sábado, 20 de junho de 2009

Commodities, Company Town e Fair Trade


Maior reserva territorial da sociedade brasileira, a Amazônia é um dos últimos grandes espaços pouco povoados do planeta, embora sua biodiversidade e seu equilíbrio ecológico regionais tornem seu desenvolvimento ainda um desafio científico e estratégico. Principalmente porque a mineração exerceu o papel de estruturador [desestruturador e reestruturador] de espaços na Amazônia brasileira. A ampliação dos mercados indiano e chinês tornou evidente a expansão econômica contemporânea das commodities, ou seja, mercadorias cujos preços se determinam em dólares pelo mercado mundial, mas tem efeitos concretos socioambientais à escala local. Constata-se, porém, que a velocidade de circulação dos minerais não promoveram grandes mudanças rumo à integração regional da Amazônia oriental brasileira. Em que medida, então, os corredores de mineração amazônicos dinamizaram e integraram as economias locais?

As ‘rotas’ ou ‘corredores-fronteira’ pouco acionaram uma integração das vias de circulação mineral com os lugares situados ao longo do seu percurso. Quatro desses corredores minerais amazônicos foram examinados por Maria Célia Nunes Coelho em seu artigo “Commodities Minerais e a Permanência do Padrão Corredor-Fronteira na Amazônia Oriental”:

1] o corredor da extração e circulação do manganês no corredor da serra do Navio ao Porto Santana no Amapá: corredor estagnado, sem dinamismo, com baixa integração regional, percebe-se um ex-espaço funcional;

2] o corredor da extração da bauxita-alumina e alumínio no corredor de Trombetas ao baixo curso do rio Amazonas; percorrido por navios graneleiros de até 60 toneladas, com baixa integração regional, espaço funcional;

3] extração do ferro no corredor de Carajás [PA] aos portos de Madeira e Itaqui [MA]: corredor-estruturante e inclui uma ferrovia que tende a diversificar os transportes, espaço multipolar em processo de formação, média integração regional;

4] corredor de extração do caulim e, futuramente, bauxita no rio Capim em Ipixuna do Pará: formado por dutos subterrâneos com baixa integração regional, espaço unipolar, estruturado pelo Distrito Industrial de Barcarena.

Percebe-se, em alguns corredores, o padrão norte-americano de construção de company town – vilas dotadas de rede de esgoto, água potável, energia elétrica e tratamento de lixo. O Núcleo Urbano de Carajás seguiu o modelo company town de Serra do Navio no Amapá e da Mineração Rio Norte [MRN] no vale do rio Trombetas [Pará], assim como os pequenos núcleos residenciais em Parauapebas, Marabá, Nova Vida, Monte Alegre, Pequiá e Santa Inês. Idealizou-se, contudo, construir um ‘cinturão de proteção’ em volta das concessões de explorações minerais de Carajás pela Companhia Vale do rio Doce [CVRD], conforme o artigo escrito por Maria Célia Nunes Coelho intitulado “Reflexões a Propósito do Futuro dos Assentamentos e das Populações Quilombolas em Áreas de Mineração da Amazônia Oriental”. O IBAMA obteve a permissão para a criação de unidades de conservação no entorno de uma área no sudeste do Pará, em áreas dos municípios de Parauapebas e Oriximiná.

Primeiramente, com a criação das unidades de conservação em torno da Província Mineral de Carajás, a estratégia de fechamento do ‘cinturão de proteção’ no entorno da mineração foi ainda mais favorecida, porque a área de concessão de concessão de uso da CVRD limita-se a oeste com a reserva dos índios Xickrin do Cateté. Em segundo lugar, após o Massacre de Eldorado de Carajás, o governo acelerou os assentamentos no sudeste do Pará, Marabá concentrou 60% deles, entre 1997 a 2001. Enfim, em terceiro lugar, antes da atividade mineradora avançar para o médio e baixo vale do rio Trombetas, no município Oriximiná, uma população de negros [descendentes e ex-escravos] vivia da exploração da castanha-do-pará, da extração de óleos vegetais, da lavoura de subsistência e da pesca. Área de mineração de bauxita concedida a MRN, onde foram criadas a Reserva Biológica do Rio Trombetas em 1979 e a Floresta Nacional Saracá-Taquera em 1989, uma estratégia adotada foi a do ‘cinturão de proteção’, com 27 comunidades rurais, sendo que 11 eram remanescentes de quilombos e estavam situadas nestas áreas de conservação ambiental federais.

