quarta-feira, 2 de setembro de 2009

City of Quartz - L.A. [Edge city]


O destino de Los Angeles foi o de garantir a segurança da costa do Pacífico, o que define sua urbanização dispersa. Desde sua criação como El Pueblo de Nuestra Señora La Reina de Los Angeles de Porciuncula, em 1781, passando por sua acirrada concorrência com San Francisco pela hegemonia comercial e financeira, até a sequência desdobrada de guerras, não deixam de ser esforços para Los Angeles garantir o Pacífico. Destaca-se o Círculo de Sessenta Milhas que corta a costa sul na fronteira entre os condados de Orange e San Diego, perto de um dos principais postos de verificação para interceptar e regulamentar o fluxo de imigrantes que rumam para o norte. Os centros militares de resistência e segurança em Los Angeles distribuíam-se, em meado da década de 1980:

[1] o bastião nº 1 era a Base Naval de Camp Pendleton, cujos membros ajudaram a construir um complexo de alta tecnologia no norte do Condado de San Diego; [2] depois de sobrevoar os urzedos de Camp Pendleton, da Floresta Nacional de Cleveland, e do vital Aqueduto do Rio Colorado, que capta as águas vindas do leste, aterrissa-se no bastião nº 2, a Base Aérea March, adjacente a cidade de Riverside. O interior de March constituía um acessível posto avançado para o itinerante Comando Aéreo Estratégico; [3] a partir de um salto sobre Sunnymead, as montanhas Box Spring e Redlands levariam ao bastião nº 3, a Base Aérea Norton, junto à cidade de San Bernardino e logo ao sul da Reserva Indígena de San Manuel, quase deserta; [4] perto de Victorville encontrar-se-ia o bastião nº 4, a Base Aérea George, especializada em defesa e interceptação aérea; [5] levados através do seco Lago de Miragem até a gigantesca Base Aérea Edwards, o bastião nº 5, sede da NASA e das atividades de pesquisa e desenvolvimento da Força Aérea Norte-Americana, além de campo de pouso para ônibus espaciais. Estendendo-se para o sul ficava um corredor aeroespacial de Lancaster ao Aeroporto de Palmdale e à Fábrica 42 da Força Aérea, que atendiam à função histórica da base Edwards, servindo de campo de testes para caças e bombardeiros avançados; [6] o trecho seguinte é o mais sereno, sobrevoa o Vale dos Antílopes e o Aqueduto de Los Angeles, a Interestadual 5, uma longa faixa da Floresta Nacional de Los Padres e a Reserva do Condor Selvagem, chegando à cidade de Ojai e novamente ao Pacífico, na missão de San Buenaventura, no Condado de Ventura. Algumas milhas dali fica o bastião nº 6, um complexo que consistia na Base Aérea de Oxnard, que foi desativada, mas no Centro do Batalhão de Construção Naval do Porto de Hueneme e, acima de tudo, no Centro Naval de Mísseis Aéreos da Ponta Mugu.

Trata-se, sobretudo de uma extraordinária descoberta da produção industrial de Los Angeles, a partir da década de 1980, o Círculo de Sessenta Milhas possuiu um pólo de crescimento industrial: petróleo, laranjas, filmes e voos. Desde 1930, Los Angeles liderou todas as outras áreas metropolitanas dos EUA. No último meio século nenhuma outra área recebeu tantas verbas federais quanto Los Angeles, por meio do Ministério da Defesa e de projetos federais de subsídio ao consumo suburbano, ao desenvolvimento de habitação, transportes, abastecimento de água. Desde 1929 Los Angeles tornou-se uma cidade-prototípica: a ‘cidade estatal keynesiana’, demonstrando sua capacidade de multiplicar as verbas públicas investidas em sua paisagem econômica de destaque, segundo Edward W. Soja em seu livro “Geografias Pós-Modernas”, a Los Angeles da década de 1990 passou a se assemelhar, contudo a uma aglomeração gigantesca de parques temáticos, um espaço vital composto por Disneyworlds.

Los Angeles em um campo dividido em vitrinas de culturas de aldeia global e paisagens miméticas norte-americanas, centros comerciais que ‘vendiam de um tudo’ nas engenhosas ruas principais, reinos mágicos patrocinados por empresas, protótipos experimentais de comunidades do futuro, baseadas na alta tecnologia e lugares de repouso, de recreação, todos ajudavam a esconder com habilidade as esferas de atividade e os processos de trabalho que ajudaram a mantê-los juntos. Acontece que a era da informação introduziu uma nova forma urbana, a cidade informacional, de acordo com Manuel Castells em seu livro “A Sociedade em Rede” que, do mesmo modo que a cidade industrial não foi uma réplica de Manchester, a cidade informacional não será uma cópia do Vale do Silício, muito menos de Los Angeles.

