terça-feira, 9 de junho de 2009

Mensagens Céleres e Agravantes Éticos


Dia 08 de junho, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se sentiu coagida, porque a Petrobras criou um blog chamado Fatos e Dados, onde serão publicadas na íntegra as entrevistas que são reportadas à imprensa, antes de serem publicadas pelas empresas de informação. A imprensa se sentiu constrangida, fala-se em 'roubo', afinal as perguntas são das empresas de comunicação, mas as respostas também? Entretanto, sabe-se, como sinalizou Tatiana Farah[1], que “do ponto de vista legal, eles podem fazer isso, mas do ponto de vista ético e de relacionamento com a mídia, esse não é o caminho”. Entre os comunicadores, para uns, bom para todos é uma informação editada pela imprensa com independência e liberdade para a instituição, mídia e leitores, para outros, a discussão sobre o blog é boa, mas o problema é menor, a distribuição de verbas publicitárias da estatal deveria estar mais em voga. As vítimas dessa ‘novidade democrática’, como disse José Sergio Gabrielli [presidente da Petrobras], ‘O Globo’, ‘Folha de São Paulo’ e ‘O Estado de São Paulo’ estão preocupados, sobretudo, com o prejuízo que a Petrobras causará aos seus profissionais de ‘boa fé’[2].

Com essa tática de velocidade da Petrobras, a ‘boa’ e a ‘má fé’ cinde não apenas o espaço estritamente político, mas o midiático também. Agora é a hora dos diretores da imprensa em geral começar a se preparar ou a liberdade da informação se propaga na velocidade da luz ao sabor dos seus próprios volantes? Foi inaugurado um dispositivo irrepreensível juridicamente, mas capaz de interpelar a ética, mas a ética dos meios de comunicação principalmente – diz-se, aqui, há pouco tempo, que quem não deve não teme. Nesse lema, ouviu-se dizer que até seria bom para Petrobras ser inquirida pelos parlamentares, ao provar sua idoneidade, certo que sim, do mesmo modo será bom para a imprensa mostrar, espera-se que não existam, ‘sua má fé’, seus ‘cassados’.

São, se assim se puder dizer, duas máquinas de guerra que se enfrentam, o complexo industrial-militar e a máquina de visão, ou seja, Petrobras e Mídia em geral, ao mesmo tempo em que o Parlamento ensaia e encena seu teatro para as eleições. Há um conflito. Em uma guerra há sangue. No seu papel militar, em sua lógica singular, a ‘edição’ esquarteja a informação como se fossem corpos. A metáfora sobre a maquinaria da edição é tal como Paul Virilio em ‘Guerra Cinema’ descreveu, na medida em que se oferece, nessa guerra, a imagem desprovida de dimensões estáveis, logo se reconhece “em pedaços” aos espectadores. Aos pedaços, esquartejada e dirigida a imagem se produz até que se ilumine a verdade, produzida neutramente, reivindica-se. Se os editores precisam, com suas objetivas e repórteres, picotar um texto, a Petrobras o expõe inteiro e... antecipadamente: efeito furtivo. Se não há nenhuma irregularidade legal ou jurídica que impeça a Petrobras de produzir essa tática, restam-nos os apelos éticos da imprensa. Mas o que seria ética?

A respeito da ética no imaginário político ocidental, poderíamos recorrer aos processos de sujeição amplamente analisados por Michel Foucault tanto em “Vigiar e Punir”, acerca da produção dos corpos dóceis na modernidade, quanto em “A Hermenêutica do Sujeito” referentes a constituição de técnicas ascéticas ocidentais gregas, romanas e judaico-cristãs. Historicamente, deduz-se que nos seja familiar a concepção de governamentalidade foucaultiana, bem como, contemporaneamente, o paradigma ético e estético no livro “Caosmose” escrito por Félix Guattari. Essas referências são elencadas para afirmar que em todas elas a ética não deixa de possuir um aspecto facultativo. Sintética e explicativa definição de Gilles Deleuze em “Conversações” ao distinguir a moral e a ética. Enquanto “a moral se apresenta em um conjunto de regras coercitivas de um tipo especial, que consiste em julgar ações e intenções referindo-as a valores transcendentes (é certo, é errado...); a ética é um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica”. Regras facultativas, portanto, na dimensão ética a batalha se estende aos apelos dos mass media. No nível da avaliação do comportamento ético, o cálculo das forças inquisitoriais se resume: [1] entrevista e pesquisa concedida pela empresa; [2] material disponível na íntegra na web; [3] antecipação da mensagem. Os efeitos desse bombardeio se sucedem nessa “explosão da informação”: [1] o reconhecimento de que o controle da informação não está sob propriedade privada da imprensa; [2] a informação como um corpo despedaçado, editado, pode ser comparado com o material integral na rede em maior velocidade; [3] a censura na informação, instrumento editorial, torna-se tão visível quanto a ética das reportagens de ‘boa’ ou ‘má fé’. Em suma, o revide da Petrobras é um mecanismo que não é ilegal, pensa-se, principalmente, no desequilíbrio das forças que atenuam o controle indiscriminado da informação pelos agenciamentos de comunicação.

É óbvio que a imprensa questionou o gesto antiético da estatal, por não garantir a ela toda sorte de privilégios ainda não legalizados e facultativos para manipular livremente as informações. Não se compreende a surpresa dos mass media em relação à direção da Petrobras. Esse impasse é válido para uma discussão ética entre ambos, certamente. Com requintes éticos num conflito nessa dimensão, entre dois complexos de alta tecnologia, petroquímico e midiático, onde a regra vale para todos, no bombardeio da informação o que se considera são os desvios de comportamento do ‘capital humano’ – é nele que se cristalizam os hábitos, as práticas e os comportamentos (o modo de existência) detonados pelos julgamentos éticos. É inegável que esse revide da Petrobras tenha sido imprevisível e, mais que isso, eficaz: primeiro, porque ninguém imaginava a possibilidade dele acontecer e, segundo, não se imaginava a proporção do seu efeito. Ressalta-se a velocidade, no modo em que os corpos se expõem às vísceras, porque em geopolítica, certamente, a política é a continuação da guerra por outros meios. Corpos dos dois lados da batalha serão expostos, talvez pela primeira vez, com os mesmos pressupostos éticos. Um novo modo de sujeição se expõe nos trópicos, talvez como tenazmente Slavoj Zizek em seu livro “Bem-vindo ao Deserto do Real” repensou a idéia de Homo Sacer de Giorgio Agamben, ao compor outra noção, a de Homo Otarius, o modo liberal dominante de subjetividade que de tanto manipular e explorar os outros, acaba sendo ele mesmo explorado.

Notas:
[1] ‘Forma de inibir o trabalho da mídia’, texto escrito por Tatiana Farah, publicado em O Globo no dia 09 de junho de 2009.
[2] Sobre a boa fé dos profissionais: “a estatal federal prejudica o trabalho jornalístico do profissional que, de boa fé, procura a empresa para checar alguns dados ou ouvir alguma contestação” (O Globo. O país. p.5, 09 de junho, 2009).

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