Não se trata apenas de distribuir assentamentos para pequenos grupos em cinturões verdes, mas torna-se preciso organizá-los economicamente. De que maneira pode-se enunciar um modelo economicamente viável aos moradores e pequenos produtores amazônicos? Trata-se do ‘comércio justo’ que pode ser mais bem examinado a partir do chamado fair trade que objetivava, para Beat Grüninger e Alex Uriarte em seu artigo “Fair Trade: uma introdução e algumas considerações”, auxiliar pequenos produtores pobres e isolados comercialmente, mobilizando instituições filantrópicas e de consumidores a inserir esses produtos no mercado. Deste modo, o ‘comércio justo’ é uma parceria entre produtores e consumidores, que trabalham para ultrapassar as dificuldades encontradas na produção, a fim de aumentar seu acesso ao mercado e promover o desenvolvimento sustentado.

A dimensão política e ambiental acrescenta-se ao ‘comércio justo’, incentivando formas de empoderamento dos agricultores familiares, trabalhadores assalariados e produtores, que estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional do comércio. Jacob Binsztok escreveu, em seu artigo “Agricultura Familiar, Associativismo, Cafeicultura Orgânica e Comércio Justo na Amazônia”, sobre as formas de empoderamento em Rondônia, que prioriza a inserção de gênero, mas abrange os jovens agricultores e os agricultores de terceira idade, ao reservar a essas categorias cerca de 10 a 30% dos cargos de diretorias dos sindicatos filiados a Federação dos Trabalhadores de Agricultura do Estado de Rondônia [FETAGRO]. A proposta do ‘comércio justo’ engloba ações para erradicação do trabalho escravo e infantil; preservação do meio ambiente e eliminação das discriminações; eliminação da intermediação comercial especulativa e garantia ao pagamento justo aos pequenos produtores. A partir da década de 1990, o Estado tomava uma série de medidas que se sucederam com a criação do IBAMA [1989] e do Ministério do Meio Ambiente, além de dois programas cruciais para a Amazônia: a) o Programa Nacional do Meio Ambiente [PNMA 1990/91] e o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil [PPi 1990/91]. O PNMA e PPi são instrumentos de desregulação no Brasil, mesmo sendo voltados para a preservação dos recursos genéticos, neles são enfatizadas as participações das ONGs. Trata-se de uma nova parceria e planejamento fundados na aliança entre ONGs, grandes bancos e o Governo Federal, além dos sindicatos e empresas privadas, que se voltam recentemente para o setor.

O estímulo à desregulação se manifesta, entretanto, territorialmente, por dois fatos: Novos Recortes Territoriais – que correspondem à multiplicação de vários tipos de áreas reservadas e projetos comunitários; Novos Atores – as ONGs competem ou complementam a burocracia estatal com recursos externos ou fundações internas para a definição da política territorial. A associação dos recortes territoriais com as ONGs, sindicatos e comunidades revela a transição territorial na Amazônia, em suma, ou prioriza-se a desregulação associada ao desenvolvimento sustentado e mais democrático ou, pelo contrário, incentiva-se mais ainda à fragmentação.
Será que atualmente as estratégias escolhidas para o ordenamento territorial amazônico são diferentes às que impulsionam a ‘desregulação’ e a ‘fragmentação’? Em busca de maior regulação, talvez, estrategicamente, o caminho dos ‘cinturões verdes’ sob uma produção em ‘economia justa’ seja o único capaz de minimizar os impactos ambientais e econômicos dos corredores minerais e, principalmente, o impacto do controle político exercido pelo ‘terceiro setor’.

Nenhum comentário:

Postar um comentário