domingo, 6 de setembro de 2009

Colapso dot.com [1999]


No âmbito da teoria neoliberal está a necessidade de se construir mercados coerentes para a terra, o trabalho e o dinheiro, mas não como mercadorias, afinal a sua descrição como mercadoria é inteiramente fictícia. O capitalismo não pode seguir sem semelhantes ficções, ou então como compreender os danos produzidos por meio das ‘inundações e secas’ do capital fictício no sistema global de crédito no México, no Chile, Argentina, Leste Asiático. Uma lógica do capital se faz premente, se existem num território excedentes de capital e de força de trabalho que não podem ser absorvidos internamente, torna-se imperativo enviá-los a outras regiões ou nações onde possam encontrar novos terrenos para a sua realização lucrativa, para evitar num só golpe que se desvalorizem. Se o território não possui divisas ou mercadorias para dar em troca, ele precisará encontrá-la, ou receber crédito, neste caso, um território estrangeiro recebe empréstimos com o qual pode comprar as mercadorias excedentes geradas internamente. Desse modo gerou-se certo ‘endividamento territorial’ que se tornou um problema na década de 1980, quando muitos países pobres viram-se impossibilitados de pagar suas dívidas, ameaçando entrar em moratória.

Primeiramente, como definir o ‘capital fictício’? São as instituições estatais e financeiras que detêm o poder de gerar e oferecer crédito, assim elas criam o que se denomina por ‘capital fictício’, ou seja, toda uma trama de ativos em títulos ou notas promissórias desprovidos de suporte real, mas que podem ser usados como dinheiro, de acordo com David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo”. Suponha-se que se crie ‘capital fictício’ num montante mais ou menos equivalente ao capital excedente empregado na produção de petróleo a fim de dirigi-lo a projetos orientados para o futuro, por exemplo, construção de estradas ou educação, desse modo a economia pode revigorar, na medida em que tende a aumentar a demanda por derivados de petróleo por professores e trabalhadores do setor de construção. Se o gasto em ambientes construídos ou melhorias sociais se revelarem produtivos, em outros termos, se facilitarem formas mais eficazes de acumulação do capital mais tarde, os ‘valores fictícios’ certamente serão resgatados. É preciso cuidado, entretanto, o sobreinvestimento em ambientes construídos ou em despesas sociais não está livre de desvalorizações.

A segurança dos Estados Unidos e seu domínio financeiro nos negócios no mundo estavam garantidos na década de 1990, com efeito, houve uma explosão dos valores dos ativos no interior do país. Combinado a ascensão de uma ‘nova economia’ erigida em torno de ganhos de produtividade em uma rede de empresas virtuais, não foi difícil manter a economia norte-americana com crescimento rápido o bastante para arrastar o resto do mundo na obtenção de taxas respeitáveis de acumulação de capital. Assim, o consumismo [moeda de ouro dos norte-americanos] expandia em níveis estonteantes. Entre 1997-98 não tardou o colapso dessa ‘nova economia’ numa amontoado de empresas ‘virtuais’ falidas nos Estados Unidos [uma infinidade de dot.com], com seus escândalos contábeis que revelaram que o ‘capital fictício’ poderia permanecer irresgatável, o que não só solapou Wall Street, mas pôs em xeque o relacionamento entre capital financeiro e produtivo. Acontece que se o mercado consumidor norte-americano entrar em colapso, as economias, que buscam nesse mercado a saída para a sua capacidade produtiva excedente, também entrarão. Não resta dúvida sobre a tenacidade em que os bancos centrais de países como a China, o Japão e Taiwan emprestaram para os Estados Unidos cobrirem os seus déficits, porque se agirem assim, eles fornecem fundos para o consumismo dos EUA.

Dessa forma percebe-se que o capitalismo parece não ter limites exteriores, apenas um limite interior que é o capital em si, limite que não consegue encontrar, por isso o reproduz deslocando-o incessantemente. Como se um processo de desterritorialização fosse do centro para a periferia, dos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos, mas não se tratam de exportações provenientes dos setores tradicionais. Destacam-se indústrias e plantações modernas que produzem uma enorme mais-valia nos países subdesenvolvidos, assim o capitalismo esquizofreniza cada vez mais na periferia, de acordo com Gilles Deleuze e Félix Guattari em seu livro “O Anti-Édipo”. Afinal, para eles, a esquizofrenia será o limite exterior do próprio capitalismo, mas ele só funciona se a inibir, substituindo-a pelos seus próprios limites, portanto, a esquizofrenia não é a identidade do capitalismo, mas, pelo contrário, a sua diferença, seu desvio e sua morte. Os fluxos monetários podem parecer perfeitamente realidades esquizofrênicas, contudo só existem e funcionam como tal na medida em que conjurar e repelir essa realidade. O esquizofrênico situa-se no limite do capitalismo, sua tendência desenvolvida, sobreproduto, proletário e anjo exterminador. Há pouco espaço para ficções, já que aqui o real flui, onde a cópia deixa de ser cópia para se transformar no Real e no seu artifício. Assim o esquizofrênico possuidor do capital mais pobre e mais comovente, não deixa de ser um ‘produtor universal’, que não sabe distinguir o produzir e o seu produto, cuja regra impera: a de produzir sempre um novo produzir, de inserir um produzir no produto.

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