quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Greenwich Village, New Law Tenements


Fluxo do êxodo e solo de comunidade multicultural, o Greenwich Village, em Nova York, tornou-se a quintessência do centro urbano, misturando grupos e estimulando indivíduos a diversidade. Os habitantes do Greenwich Village foram considerados quase fundidos, de tão próximos, por Jane Jacobs em seu livro “The Dark and Life of Great American Cities”. Na MacDougal Street, os turistas limitavam-se aos olhares dos italianos, que conversavam entre si, das lojas de andar térreo para as janelas dos edifícios em frente, sem se importar com os transeuntes. Hispânicos, judeus e coreanos zanzavam na Segunda Avenida, mas além dela cada grupo se guardava em seu próprio território, encerrando-se numa ‘comunidade étnica’. O individualismo moderno sedimentou o silêncio dos cidadãos na cidade. A rua, o café, os magazines, o trem, o ônibus e o metrô são lugares para se passar a vista, mais do que cenários destinados a conversações. A dificuldade dos estrangeiros manterem um diálogo entre si acentua a transitoriedade dos impulsos individuais de simpatia pela paisagem ao redor. Por curiosidade, uma ordem de comando idêntica àquela de Veneza para encerrar os judeus determinou que, em Nova York, eles fossem proibidos de emprestar dinheiro aos negros. Mas, no século XIX, os guetos da grande metrópole não tinham caráter nem identidade próprios. O Lower East Side era pobre, mas muito misturado etnicamente; Little Italy, nos anos 20, abrigava irlandeses, eslavos, e até hoje contém tanto asiáticos quanto italianos; no auge da ‘Renascença do Harlem’, ali residiam mais gregos e judeus do que negros.

Porém, no extremo leste, onde Greenwich Village se espraia à grande pobreza de Lower East Side, a história é outra, lá se concentram viciados de ambos os sexos, que contraíram a doença devido à partilha de agulhas, e mulheres que se infectaram na prostituição. AIDS e drogas confundiram-se na Rivington Street, por exemplo, cujas construções abandonadas serviam de esconderijo aos viciados. Se o problema da droga não sensibiliza os moradores, menos ainda causam os sem-teto, denunciou Richard Sennett em seu livro “Carne e Pedra”. No Village, eles dormem nas ruas próximas da Washington Square. Por volta de 1970, Washington Square, muitos adolescentes dormiam ao relento, embalados por cantores folk que competiam entre si, despreocupados com a presença dos sem-teto. Washington Square tornou-se uma espécie de ‘supermercado da droga’: ao norte da faixa de areia dos balanços das crianças situa-se um ponto de vendas de heroína e os bancos, junto à estátua de Stanley, expõem-se diversas pílulas; nas quatro esquinas da praça a cocaína foi comercializada em grandes quantidades.

A história do multiculturalismo ganhou muito com esse tecido urbano camaleônico. Os imigrantes se amontoavam nas áreas de pobreza, principalmente em Lower East Side e atrás das docas, no West Side de Manhattan, e no extremo leste do Brooklin. Confluência de diversas misérias, as chamadas Law Tenements haviam sido projetadas com espaços interiores bem iluminados e ventilados, mas as melhores intenções dos arquitetos cairiam por terra diante de uma densidade populacional tão imprevisível. Quando pobreza e funções mal remuneradas, drogas e criminalidade reaparecem nos subúrbios, esmaecem-se as esperanças de uma vida familiar segura e estável, assim o desejo de fugir renasce.

Nova York voltou a crescer depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente com os trabalhos de Robert Moses, que encarava a malha urbana de forma arbitrária, desconhecendo qualquer obrigação de manter ou melhorar o que seus antecessores haviam feito; assim, ele construiu pontes, parques, portos, praias e auto-estradas. Dotada de um dos sistemas de transporte mais complexos do mundo, Moses favoreceu tanto a locomoção individual nos automóveis que chegou a ameaçar a viabilidade de tudo que já existia em Nova York. Para ele, as auto-estradas eram meios facilitadores, e não projetos destrutivos. O propósito de Robert Moses era desfazer a diversidade. A massa impactante da população parecia-lhe uma pedra a ser esfacelada, ao ponto de a fragmentação da cidade ser a condição do ‘bem público’. Deste modo, Moses agiu de modo seletivo, apenas para os bem-sucedidos, que dispunham dos meios de escapar, fugir; as pontes e vias expressas tornaram-se uma salvação do barulho dos grevistas, mendigos e desempregados que enchiam as ruas de nova York, durante a Grande Depressão.

A geometria de Nova York é constituída por uma rede interminável de quarteirões idênticos, como um tabuleiro de xadrez em expansão; em 1811, as terras acima de Greenwich Village já estavam urbanizadas e em 1855 o complexo demográfico estendia-se além de Manhattan, em direção ao norte do Bronx e a leste do Queens. Um turista pode suspeitar que o centro de Nova York fique em torno do Central Park, mas Calvert Faux e Frederick Law Olmsted deram partida à sua construção em 1857. Teoricamente, a ausência de um ponto central e limites indefinidos possibilitam múltiplos locais de encontro. Mas o que a sua falta de direcionamento realmente prevê é ainda mais facilidade para se demolir todos os obstáculos de pedra, vidro ou ferro erigidos no passado. As grandes mansões da Quinta Avenida foram construídas, habitadas e destruídas, cedendo lugar a edificações mais altas. Hoje, apesar de já se cuidar do patrimônio histórico, os arranha-céus são projetados e financiados por uma duração estimada de cinquenta anos. De todas as cidades do mundo, Nova York foi a que mais cresceu à custa de demolições.

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