quinta-feira, 11 de junho de 2009

Circo Ciber e PsyOps [Sabotage]


Os fluxos de informação são estimulados por um arsenal cibernético e navegam no ambiente aeronáutico, privilegiado por excelência, trafegando sob uma estratégia Open Sky que estende sua transparência à escala atmosférica do ecossistema planetário. Pós-industriais, as sociedades de controle ou de comunicação, denunciadas por Gilles Deleuze em seu livro “Conversações”, operam máquinas informáticas, cujo perigo passivo é a interferência e o ativo é a pirataria e o vírus. Substituem-se as greves e as sabotagens [o tamanco – sabot – emperrado na máquina] por uma criação de desvios na fala e vacúolos de não-comunicação, interruptores para escapar do controle. Busca-se compreender exatamente como fugir do controle ao se criar vacúolos, desvios e interruptores de não-comunicação. De que maneira é possível interferir no condicionamento dos fluxos de informação propagados pela imprensa? A relação dos mass media com os setores federais do atual governo brasileiro investigados por suspeitas de corrupção servem-nos de motivação para essas análises geoestratégicas. Com auxílio do livro “Estratégias da Decepção” escrito por Paul Virilio, descreve-se, em primeiro lugar, uma information warfare [infowar: guerra aero-orbital] e seu arsenal informacional, em segundo, o seu experimento militar amplamente utilizado na guerra dos Bálcãs, em meados de 1990. Associam-se a esse armistício, neste mesmo período de guerra no leste europeu, instrumentos jurídicos capazes de legitimar uma guerra ilegal em escala global – o Tribunal Penal Internacional. Antes dessa análise estratégica militar, faz-se uma breve genealogia militar do setor informacional.

A cibernética, quando se uniu aos meios de telecomunicações em “tempo real”, foi capaz de deslocar a lógica da informação e sua barreira logística, isto aconteceu no final da década de 1950, com o projeto de defesa antiaéreo dos Estados Unidos, assegurando a cobertura por radar de todo o espaço norte-americano. A Força Aérea americana e o laboratório Lincoln do MIT pesquisaram um sistema de alerta (a rede SAGE – Semi Automatic Group Environment). Paul Virilio sinalizou no seu texto “A Arte do Motor”, que esse laboratório desenvolvia o whirlwind, primeiro computador funcionando em tempo real, e dedicava-se à criação de uma rede de defesa do território da América do Norte. Pari passu, no Brasil, a existência do Ministério da Aeronáutica [1941] e a criação do Centro Técnico da Aeronáutica [1946] foram os dois fatores que possibilitaram a Indústria Aeronáutica –, a EMBRAER criava aeromodelos e iniciou a produção de aeronaves em 1969, trata-se, pois do período em que o poder aeroespacial foi instaurado como um controle automatizado do espaço aéreo brasileiro, através de unidades de detecção por radar e de telecomunicações estrategicamente localizados[1]. Momento em que a internet foi criada, por um esquema realizado na década de 1960 pelos tecnólogos militares da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos [DARPA], afirmou Manuel Castells em seu livro “A Sociedade em Rede”, com o objetivo de impedir a tomada ou a destruição dos sistemas de comunicação norte-americanos pelos soviéticos, em caso de guerra nuclear.

O sistema cibernético da web foi criado, strictu sensu, para neutralizar os efeitos eletromagnéticos de uma explosão atômica, evitando um colapso geral das telecomunicações estratégicas. Era da ‘revolução informática’ e também a da desinformação. Desinformar é afogar o telespectador num oceano de informações ou de dados aparentemente contraditórios. Censura-se a verdade dos fatos pela superinformação. O Estado globalitário é babel e não a censura com a tesoura, traduz-se na impossibilidade de se ter informações corretas, há apenas propagandas. Vinte anos mais tarde, em 1996, a criação da National Imagery and Mapping Agency [NIMA] se reuniu em Fairfax na Virgínia e destinou-se a processar e distribuir imagens espaciais do Pentágono e da CIA, mas após dois anos engajou-se no controle do fluxo das imagens comerciais, ponto de passagem obrigatório das imagens civis.

Numa ‘guerra aero-orbital’ deve se considerar o caráter esférico da terra e a compressão temporal dos dados, que servem para ser travado o combate. Trata-se, sobretudo, de uma guerra econômica e publicitária, na medida em que avança metamorfoseada pela promoção de maior liberdade de comunicação, neste conflito informacional a estratégia publicitária deve ser corrigida. Em seu livro “La Publicité est-elle une arme absolute?”, o presidente da agência Jump, Michel Hébert demonstrou a necessidade de se transformar toda a cadeia de comunicação ao aliar o entretenimento visual à eficiência do mercado. A partir daí, agências de pesquisa de opinião passaram a se comportar como multinacionais da informação privada no disputado mercado mundial: a agência americana Kroll, as britânicas Control Risk e DSL, a Executive out comes sul-africana.