Joel Garreau captou o núcleo de um novo processo de urbanização, as Edge City, que seriam qualquer lugar que: [a] teria 465 mil metros quadrados ou mais de espaço com escritórios de aluguel; [b] teria 56 mil metros quadrados ou mais de espaço para ser alugado por lojas varejistas; [c] teria mais empregos que dormitórios; [d] fosse percebido pela população como um lugar; [e] não se parecesse com uma ‘cidade’ de pelos menos cinquenta anos atrás. Destaca-se a proliferação desses lugares, a partir da década de 1990, ao redor do sul da Califórnia, da área da Baía de São Francisco, de Boston, Nova York, Detroit, Atlanta, Phoenix, Texas e Washington D.C. – são áreas de trabalho e centros de serviços ao redor dos quais quilômetros de unidades residenciais cada vez mais densas e de uma só família se ordenam numa vida particular centrada na casa. Percebem-se verdadeiras constelações que são ligadas nas áreas metropolitanas, não por trens ou por metrôs, mas por auto-estradas, corredores de acesso a aviões e antenas parabólicas de 9 metros de diâmetro nos terraços dos prédios. Fluxos de intercâmbio ainda não deixam de ser os componentes essenciais dessa espécie de Edge City [Cidade às Margens] norte-americana.

O perfil da Cidade Informacional norte-americana não é totalmente representado pelo fenômeno da ‘Edge City’, mas pela relação entre o desenvolvimento rápido das áreas metropolitanas, decadência dos centros das cidades e obsolescência do ambiente construído nos subúrbios. O ‘centro empresarial’ tornou-se o motor econômico da cidade em rede acionado à economia global e se baseia numa infra-estrutura de telecomunicações, comunicações, serviços avançados e espaços para escritórios baseados em centros geradores de tecnologia e instituições educacionais. O centro empresarial conta com os processamentos de informação e com as funções de controle para prosperar, em geral, completam-se por instalações de turismo e viagens. O centro empresarial é um nó da rede intermetropolitana, megacidade que se atribui o papel superior de dirigir, produzir e administrar por todo o planeta; o controle da mídia; a verdadeira política do poder; e a capacidade simbólica de criar e difundir mensagens. Elas têm nomes: Los Angeles, Tóquio, São Paulo, Nova York, Cidade do México, Xangai, Bombaim, Buenos Aires, Seul, Pequim, Rio de Janeiro, Calcutá, Osaka.

Mar Territorial e Águas Interioranas [EUA]


Dando para quatro corpos aquáticos importantes [os oceanos Atlântico, Pacífico e Ártico, além do Golfo do México] os mares marginais são importantes para os Estados Unidos por causa de seus vários recursos, o uso que delas faz a navegação costeira e exterior e a sua função defensiva contra ataques de além-mar. O contorno litorâneo dos EUA estende-se por mais de 1.800 km, dos quais mais da metade se situa no Alaska, 40 por cento estão nos EUA e cinco por cento no Havaí. Ao longo da costa acidentada da Nova Inglaterra, por exemplo, o povo em época remota se voltou para o mar, desenvolvendo a pesca e as atividades de navegação e construindo fortes para fins de defesa.

Uma das mais importantes características físicas do litoral dos Estados Unidos não deixa de ser a sua ‘plataforma continental’ – a rasa plataforma submarina que se inclina gradativamente, avançando a partir da costa. A largura da plataforma continental varia consideravelmente fora dos EUA, girando de umas poucas milhas a dez, em partes do litoral californiano, e a até 250 milhas ao norte da Flórida, chegando a quase mil milhas na costa ocidental do Alasca. Vários litorais ofereciam particulares oportunidades para uso de recursos marinhos, sob a forma de praias arenosas, baías naturais, promontórios rochosos, proximidade de ricas zonas piscosas, conforme Lewis M. Alexander em seu artigo no livro “Geografia Humana nos Estados Unidos”. Os EUA reconheceram certas classificações de águas ao longo de suas costas. Enseadas, baías, embocaduras de rios eram classificadas como ‘águas interioranas’, sobre as quais a nação teria soberania absoluta. Além das águas interioranas estariam o ‘mar territorial’, sobre o qual a nação também possuía soberania.

