domingo, 14 de junho de 2009

Pilhagem e Diatribe no Atlântico-Sul


Os
revides
neoliberais
se sucedem
na América
Latina, seja
no contragolpe à liderança de Hugo Chávez e, com efeito, à nacionalização do petróleo venezuelano – desde a instauração da Revolução Bolivariana no fim do último século –, seja na diatribe da oposição em relação às denúncias de corrupção na Petrobras e na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis [ANP], estatais experientes em explorações em águas profundas e ultra-profundas, recentemente encontraram gás natural e petróleo no litoral brasileiro: o 'pré-sal'. As queixas dos neoliberais em relação à estatização do petróleo na América Latina têm se transformado em verdadeira estratégia eleitoral tanto na Venezuela, com iniciativas de golpes de Estado, quanto parece ser no Brasil, pelo que se observa para as próximas eleições. O 'anti-populismo' e a 'diatribe' que se proliferaram das campanhas oposicionistas venezuelanas nos últimos anos serão analisadas através do discurso de Michael Reid em seu livro “O Continente Esquecido”, enquanto as práticas neoliberais de pilhagem dos recursos naturais na América Latina, lucrativas e intactas ao longo do século XX, aprofundando-se no período da Guerra Fria, partem das análises feitas por Eduardo Galeano em “As Veias Abertas da América Latina”. Trata-se então de ilustrar a prática econômica neoliberal em relação aos recursos naturais latino-americanos no período pós-guerra, através da verdadeira pilhagem nas minas de ferro brasileiras e nos poços de petróleo venezuelanos. Período em que se consolidou o “neoliberalismo americano”, que se opôs à existência do New Deal de Roosevelt no início da década de 1930, grosso modo, às políticas keynesianas; ao plano Beveridge e a todos os projetos de intervencionismo social-econômico elaborados durante as guerras; a todos os programas sociais desenvolvidos na América da administração Truman à administração Johnson. Desde a década de 1950 os norte-americanos importavam cobre, zinco, bauxita, sem a qual não se fabrica alumínio e, principalmente, petróleo. Essa dependência norte-americana crescente de fornecimentos externos identificava-se aos interesses capitalistas nos vastos recursos minerais da América Latina.

No Brasil, as jazidas de ferro do vale do Paraopeba derrubaram dois presidentes [Jânio Quadros e João Goulart], antes que o presidente marechal Castelo Branco as cedesse a Hanna Mining Co., em 1964. O presidente Eurico Gaspar Dutra [1946-51] havia concedido à Bethlehem Steel, anos antes, quarenta milhões de toneladas de manganês no Amapá, por irrisórios 1,4% das rendas de exportação para o Estado. Foi assinado em 1952 um acordo militar com os Estados Unidos que proibia o Brasil de vender matérias-primas de valor estratégico – principalmente o ferro, utilizado em armamentos – aos países socialistas. Getúlio Vargas desobedeceu, contudo, este pacto e vendeu ferro, entre 1953 e 1954, para a Tchecoslováquia e Polônia por preços mais elevados que os pagos pelos EUA. Em 1957, a Hanna Mining Co. comprou a maioria das ações da Saint John Mining Co., empresa britânica que se dedicava à extração de ouro em Minas Gerais desde o tempo do império. A Saint John Mining Co. operava no vale do Paraopeba, onde havia a maior concentração de ferro do mundo, avaliada em 200 bilhões de dólares. O negócio do século. Diversas pressões se desencadearam sobre os sucessivos presidentes do Brasil, a partir de então, executivos da Hanna tornaram-se membros do governo brasileiro. Foi um bombardeio intenso para reconhecer à Hanna o direito de explorar o minério que era, a rigor, do Estado. Em 21 de agosto de 1961, Jânio Quadros tentou anular as ilegais autorizações à Hanna, ao restituir as reservas nacionais. Quatro dias depois, ministros militares obrigaram Jânio Quadros a renunciar. Até o golpe de 1964 eclodir e homens da Hanna ocuparem cargos no governo autoritário, em vários ministérios. Todo o ferro foi entregue a Hanna, enquanto a US Steel se associava, com 49% das ações, à Cia. Vale do Rio Doce, transformando-se apenas em um codinome da empresa estrangeira, além das concessões recebidas para exploração na serra dos Carajás, na Amazônia[1].

