sexta-feira, 19 de junho de 2009

Sufrágio na Era dos Piquetes


Sabe-se que o sufrágio universaliza as políticas nacionais e norteia a geopolítica mundial. Há partidos mais nacionalistas e outros mais liberais. Os mais liberais estão articulados exclusivamente ao capital internacional, mas os nacionalistas também estão, porém de modo singular. Os partidos liberais deixam, em geral, os interesses nacionais pelos globais. A ‘globalização’ como um processo econômico, aliada à tecnologia da informação[1], foi um resultado dessa dissimetria de interesses, que reorganizou o mundo nas décadas de 1980-90. Comprometer-se com o capital financeiro via endividamento[2]; privatizar estatais; terceirizar os contratos de trabalho[3]; ‘flexibilizar’ o processo produtivo[4] e instituir a ‘guerra dos lugares’[5] são algumas práticas que caracterizaram esse período, além de reconhecer os EUA como superpotência mundial em concorrência com os soviéticos. No final da década de 1990 e na primeira do século XXI, contudo os interesses nacionais tornaram-se evidentes, como não poderia ser diferente ‘após essa onda neoliberal’. Na América Latina e no Oriente Médio, pontos estratégicos da geopolítica mundial, os interesses nacionais afetaram a população e foram eleitos representantes nacionalistas. No final da II Guerra Mundial a década de 1970, após a descolonização da África e da Ásia, os interesses nacionalistas estavam latentes e foram mobilizados por resistências, guerrilhas e insurgências como, por exemplo, na Argélia, na Índia e, não sem o festival bélico e a interferência de interesses norte-americanos, no Vietnã e na Coréia. O que Frantz Fanon indicou em seu livro “Os Condenados da Terra” não foi apenas o processo de tomada do Estado por países do Terceiro Mundo, mas principalmente a insatisfação da população em relação a essas ‘correntes nacionalistas’, tanto por ser representadas pelas elites das nações recém-independentes como mantinham privilegiados os interesses internacionais. O fracasso do regime nacionalista no Terceiro Mundo foi percebido muito antes da queda do muro de Berlim.

O fracasso desses nacionalismos no Terceiro Mundo resultou, de um lado, na instauração da democracia em países que estavam sob um nacionalismo autoritário, de outro lado, na derrota eleitoral desses nacionalismos. Globalmente identificados e analisados através das revoluções de maio de 1968[6], enfim dois problemas se impuseram à constituição política terceiro-mundista: [1] tornarem-se independentes da colonização européia; [2] reconhecerem a elite nacionalista como mantenedora do capital estrangeiro. Não tardou para que uma ‘onda neoliberal’ se espalhasse por grande parte do Terceiro Mundo, no Brasil esse momento coincidiu com redemocratização do país e mais especificamente a partir do governo Collor de Melo, mas ganhou uma racionalidade mais intensa com as políticas econômicas de FHC. De meados da década de 1980 ao início do século XXI populações inteiras experimentaram as políticas neoliberais. O que aconteceu, entretanto, foi um retraimento dessas políticas especulativas e um novo ‘nacionalismo’ foi edificado como contraproposta, seja culminando no autoritarismo como na Venezuela, seja trabalhista como no Brasil, seja camponês como na Bolívia, seja religioso como no Irã. Atualmente, na Venezuela, na Bolívia e no Irã os oposicionistas neoliberais foram às ruas e a imprensa teve muitos problemas para permanecerem nos momentos de piquete[7], eles acusam seus adversários por lesarem o processo eleitoral. Nessa matemática eles não acreditam, em suma, que perdem. O que acontecerá no Brasil se há urna eletrônica?
Notas:
[1] As relações estabelecidas pela doutrina neoliberal entre a Globalização e as suas tecnologias cibernéticas foram analisadas por Manuel Castells em seu livro “A Sociedade em Rede”.
[2] David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo” descreveu o neoliberalismo através da acumulação do capital via espoliação, isto é, um conjunto de práticas que promoveram o endividamento de nações terceiro-mundistas em proveito dos países mais ricos do mundo.
[3] O endividamento, a privatização e a terceirização como elementos da economia neoliberal nos países periféricos ao longo do século XX e a supremacia das instituições internacionais de poder econômico como o FMI, o Banco Mundial e a OMC são algumas das questões que estão contidas no livro “A Globalização da Pobreza” de Michel Chossudovsky.
[4] A flexibilidade do trabalho por meio das novas tecnologias de comunicação [informáticos e telemáticos] permite o trabalho domiciliar, o que possibilitou Richard Sennett desenvolver a concepção de ‘flexitempo’ em seu livro “A Corrosão do Caráter”.
[5] No período neoliberal, a diminuição dos impostos, a mão-de-obra barata, a localização privilegiada em relação à produção dos recursos são alguns itens que inserem as cidades na luta concorrencial para implantação de empresas em seus parques industriais, em geral, multinacionais, assim, o conceito de “guerra dos lugares” foi concebido por Milton Santos e María Laura Silveira, mais aproximado da realidade brasileira no livro “O Brasil e Sociedade no início do século XXI”.
[6] Contrários a hegemonia norte-americana e ao conluio soviético, Immanuel Wallerstein em seu livro “O Declínio do Poder Americano” demonstrou que os revolucionários de 1968 condenavam a ‘velha esquerda’ como problema e não como solução.
[7] Realizados atualmente e em proveito de interesses externos, esses ‘piquetes democráticos’ parecem ter por influência movimentos que lhes contradiziam há décadas atrás, nos períodos em que neoliberalismo estava no poder. Por exemplo, o movimento dos ‘piqueteiros’ argentinos definidos por Michael Hardt e Antonio Negri, em seu livro “Multidão”, por manifestação de trabalhadores desempregados que funcionavam com sindicatos militantes e politizados dos desempregados.

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