sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Militarização, 'Drug-Cities' & Lawman


As prisões não servem efetivamente para reinserir na sociedade, punir ou neutralizar desviantes, mas têm servido para o controle social dos pobres. Como nos Estados Unidos o confinamento desproporcional dos pobres e das minorias étnicas tem servido menos para tirar de circulação ‘predadores violentos’ que para tirar de circulação parte da massa desempregada? Em estudos de Loïc Wacquant, como “As Prisões da Miséria”, percebe-se que a grande maioria dos quase dois milhões encarcerados, em 1994 nos EUA, não estava presa por terem cometido homicídio, roubo ou estupro, mas por razões de desordem na vida pública, em especial, pela infração da legislação de drogas. O crime não deve valer a pena para o criminoso, mas o que ocorre na ‘cultura da impunidade’ em um ambiente da ineficiência policial, acontece o inverso: o crime compensa. No Far West do sistema mundial capitalista, quem não reivindicou por um Wyatt Earp, um lawman, homem da lei que explorava a jogatina e abusava da violência da para impor ordem na casa, mesmo conciliando seu lema de ‘lay down the law immediately!’ com seus lucrativos interesses privados, como manager ou segurança de saloon. Meio bandido, valentão e violento, reza a lenda que Wyatt Earp ‘salvou’ Dodge City, trouxe-lhe a ordem e imortalizou-se nas telas de cinema. Afora essa alegoria cinematográfica, nas nossas Dodge Cities contemporâneas, não vai ser a ajuda providencial de um deus ex machina à la Wyatt Earp, mas sim que se gerem novas articulações sociopolíticas. Afinal, no Rio, em São Paulo e em tantas outras cidades no mundo, as forças que deveriam cuidar da segurança pública, muitas vezes, contribuem para realimentar insegurança aos cidadãos amedrontados.

Reconhece-se que o problema central da racionalidade governamental moderna girava em torno da conservação de uma dinâmica das forças e, para isso, no Ocidente, criou-se um duplo conjunto que se esboça, de um lado, como dispositivo diplomático-militar, e, de outro, um dispositivo de polícia, o que mais tarde irá se chamar ‘dispositivo de segurança’, conforme Michel Foucault em seu livro “Segurança, Território, População”. Desde o século XIX, um estabelecimento de um dispositivo militar permanente passou a supor a profissionalização dos homens de guerra; a constituição de uma carreira das armas; uma estrutura armada permanente, para enquadrar as tropas recrutadas excepcionalmente em tempo de guerra; um equipamento de fortaleza e de transportes; um saber, uma reflexão tática, tipos de manobras, esquemas de ataques e de defesa, em suma, toda uma reflexão própria sobre a objetividade militar e as guerras possíveis. Não se trata de um dispositivo militar que vai ser a presença da paz na guerra, mas a inclusão da diplomacia na economia política. Assim como a polícia vai se ocupar com o número de homens, em primeiro lugar, tanto no que concerne à atividade dos homens quanto à sua integração numa utilidade estatal, saber quantos são e fazer que haja o número adequado possível, afinal a força de um Estado nunca deixou de estar ligada ao número de seus habitantes, em tese, a polícia deveria zelar para que as pessoas possam manter efetivamente a vida que o nascimento lhes deu.

No final do século XX, o ex-presidente do Brasil foi forçado pelas circunstâncias a se pronunciar sobre problemas como criminalidade violenta e crime organizado, de acordo com Marcelo Lopes de Souza em seu livro “Fobópole”. O então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em discurso proferido em 1996 a bordo de um navio-escola da Marinha de Guerra, expressou a opinião de que o tráfico internacional de drogas e armas constituía uma ameaça à soberania nacional: ‘eles [os traficantes] não só desafiam a nossa soberania nas fronteiras, no espaço aéreo e nos rios da Bacia Amazônia, como também influenciam no risco de esgarçamento do tecido social brasileiro’ [Jornal do Brasil, 6/3/1996]. Em torno de um mês depois, falando para uma plateia de 25 novos generais, na presença dos seus ministros militares, Fernando Henrique considerou o tráfico de drogas o novo inimigo da segurança nacional, a ser combatido pelas Forças Armadas [O Globo, 17/4/1996]. Simultaneamente, considerando as articulações internacionais envolvidas no tráfico de drogas e armas, redes do crime organizado, esquemas de lavagem de dinheiro, pressões diplomáticas e ‘cooperação militar’ foram desdobradas na esteira da ‘war on drugs’ proclamada pelo governo norte-americano, assim violência urbana e insegurança pública deixavam de ser apenas uma expressão política e alcançavam uma magnitude geopolítica. Se a opinião pública brasileira clamava por ações das instituições militares no combate à criminalidade, as Forças Armadas resistiram, pois percebiam que o seu papel não era substituir policiais a trocar tiros em favelas.

Anda-se, enquanto isso, pelas favelas e pela violência que incendeia os morros do Rio. A polícia corre atrás de telefonemas, quase sempre anônimos, anunciando a descoberta dos corpos da guerra de quadrilhas. Ao mesmo tempo, sob enorme pressão da imprensa e da opinião pública, prepara ‘operações de limpeza’ nos labirintos do tráfico de drogas. Algumas vezes, centenas de policiais ocupam um morro, durante quatro ou cinco horas, e voltam sem resultados. Outras vezes são ataques-relâmpagos de pequenos grupos de policiais. Desfilam uniformizados, camuflados, fuzis militares, granadas, helicópteros e cães farejadores.

Discute-se, entretanto, mais no investimento do tratamento terapêutico de usuários de drogas e menos no combate armado a traficantes é o que determina a atual política de segurança da Inglaterra. O viciado que se submete a tratamento tem a pena reduzida e o traficante que não usa a violência não será importunado, segundo Mike Trace, ex-Czar das Drogas do Reino Unido, que esteve presente na primeira reunião da Comissão Brasileira sobre Drogas e democracia (CBDD), em 21 de agosto de 2009, uma iniciativa do Movimento Viva Rio: discutem-se aspectos relevantes e referentes às drogas nos campos da Farmacologia, História recente e políticas humanas, mais eficazes.

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