O negócio do petróleo esteve nas mãos de um cartel nascido em 1928 na Escócia, a Standard Oil [New Jersey], a Shell e a Anglo-Iranian [Britsh Petroleum] colocaram o mundo capitalista sob um acordo de divisão do planeta, outras empresas aliaram-se ao cartel, como a Gulf e a Texaco. O petróleo na América Latina provocou, neste sentido, golpes de Estado e desencadeou a guerra do Chaco [1932-35] entre bolivianos e paraguaios. A primeira refinaria estatal latino-americana foi a uruguaia ANCAP [Administração Nacional de Combustíveis, Álcool e Portland], inaugurada em 1931. O chefe do Conselho Nacional de Petróleo do Brasil, na época, general Horta Barbosa, viajou para Montevidéu e se entusiasmou com a ANCAP, assim a Petrobras iniciou suas operações em 1953. Certamente, a Petrobras foi mutilada no Brasil, por um lado, o cartel [Esso, Shell e Atlantic] passou a distribuir a gasolina, lubrificantes e diversos fluidos, por outro lado, a indústria petroquímica foi desnacionalizada pelo governo de Castelo Branco. A iniciativa privada nunca se ocupou livremente do petróleo brasileiro antes de 1953, um caso ilustra a relação do cartel com a exploração de petróleo no Brasil: em novembro de 1960, o estado do Sergipe passaria à vanguarda da produção de petróleo, mas em agosto do mesmo ano, Walter Link recebeu meio milhão de dólares para analisar a espessura sedimentar do estado, ex-geólogo [típico condottieri] da Standard Oil de New Jersey, rebaixou para nível C, como inexpressivo, depois, soube-se que era nível A. Ele trabalhava como agente da Standard, resolvido a não encontrar petróleo no Brasil, assim o país continuaria dependente da filial Rockefeller na Venezuela.

No período da guerra fria, praticamente a metade dos lucros norte-americanos na América Latina provinham da Venezuela, sua maior exportadora de petróleo. Caracas chegou a crescer sete vezes em trinta anos, arranha-céus subiram junto com torres de petróleo no Lago Marabaico. Três milhões e meio de barris de petróleo eram produzidos por dia, na década de 1970, com a cifra de setenta milhões de dólares anuas em média, confessos como renda do capital estrangeiro. A Venezuela foi explorada intensamente, a despeito de crescer em média 6% a.a., entre 1920-1980, até que, no final da década de 1990, Hugo Chávez ganhou as eleições. Ressalta-se toda uma trama política que envolveu a presidência de Hugo Chávez: da posse de Carlos Andrés Perez ao caracazo em 1998, como antecedentes do golpe militar bolivariano. Proliferou-se um discurso anti-populista da oposição que se beneficiava da pilhagem do petróleo e da privatização dos meios de produção. Com o alvo da corrupção, toda uma diatribe neoliberal se manifestou, mas agora como excluídos do exercício do poder sobre os recursos naturais nacionalizados. Torna-se necessário repensar o “Plano Bolívar 2000” como paradigma político ou estratégia geral da oposição a respeito do controle privado do petróleo latino-americano a partir de apenas dois aspectos: [1] Quando Chávez ousou demitir o Conselho de Administração da Petróleos Venezuela [PdVSA], a companhia petrolífera estatal, ele acusou a PdVSA de ter promovido um Estado dentro do Estado, agindo em nome de seus próprios interesses e não dos interesses venezuelanos. Os eventos que se sucederam, em abril de 2002, estabeleceram uma crise ao ponto de o comando do exército pedir a renúncia de Chávez; [2] passado crise, greves, manifestações da oposição, referendos, eleições, Hugo Chávez criou novos programas sociais, “as missões”, fornecendo aos pobres os serviços que antes não estavam disponíveis, acusado pela oposição por fazê-lo de forma clientelista, como um Estado Paralelo que só prestava contas a Chávez. Com o intuito de conservar as velhas práticas de pilhagem, a oposição prenhe de interesses privatistas e liberais não conseguiu criar pânico e instabilidade na Venezuela, ela saiu enfraquecida, afinal, muito recentemente, em janeiro de 2007, Hugo Chávez não só ganhava mais um mandato como nacionalizou uma das principais empresas de telecomunicações – a CANTV, com 28,5% de participação americana. Os resultados obtidos com a Venezuela servem-nos de um ensaio geoestratégico para a atuação do próximo conflito entre oposição e governo nas eleições de 2010. Sobre a Petrobras uma diatribe se espraia semelhantemente, em primeiro lugar, as queixas de Chávez à empresa estatal venezuelana, sobre a criação de um Estado dentro de outro Estado, associadas ao paradoxo da "Petrobras é do Brasil ou o Brasil é da Petrobrás”, quando os interesses da empresa são diferentes dos interesses do país; em segundo lugar, as práticas de corrupção dos projetos sociais são denunciadas pelos opositores da Revolução Bolivariana, da mesma forma em que os opositores do governo Lula levantaram suspeitas de corrupção na Petrobras, com ênfase nos gastos com propagandas e patrocínios.

