sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sem-Teto, Poliscar, Wodiczko [NY]


O pobre urbano ocupa as partes menos desejáveis das cidades, incluindo em suas fileiras a família favelada ou quase favelada. A favela urbana é um lugar humilde onde o imigrante recém-chegado geralmente finca o pé e com parcos recursos inicia vida nova. Ela é também o lugar pungente, difícil, lento, de gradativo ajustamento, que caracteriza a aceitação por uma sociedade branca, como a norte-americana, de elementos de diferentes costumes. Seus habitantes se constituem de famílias antigas na favela étnica e recentes migrantes de outras culturas que, por causa de atributos físicos facilmente reconhecidos, acham mais fácil do que seus predecessores acharam construir a sua vida sobre o desajustamento. Afinal, as muralhas do gueto tornam-se mais altas do que nunca.

O fenômeno da favela nos Estados Unidos ainda não tinha sido mapeado ainda na década de 1960, por causa do grande número de cidades com áreas de favelas, a situação precisa dos limites, o extraordinário problema dos dados estatísticos, tudo isso desafiava o geógrafo norte-americano a mapear esse fenômeno sócio-espacial, segundo Gordon E. Reckord em seu artigo “A Geografia do Pauperismo nos Estados Unidos”. Mas para a aplicação de programas federais norte-americanos, inclusive o de combate ao pauperismo, da antiga Lei de Desenvolvimento Econômico, exigia-se identificar especificamente as áreas, regiões atingidas. O pobre urbano, o grau de pobreza nos Estados Unidos circula em torno de uma renda familiar de 3.000 dólares, assim, mais de 54% das famílias que ganhavam menos de 3.000 dólares moravam em zonas urbanas até a década de 1970. Sempre houve uma correlação íntima entre a incidência de pauperismo individual e os aspectos da paisagem citadina, entretanto houve um padrão distinto para a incidência de pauperismo não-urbano nos Estados Unidos a partir década de 1960: [1] várias regiões extensas de baixa renda e grande desemprego separadas umas das outras e afastadas das terras baixas litorâneas [Apalaches, Grandes Lagos, Ozarka, Área Indígena dos Quatro Cantos, Nova Inglaterra setentrional, parte das Montanhas Rochosas]; [2] áreas isoladas menores, dispersas [partes das Grandes Planícies, áreas esparsas do Oeste e do Pacífico Noroeste, áreas vastas de planícies litorâneas e baixadas junto a encostas no Sudeste].

No Greenwich Village de Nova York, a Rivington Street do final do século XX, com suas construções abandonadas, que se tornavam esconderijos de viciados, praticando suas roletas-russas. Ocasionalmente, jovens assistentes sociais passavam pelo local, batendo nas portas ou nos batentes das janelas, oferecendo de graça seringas descartáveis. Se o problema das drogas não sensibilizou os moradores do Village, menos estranheza causou os sem-tetos. Estimou-se que, no centro de Nova York, para cada duzentas pessoas existia uma sem moradia,índice superior ao de Calcutá e abaixo do Cairo, segundo Richard Sennett em seu livro “Carne e Pedra”, embora reconheça que estatísticas sobre desabrigados sejam mutantes, Manhattan somou cerca de trinta mil nos verões, caindo para dez ou doze mil durante o inverno.

Deste modo, o ‘veículo do sem-teto’ tornou uma intervenção distorcida na paisagem urbana, quando Krysztof Wodiczko, artista de Nova York, o exibiu pela primeira vez em 1988, foi testado nas ruas do Lower East Side de Nova York e na Filadélfia, até que criou o ‘Poliscar’ em 1991, com maior precisão na segurança e privacidade, equipado com rádio, câmera externa, monitor de televisão, descrito por Neil Smith em seu artigo “Contornos de uma Política Espacializada”. Trata-se mais do que uma simples obra de arte crítica e de ironia simbólica, o veículo é funcional. O veículo do sem-teto baseia-se numa arquitetura vernacular do carrinho de supermercado e proporciona a o espaço e os meios para facilitar algumas necessidades básicas: transportar, sentar, dormir, abrigar-se e lavar-se. O veículo do sem-teto não é um lar, mas um bem imobiliário ilegal, uma arquitetura provocada pela pobreza, um míssil, a indicação de fuga, recuo, ataque. Sem um lar ou outro lugar para guardar suas posses, afinal para quem foi expulso do espaço privado pelo mercado imobiliário, fica difícil carregar suas posses, então muitos sem-tetos usavam carrinhos de supermercado ou carros de lona do correio para carregar suas coisas, latas e garrafas que poderiam ser trocadas por um níquel. No final da década de 1980, na cidade de Nova York, estimava-se que 70.000 ou 100.000 pessoas eram sem-teto.

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