sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Cavalo de Tróia Neoliberal [ONG, OTS]


O saldo geral das consequências ambientais da neoliberalização é quase sempre negativo. Esforços sérios de criar índices de bem-estar humano que incluam o custo das degradações ambientais sugerem uma tendência negativa em aceleração a partir de mais ou menos 1970. A contribuição humana para o aquecimento global disparou e acelerou a destruição das florestas tropicais desde então, o que resultou em graves implicações para a mudança climática e a perda da biodiversidade. Destaca-se que os dois principais culpados pelo aumento das emissões de dióxido de carbono nos últimos anos têm sido as locomotivas da economia global, os Estados Unidos e a China [que aumentaram suas emissões em 45% na última década]. De um lado, a crescente dependência norte-americana de petróleo importado tem óbvias ramificações geopolíticas, de outro lado, a China passou da auto-suficiência na produção de petróleo no final dos anos 1980 para a posição de segundo importador global, atrás dos Estados Unidos. Neste caso, se entramos na zona de perigo, ao ponto de transformar o ambiente global, em particular o clima, impróprio para a vida humana, então uma maior adoção da ética neoliberal seria nada mais nada menos que uma opção mortal.

A insistência neoliberal na privatização dificulta estabelecer acordos globais sobre princípios de gerenciamento de florestas para proteger hábitats valiosos e a biodiversidade, particularmente nas florestas tropicais. Em países mais pobres com substanciais recursos florestais, a pressão para aumentar as exportações e permitir a posse e as concessões a estrangeiros significa que até as proteções mínimas das florestas são retiradas. Com os ajustes estruturais do FMI, por exemplo, cria-se um impacto ainda pior, a austeridade imposta implica aos países pobres ficar com menos dinheiro para administrar suas florestas. Assim, esses países são pressionados a privatizar as florestas e a abrir sua exploração a madeireiras estrangeiras com base em contratos de curto prazo, ultra-exploração de recursos florestais tal como se verificou no Chile pós-privatização. Em geral, quando a austeridade imposta pelo FMI e o desemprego se abater sobre os países, populações excluídas podem ocasionalmente buscar o sustento na terra e promovem certa dilapidação indiscriminada das florestas. O método favorecido são as queimadas, assim as populações sem posses podem juntas com as madeireiras destruir imensos recursos florestais num curto espaço de tempo, o que ocorreu em grande medida no Brasil.

Sabe-se que a trajetória do neoliberalismo está fundamentada no indivíduo e no ativismo dos direitos individuais. Como as pessoas mais necessitadas não possuem recursos financeiros para defender seus próprios direitos, a única maneira de esse ideal poder se articular é com a formação de ‘grupos de advocacia’. A ascensão desses grupos e de ONGs, o chamado Terceiro Setor, acompanhou os discursos sobre direitos, a partir da década de 1980, quando começou a multiplicar esse tipo de discurso. As ONGs em muitos casos vieram preencher o vácuo de benefícios sociais deixado pela saída do Estado dessas atividades, ou seja, trata-se de uma ‘privatização via ONG’, deste modo, conforme David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”, as ONGs funcionam como ‘cavalos de Tróia do neoliberalismo global’.

A fronteira entre o Estado e o poder corporativo tornou-se cada vez mais porosa. O que resta da democracia representativa é sufocado ou, como nos Estados Unidos, que é legalmente corrompido pelo poder monetário. Como o acesso à justiça é nominalmente igualitário, mas na prática extremamente caro, o resultado é bastante favorável a quem possui o poder do dinheiro. Defendem-se vários direitos como a proteção ao consumidor, os direitos civis ou os direitos dos deficientes, que obtiveram ganhos substanciais mediante esses recursos financeiros, proveniente de um ‘vício de classe’ em decisões judiciais. Deste modo, as organizações não-governamentais e do terceiro setor [ONGs, OTSs] proliferaram-se de maneira notável sob o neoliberalismo, através da crença de que a oposição mobilizada fora dos aparelhos estatais e no interior de uma entidade distinta designada por ‘sociedade civil’, ou seja, a ilusão de uma casa de força política oposicional e de transformação social.

As organizações não-governamentais são, portanto as mais novas forças da ‘sociedade civil’, que operam em diversos níveis, local, nacional e supranacional. As ONGs reúnem um enorme e heterogêneo conjunto de organizações, no começo da década de 1990, constava a existência de mais de 18 mil ONGs no mundo, algumas delas tentavam preencher a função tradicional dos sindicatos, outras davam prosseguimento à vocação missionária de seitas religiosas, em geral, todas procuravam agir em nome de populações não representadas por Estados-Nação. As ONGs são caracterizadas como organizações humanitárias, em cujo mandato que consiste em representar diretamente os direitos humanos globais e universais. Assim, organizações de direitos humanos [como a Anistia Internacional e Americas Watch], grupos pacifistas [como Testemunhas da Paz e Shanti Sena], e as agencias de socorro que combatem a fome e as doenças [como Oxfam e Médicos sem Fronteiras] defendem a vida humana contra a tortura, a inanição, o massacre, a prisão e o assassinato político.

O termo ONG pode ser definido, segundo Michael Hardt e Antonio Negri em seu livro “Império”, como qualquer organização que pretenda representar o povo e trabalhar em seu interesse. As ONGs são, então, algum tipo de sinônimo de ‘organizações do povo’ porque o interesse do povo é distinto do interesse do Estado? É claro por isso que as ONGs, por estarem fora do poder do Estado e geralmente em conflito com ele, são compatíveis com o projeto neoliberal de capital global e o auxiliam. Essas ONGs, enfim se estendem largamente no húmus do biopoder neoliberal, como se fossem os próprios capilares extremos da rede contemporânea de poder. Aqui, neste vasto e universal nível das atividades dessas ONGs, as ações imperiais dos EUA coincidem, num terreno ‘além da política’, ao satisfazer as necessidades da colonização da própria vida.

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