quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Bolhas, Papéis, Títulos... Capital Fictício


Para que um fenômeno fosse capaz de fortalecer o poder financeiro dos Estados Unidos, no sentido de forçar a abertura de mercados para fluxos de capital, financeiros, e impor outras práticas neoliberais, Richard Nixon acionou uma dupla estratégia, durante o período da crise de 1973: aumentar o preço do petróleo e desregulamentação financeira. Quando se concedeu aos bancos norte-americanos o direito exclusivo de reciclar petrodólares, acumulados na região do Oriente Médio, com efeito, recentrou a atividade financeira global nos EUA e subsidiou as reformas internas do sistema financeiro naquele país para que tentar salvar Nova York de sua crise econômica local. Resta um forte regime financeiro governado por Wall Street/Tesouro dos Estados Unidos, que chegaram a deter poderes de controle sobre instituições financeiras globais, como o FMI, e desfazia e refazia muitas economias estrangeiras mais fracas por meio de manipulação de crédito e práticas de gerenciamento de dívida.

Não resta dúvida de que o poder financeiro tenha trazido muitos benefícios diretos aos Estados Unidos, mas os efeitos em sua estrutura industrial foram nada menos que catastróficos. As ondas de desindustrialização que ocorreram no interior dos EUA afetavam, no começo, a produção de bens de baixo valor, como os têxteis, mas passo a passo atingiram a escala do valor adicionado em setores como o aço e os estaleiros e alcançaram as importações de alta tecnologia, especialmente vindas de regiões do leste e sudeste asiático. Enfim, os Estados Unidos foram cúmplices do aniquilamento de suas manufaturas ao desencadear os poderes financeiros por todo o globo. Por volta de 1980, ficou claro que os Estados Unidos tornaram-se uma complexa economia que expunha sua produção num ambiente global e competitivo. A única maneira de os norte-americanos sobreviver era alcançar a superioridade na produtividade e no desenvolvimento dos problemas, em suma, os Estados Unidos já não eram hegemônicos.

O neoliberalismo como doutrina político-econômica, em linhas gerais, data do final da década de 1930, e se iniciou como um conjunto de pensamento ativo, ainda que inicialmente ignorado nos Estados Unidos, desenvolvido por pesquisadores como Friedriech von Hayek, Ludwig von Mises, Milton Friedman. Somente após a crise [1929] ter-se tornado mais aguda é que o movimento neoliberal foi levado mais a sério, como alternativa ao arcabouço keynesiano e de outras estruturas mais centradas no Estado. Talvez tenha sido Margaret Thatcher, em união com Ronald Reagan, quem transformou toda a orientação da atividade do Estado, que abandonou a busca do bem-estar social e passou a apoiar ativamente as condições do ‘lado da oferta’ da acumulação do capital. Daí em diante, o FMI e o Banco Mundial mudaram seus parâmetros de política da noite para o dia, em poucos anos a doutrina liberal fez sua curta e vitoriosa marcha sobre as instituições e passou a dominá-las. Como a privatização e a liberalização do mercado foram o mote do movimento neoliberal, a ‘expropriação das terras comuns’ transformou-se numa política do Estado, segundo David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo”. Ativos de propriedade do Estado ou destinados ao uso partilhado com a população foram, em geral, entregues ao mercado para que o capital sobreacumulado pudesse investir, valorizar e especular com eles. Na Inglaterra, a subsequente privatização dos serviços, a liquidação de empresas públicas e a moldagem de muitas outras instituições públicas de acordo com uma lógica comercial levaram à radical redistribuição de ativos que favoreceu cada vez mais as classes altas do que as baixas.

A corporativização e privatização de bens até agora públicos [como as universidades], acrescente-se a isso a privatização [da água e de utilidades públicas] que tem varrido o mundo indicam uma nova era de ‘expropriação das terras comuns’. Percebe-se que a transformação de formas culturais, históricas e de criatividade intelectual em mercadoria envolve espoliações em larga escala. A biopirataria campeia e a pilhagem do estaque mundial de recursos genéticos beneficiam poucas grandes companhias farmacêuticas. A ênfase nos direitos de propriedade intelectual nas negociações da OMC [o designado Acordo TRIPS] aponta para maneiras pelas quais o patenteamento e o licenciamento de material genético, do plasma de sementes de todo tipo de outros produtos podem ser usados agora contra populações inteiras cujas práticas tiveram um papel vital no desenvolvimento desses materiais. A privatização é essencialmente, portanto uma transferência de ativos públicos produtivos do Estado para empresas privadas. Figuram entre os ativos produtivos os recursos naturais: terra, florestas, água, ar. O Estado neoliberal buscou tipicamente expropriar as propriedades coletivas, privatizar e instaurar uma estrutura de mercados abertos de mercadorias e de capitais, em cujos lucros são fabricados capitais fictícios, antecipações de créditos, juros exorbitantes que encharcaram as vias, os dutos financeiros de guetos dourados como Hong Kong, São Paulo, mas inundavam megalópoles como Tóquio e Londres, em especial, os bancos de Nova York, até explodirem-se como uma ‘bolha fictícia’ assentada em ‘papéis podres’: o limite de algumas instituições financeiras – um colapso financeiro no fim da ‘era W. Bush’.

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