sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Crisis, Delirium, NY

As batalhas urbanas surgidas na década de 1970 corresponderam à crise do poder de classe capitalista, neste caso, a ‘crise fiscal’ de Nova York foi paradigma. Havia anos que a reestruturação capitalista, a desindustrialização e a rápida suburbanização vinha corroendo a base econômica da cidade, deixando boa parte do centro da cidade empobrecida. Daí resultou uma insatisfação social explosiva de grande parte de populações marginalizadas na década de 1960, esboço do que viria a ser designado por ‘crise urbana’, algo semelhante que ocorria em muitas cidades norte-americanas. Uma solução ocorreu com generosos recursos federais, facilitando a expansão do emprego público e dos serviços públicos. Mas no começo da década de 1970, Richard Nixon simplesmente declarou que a crise urbana havia acabado. Assim ele pôde assinalar, com efeito, a redução da ajuda federal.

Desde então, uma acelerada recessão ampliou a distância entre receitas e despesas no orçamento da cidade de Nova York, cada vez maior devido aos descontrolados empréstimos tomados durante anos. No começo, as instituições financeiras supriram essa carência, mas a partir de 1975, um grupo de banqueiros, liderado por Walter Wriston do Citybank, recusou-se a rolar a dívida e acabou levando a cidade à bancarrota técnica. O resgate que se seguiu envolveu a construção de novas instituições que assumiram a administração do orçamento da cidade e tinham total liberdade de gestão, privilegiando em primeiro lugar o pagamento dos acionistas, enquanto o resto empregava-se me serviços essenciais. O efeito disso foi derrubar as aspirações dos sindicados, congelar salário, cortar emprego público, manter alguns serviços sociais básicos [educação, saúde] e impor cobranças de taxas aos usuários: o sistema universitário da CUNY – City University of New York – passou a cobrar a partir de então. Felix Rohatyn, o banqueiro que negociou o acordo entre a cidade, o Estado e as instituições financeiras talvez não tivesse em mente a restauração do poder de classe, mas a única maneira que ele pôde ‘salvar’ a cidade foi satisfazer os banqueiros e reduzir o padrão de vida da maioria da população de Nova York. Mas, lamentavelmente, foi exatamente a restauração do poder de classe que isso tudo acarretou.

O desemprego alcançou a faixa de 10% em meado da década de 1980, tornou-se propício o momento de atacar todas as formas de trabalho organizado e retirar todos os seus privilégios. A transferência da atividade industrial das regiões Nordeste [a de Nova York] e Meio-Oeste para os estados não-sindicalizados e ‘bons para o trabalho’ do Sul, quando não para o México e o Sudeste Asiático, foi se tornando uma prática padrão dos neoliberais. A desindustrialização das regiões industriais centrais antes sindicalizadas [como no ‘cinturão da ferrugem’] minou o poder do trabalho, de acordo com David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”. As corporações podiam ameaçar com o fechamento as fábricas, mesmo com o risco de greves. O controle do trabalho e a manutenção de um grau elevado de exploração não deixavam de ser componentes essenciais da neoliberalização, acrescente-se a isso o papel do Estado, que tende a reduzir o financiamento em áreas de assistência à saúde, ensino e assistência social, deixando segmentos crescentes da população ao empobrecimento.

Nesta esteira neoliberal dissiparam muitas conquistas da classe trabalhadora em Nova York, boa parte da infra-estrutura social e física da cidade começou a deteriorar por falta de investimento e de manutenção, como por exemplo, o sistema de transporte subterrâneo, assim a atmosfera de Nova York começava a ficar tenebrosa e opressiva. O governo da cidade, o movimento trabalhista municipal, a classe trabalhadora do município, em geral, todos foram privados de grande parte do poder que detinha. Assim a classe trabalhadora de Nova York aceitou a nova realidade, mesmo com relutância. Buscava-se na realidade criar um clima favorável aos negócios como prioridade em Nova York. Dessa forma, recursos públicos passaram a estimular a criação de infra-estruturas adequadas aos negócios, em particular no setor de telecomunicações. Paulatinamente, instituições de elite da cidade se mobilizaram para vender uma nova imagem de Nova York, mas agora como centro cultural e turístico, sob o famoso logotipo que se inscreve ‘I Love New York’.

As elites dirigentes apoiaram a abertura do campo cultural a toda modalidade de diferentes correntes cosmopolitas, a partir da exploração narcisista do ego, da sexualidade, da identidade, como leitmotiv da cultura burguesa urbana. A ‘Nova York Delirante’, da frase de Rem Koolhaas, apagou a memória coletiva da Nova York democrática, onde as elites até aceitaram a diversificação dos estilos de vida e o aumento de nichos de consumidores, mas para tornar-se o epicentro da experimentação cultural e intelectual pós-moderna. Com isso, os banqueiros reconstruíram a economia municipal em torno de atividades financeiras, serviços auxiliares como assistência jurídica e meios de comunicação, mas principalmente da expulsão dos moradores pobres, que se tornou proeminente e lucrativa, através dos empreendimentos imobiliários destinados à classe média [‘gentrificação’] e a ‘restauração de bairros decadentes’.

A administração da cidade passou a ser concebida cada vez mais como entidade empreendedora, em vez de social ou democrática. A Nova York de classe trabalhadora e étnico-imigrante foi lançada às sombras e foi afetada pelo racismo e por uma epidemia de crack na década de 1980. Ela deixou muitos jovens mortos, encarcerados ou sem teto, e os sobreviventes foram mais tarde assolados pela epidemia de AIDS surgida na década de 1990.

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