Não se consideram tanto as diferenças entre as práticas políticas que irradiam de Hugo Chávez e o campo de forças que estão se constituindo no setor petroquímico estatal do governo petista “Brasil para todos”. Trata-se de uma análise “estratégica”, no lugar de uma análise “dialética”, ou seja, aquilo que Michel Foucault distinguiu, em seu livro “Nascimento da Biopolítica”, como 'lógica da dialética' [termos contraditórios num elemento homogêneo] e como 'lógica da estratégia' [conexões entre termos díspares, heterogêneos]. Certamente, na atualidade, os negócios petrolíferos latino-americanos mais atraentes são os poços venezuelanos e a alta tecnologia da Petrobras, em termos de nacionalização, por enquanto, os primeiros já foram salvos. Resta saber no Brasil quais serão as estratégias tomadas neste campo de batalhas, da exploração petrolífera, que chegam a depor, em período de forças hegemônicas, presidentes eleitos democraticamente. Porém, este período de crise econômica nos países desenvolvidos [EUA, Comunidade Européia e Japão], isto é, momento inegável de recessão do capitalismo que pode acabar por forçar os neoliberais a projetarem a sua própria imagem corrupta sobre os negócios petrolíferos, num oceano de denúncias, dentre suspeitas e certezas, talvez se soçobrem apenas dúvidas, isto é, onde havia bombas só restem fogos de artifícios.


Notas:
[1]Eduardo Galeano afirmou em “Veias Abertas da América Latina” que “a imperiosa necessidade de materiais estratégicos, imprescindíveis para salvaguardar o poder militar e atômico dos Estados Unidos, está claramente vinculada à maciça compra de terras, por meios geralmente fraudulentos, na Amazônia brasileira. Na década de 1960, numerosas empresas norte-americanas [...] lançaram-se num rush febril sobre esta selva gigantesca. Previamente, em virtude do acordo firmado em 1964, os aviões da Força Aérea dos Estados Unidos haviam sobrevoado e fotografado a região. Utilizaram equipamentos de cintilômetros para detectar jazidas de minerais radioativos pela emissão de ondas de luz de intensidade variável, electromagnetômetros, para radiografar o subsolo rico em minerais não ferrosos, e magnetrômetros para descobrir e medir o ferro. Os informes e as fotografias obtidas no levantamento da extensão e profundidade das riquezas secretas da Amazônia foram postos em mãos de empresas privadas”.

Um comentário:

MadXWal disse...

Correção,a renda que a Betlehem Stell passava ao estado era de 4%, não 1,4%

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