Na era da infowar, onde a cibernética dos sistemas domina a vida das nações em uma geopolítica global, a interceptação da informação adversa ultrapassa a simples interferência em suas emissões, afinal tende a eliminar toda a telecomunicação entre o Estado inimigo e sua própria população, independente das mensagens transmitidas serem propagandas [ativa] ou informação [passiva]. A interceptação é uma forma totalitária de ingerência midiática – é uma bomba – que substitui os argumentos e a contrapropaganda dirigida às comunidades. Supremacia aérea que ilustra a diferença midiática das imagens. A ofensiva estratégica não é a invasão ou o extermínio em massa, mas o desenvolvimento permanente de um arsenal global em que a guerra predomina graças a armamentos atmosféricos e extra-atmosféricos [aviação, mísseis e satélites]. Não se pode suprimir a bomba, decide-se suprimir o Estado, acusado de ser ‘soberanista’ e ‘nacionalista’, isentando um inovador complexo militar-industrial e científico. Imerso no mercado único, a manobra global da infowar [guerra da informação] é o lançamento de uma logística de controle cibernético do conhecimento e da “transferência de dados”, em sua dimensão militar e estratégica. Baseada na interatividade global, a infowar busca a indistinção de um ato voluntário de uma reação involuntário, ou ainda de um acidente. Ataque de uma simples falha técnica –, como no caso de um satélite de telecomunicações Galaxy IV que interrompeu, em 19 de maio de 1998, as mensagens de quarenta milhões de americanos usuários do bip, no momento em que o computador de bordo do satélite desviou ligeiramente sua posição. Foi um acidente inesperado ou um teste real da infowar?

O sistema lançado pelos Estados Unidos nos Bálcãs de uma information warfare exercia, por exemplo, um poder com três princípios básicos: a presença permanente dos satélites sobre os territórios; a transmissão em tempo real das informações; a análise veloz dos dados transmitidos aos Estados-maiores. Havia acima dos Bálcãs cinquenta satélites de todo tipo e uns vinte sistemas espaciais diferentes [radares geradores de imagem do National Reconnaissance Office (NRO); geradores ópticos de imagens; satélites de escuta de sinais eletrônicos que identificam o movimento das forças em campo; constelações de Global Positionning System (GPS) que informavam a posição dos armamentos em ação]. Há quinze mil pés, em grandes altitudes, os aparelhos de reconhecimento aéreo pilotados para evitar a defesa antiaérea sérvia, em altitude menor, os drones de reconhecimento automático. De um lado, o Pentágono resolveu privar a Iugoslávia de eletricidade por meio de um bombardeio de suas cidades, mergulhando-as na escuridão, com bombas de grafite [Bomba BLU 114.B], de outro, na Guerra do Golfo soava o alerta e as luzes de Bagdá se apagavam em seguida, mas nos conflitos de Kosovo, o agressor provocou o colapso da corrente elétrica de Belgrado. Guerra que interrompe toda a comunicação. Ingerência midiática contra os meios audiovisuais do inimigo, além de ingerência energética. Acidente integral do ecossistema energético e cibernético que determina a vitalidade das sociedades pós-industriais. Capazes de paralisar a vida das sociedades, bombas cortam a energia elétrica de uma nação, vírus e bombas lógicas ou o Bug do Milênio [Y2K] que provocam ‘chernobyl informáticos’. Determinados a provocar acidentes sistêmicos e outras reações em cadeia no campo adversário, a contaminação viral e a irradiação cibernética não explodem uma estrutura, neutralizam, entretanto, a infra-estrutura do adversário, criando pane e pânico pela interrupção de toda a atividade coerente e coordenada.

O ‘circo ciber’ que se instalou na atmosfera acima dos Bálcãs fez um cerco eletromagnético que se associou aos cortes das transmissões televisivas do satélite EUTELSAT, em 26 de maio de 1999, para calar o instrumento sérvio de propaganda, acrescente-se o lançamento do quadrimotor Hercules EC 130E, repleto de antenas direcionais e abrigo de uma central de rádio e televisão em sua fuselagem. Ao chegar à área, operadores a bordo enviam, por ondas eletromagnéticas, as mensagens pré-gravadas em servo-croata, elaboradas pelo 'departamento de operações psicológicas' de Forte Bragg, os Psy-Ops [psychological operations da infowar]: com auxílio de cinco especialistas em guerra eletrônica, entre eles pelo menos um lingüista, capaz de exercer interferência. Assim, o ‘comando solo’ distribuiu seus sinais de TV em alcance médio e suas emissões radiofônicas em centenas de quilômetros.

Afora o arsenal optoeletrônico para neutralizar o inimigo, acrescente-se sempre um instrumento jurídico para legitimar as linhas de combate. O Tribunal Penal Internacional [TPI] e a Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] são contemporâneos em seu uso político generalizado, a partir da década de 1990, respectivamente no mundo e no Brasil, mas esses dispositivos são semelhantes por parecem montagens judiciárias encarregadas de legitimar às pressas uma guerra ilegal, mas para justificar a sua existência, geralmente, eles têm que abrir ‘pequenos processos’ sem possuir, contudo, os meios de interpelar os supostos culpados. Numa massa disforme de opiniões flutuantes, questiona-se como um tipo de agressão é julgado criminoso [como no caso do líder sérvio Slobodan Milosevic] enquanto o outro [high tech da OTAN] não merece ser levado em consideração. Talvez existam guerras justas, mas nunca há exércitos inocentes.

Notas:
[1] “Os Transportes no Atual Desenvolvimento do Brasil” é um livro coordenado pelo Gen. João Baptista Peixoto, que traz informações a respeito da produção tecnológica do setor aeroespacial no Brasil.

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