domingo, 6 de setembro de 2009

Fraudes à la Ponzi


Quando um sistema histórico está em crise, move-se em duas direções, segundo parece para Immanuel Wallerstein: para preservar a estrutura hierárquica do sistema-mundo que existe ou para tentar reduzir, se não eliminar, as desigualdades. Quando o sistema mundo entra em uma espécie de ‘crise estrutural’ é porque se encontra no meio de um período caótico, onde correm bifurcações e que num período de tempo o sistema atual deixará de existir e um novo surgirá. Teoricamente, um sistema promove projeções lineares das suas tendências mais específicas, mas elas atingem limites, após os quais o sistema passa a se encontrar longe do equilíbrio, assim começa a bifurcar-se. Exatamente nesse ponto que se diz que um sistema está em crise, passando por um período caótico, no qual para se estabilizar procura uma ordem nova e diferente, ou seja, estabelecer a transição de um sistema para outro. Questiona-se também a produção de crises como meio de se retardar essa transição ou passagem. No ponto em que gerar crises significa não mais transitar nem mais bifurcar, mas conservar a ordem vigente. De que modo então compreender as incessantes manipulações de crises que tanto caracterizaram a orquestração da economia neoliberal?

Para além das bolhas especulativas e muitas vezes fraudulentas que caracterizam boa parte da manipulação financeira neoliberal, há um processe que consiste em lançar ‘a rede da dívida’ como recurso de acumulação por espoliação. Diz-se que a criação, administração e manipulação de crises evoluíram para uma arte da redistribuição de riquezas dos países pobres para os países ricos. Os Estados Unidos assumiram os trilhos da acumulação global de capital e abriram o caminho à pilhagem das economias periféricas, quando o complexo Tesouro dos Estados Unidos-Wall Street-FMI se especializava nessa prática. As crises da dívida ocorriam em países isolados na década de 1960, tornaram-se mais frequentes nas de 1980 e 1990, quando raros eram os países que não foram atingidos. Essas crises chegaram a assumir um caráter endêmico em regiões como a América Latina. Mas percebe-se que são crises, mas crises orquestradas, administradas e controladas para racionalizar o sistema e para redistribuir ativos.

Trata-se, por exemplo, daquilo que os neoliberais costumam chamar de ‘deflação confiscatória’, quando as crises financeiras causam transferência de propriedade e de poder a quem mantém intactos seus ativos e tem condições de criar crédito, de acordo com David Harvey em seu livro “O Liberalismo: História e Implicações”. Mas acrescente um sem número de operações fraudulentas com ações; esquemas de Ponzi [tipo ‘pirâmides’, em que se pagam rendimentos altíssimos (lucro) a alguns investidores a partir do dinheiro pago por investidores subsequentes, sem envolver receita gerada por algum negócio real, Charles Ponzi, fraudador italiano, inventou um desses esquemas nos EUA]; destruição planejada de ativos por meio da inflação; a dilapidação de ativos por meio de fusões e aquisições agressivas; promoção de níveis de endividamento que reduziram populações inteiras à escravidão; assalto aos fundos de pensão; manipulação de créditos, títulos e ações. Paisagem fraudulenta, pois essa é a natureza do atual sistema financeiro capitalista. Há o perigo, entretanto de as crises saírem do controle ou de se generalizarem, até mesmo de que surjam revoltas contra o próprio sistema que as cria. A crise acaba por gerar uma dissimetria entre possíveis revoltas e as fraudes do capital.

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