sábado, 12 de setembro de 2009

Law and Order: Trump Tower, Suburb


As maneiras de vigiar e policiar se multiplicam, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a prisão tornou-se uma estratégia-chave para resolver problemas que surgem entre trabalhadores descartados e populações marginalizadas. Mas essencialmente o aspecto coercitivo do estado neoliberal fortalece-se para proteger interesses corporativos, reprimir a dissensão. O Estado neoliberal deve favorecer direitos individuais à propriedade privada, ao regime de direito e as instituições de mercados de livre funcionamento e do livre comércio, trata-se de uma trama institucional essencial à garantia das liberdades individuais. O Estado tem, por isso, de usar seu monopólio dos meios de violência para preservar a todo custo essas liberdades. O aumento da vigilância e do policiamento, no caso norte-americano, do encarceramento de elementos recalcitrantes da população indica uma tendência mais intensa do controle social, conforme David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”. O complexo prisional-industrial ainda é um setor florescente na economia estadunidense. O papel do Estado neoliberal assume rapidamente o da repressão ativa, que chega a uma guerra limitada a movimentos de oposição, como os do terrorismo ou do tráfico de drogas.

A teoria neoliberal articula a lei ao crime, assim codifica a penalização. Parte-se do princípio que um sistema penal para funcionar bem é necessário uma boa lei. A lei não deixa de ser a solução mais econômica para punir devidamente as pessoas e para que essa punição seja eficaz. Trata-se, de um lado, do crime como uma infração a uma lei, e, de outro, não há crime nem é possível incriminar um ato enquanto não houver uma lei. A lei só se tornou um mecanismo efetivamente adotado no poder penal europeu no fim do século XVIII. O homo penalis é o homem que é penalizável, que se expõe a lei e pode ser punido por ela, de acordo com Michel Foucault em seu livro “Nascimento da Biopolítica”. Assim, ‘Law and Order’ tem, pois, originalmente um sentido preciso que pode ser verificado além do liberalismo: o Estado não intervirá na ordem econômica anão ser na forma da lei, e somente no interior dessa lei que vai aparecer algo como uma ordem econômica, como efeito e princípio da sua própria regulação.

Atualmente, os muros, as cercas eletrificadas e os aparelhos de vigilância, o medo, a segregação, contribuem para a fundação de uma espécie de cidade carcerária, que complementa um processo de favelização praticamente em todas as cidades brasileiras. No Brasil urbano houve um processo de segregação dos pobres para espaços desprezados pela elite, deste modo, eles ocuparam as encostas de morros, as beiras de rios e canais, ou amontoaram-se em favelas nos interstícios dos bairros de classe média ou espalharam-se por loteamentos irregulares na periferia. Nos Estados Unidos, os guetos não evitam que seus moradores levem uma vida, em geral, excluídos das atividades econômicas da cidade à sua volta. O gueto se renova numa acepção de unidade sócio-espacial voltada sobre si mesma, onde os residentes encontram suas ocupações, subempregos legais ou ilegais, com destaque para o tráfico de drogas. Os suburbs da classe média norte-americana não deixam de ser enclaves excludentes, com uma vida econômica e social também apartada da vida urbana. Os antigos suburbs eram inteiramente residenciais, mas agora são amplamente auto-suficientes em matéria de comércio e serviços. Beverly Hills, na Califórnia, ilustra esse tipo de enclave excludente, assim como as torres de luxo nova-iorquinas, Trump Tower, é um dos exemplos de fortified citadels, que não se localizam nos arredores das cidades, mas nas áreas centrais.

Se o neoliberalismo implica as liberdades individuais, por mais paradoxo que pareça, a população chega a viver cotidianamente, às vezes inconscientemente, o ápice da própria privação da liberdade, seja nas prisões e nos guetos, seja nos condomínios fechados ou fortified citadels. Trata-se de uma cidade carcerária imposta pelo neoliberalismo, essencialmente biopolítico, ou seja, trata-se do paradoxo de uma cidade como prisão, que acondiciona a auto-segregação escapista dos ricos e que impõe a segregação induzida dos pobres.

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