaridade que decorre da repetição sempre de um novo exemplo de uma experiência passada, mas com um sentido a se esperar, segundo John Cawelti em seu livro “Adventure, Mystery and Romance”. Resulta daí um casal de ‘classe média baixa’ assistindo televisão. Ele, um funcionário qualquer, e ela, dona-de-casa. Malvestidos, ela parece mais velha do que ele, mas todos os dois são reprimidos, mas a TV os transporta para fora de casa, conversam sobre o trivial. Evidentemente pessoas como essas só poderiam possuir uma vida medíocre. Casal ‘careta’ e ‘conservador’. Eles estão assistindo a um telejornal.

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