A natureza do contorno litorâneo dos EUA é relevante por causa de sua relação com a ‘orientação marinha’ dos habitantes litorâneos e por causa de seu uso como base para medição de zonas de jurisdição nacional em águas territoriais. Essa ‘orientação marinha’ refere-se às atitudes das populações litorâneas em relação ao mar, o uso que fazem de seus recursos e seus investimentos marinhos em termos de capital, educação e controles legislativos. Entre os usos que se fizeram das áreas litorâneas e das águas territoriais norte-americanas, até a década de 1970, os dois mais importantes economicamente eram a pesca e a extração de petróleo:

[1] A pesca comercial nos EUA rendia em torno de 400 milhões de dólares anuais e mais de 100.000 pescadores foram empregados em regime de tempo integral pela indústria, há uns trinta anos atrás. Havia cinco principais áreas de pesca ao largo dos EUA, a área da Nova Inglaterra [eglefim, bacalhau, pescada], Grand e Sable Banks do Canadá [pesca oceânica], Georges Bank ao largo de Cape Cod, os mariscos foram muito importante nessa economia pesqueira, particularmente os mexilhões e lagostas. Embora o capital investido e a tecnologia, que transformaram a economia norte-americana durante tantas décadas até 1970, tiveram pouco efeito na indústria pesqueira.

[2] A situação no tocante à indústria de petróleo foi diferente. O índice de investimento de capital em perfurações ao longo da costa chegou à mais de um milhão de dólares por dia, e centenas de poços operavam na plataforma continental. Ao longo da costa de Louisiana situou-se a área produtora de petróleo mais importante. Uma área menor ficava ao sul da Califórnia, poços produtores surgiram ao longo da costa do Texas. Este foi o período em que se iniciaram as explorações ao largo da Flórida ocidental, de Oregon e de Washington, bem como em Cook Intel, Alasca. Estimava-se que um terço das reservas comprovadas dos EUA estava situado na ‘plataforma continental’.

Sobre as águas interioranas, destaca-se a Bacia do Rio Meramec no Meio-Oeste norte-americano: uma bacia fluvial de cerca de cem por cinquenta milhas, que se estende dos arrabaldes de St. Louis, no Missouri, às montanhas de Ozark. A zona é coberta por florestas, em sua maior parte de altiplano, e é uma das regiões mais desertas, em termos demográficos, na metade leste dos Estados Unidos, assemelhando-se aos Adirondacks ou à península superior de Michigan; no entanto, fica a oitenta quilômetros apenas de uma área metropolitana de dois milhões de pessoas, na década de 1970, de acordo com Edward L. Ullman em seu artigo “Predição e Teoria Geográficas: Avaliação dos Benefícios de Recreação na Bacia do Meramec”. Precedida por um longo período de agricultura. A destruição dessas florestas tornou-se um fenômeno muito antigo, a tal ponto que já não existe mais na Europa nenhum bosque caducifólio original, o mesmo ocorre nos EUA, bem como as florestas de coníferas que foram um dos biomas mais explorados em toda a Terra para a produção de energia, tal como José Bueno Conti e Sueli Angelo Furlan questionaram em seu texto “Geoecologia: O Clima, os Solos e a Biota”.

Historicamente, as cidades que constituíam o Cinturão Industrial Americano surgiram como um grupo particularmente grande durante o período da Predominância Ferroviária que, de algum modo, envolveu o Meio-Oeste norte-americano. Estas cidades se localizavam dentro de uma área limitada a oeste por uma linha que ia de Milwaukee e Chicago a St. Louis; a leste, do sul de Nova Inglaterra a Washington, segundo Edward J. Taafe em seu artigo “A Rede de Transporte e a Paisagem Americana em Mutação”. De todo modo, a partir da década de 1960, a área do Meio-Oeste agrícola abrangia o Ohio ocidental, a maior parte de Indiana e Illinois, as partes meridionais de Michigan, Wisconsin e Minesotta, todo o Iowa, o Missouri setentrional, o nordeste do Kansas e áreas de Nebraska orienta, Dakota do Sul e talvez a do Norte, delimitou Walter M. Kollmorgen em seu artigo “As Granjas e a Agricultura no Meio-Oeste Americano”. O centro do Meio-Oeste representa uma área dos EUA que fica ao sul e a oeste dos Grandes Lagos, achatada pelos gelos e que se encheu de água, enriqueceu-se nas eras glaciais.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Socius-Amazônico


Em uma concepção específica de espaço amazônico prevalece uma ideia regional onde o novo e o velho se polarizam e se estranham. Articula-se uma logística amazônica complexa e incluem-se redes de energia, comunicação, circulação, para estruturar os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. Destaca-se uma Amazônia como espaço estratégico de ação e resgata-se um modelo exógeno para a região, ao se propor a implantação de grandes ‘corredores de desenvolvimento’, acompanhando a visão do nacional desenvolvimentismo através dos ‘pólos de crescimento’. A descoberta de grandes reservas minerais na Amazônia, como é o caso da Serra de Carajás e da Foz do rio Trombetas, bem como as distâncias a serem percorridas para transformar os minérios em mercadorias, fazem da extração mineral um negócio para grandes empresas como a CVRD e a Alcoa, com lavras integralmente mecanizadas. Assim a região norte chegou a ser a segunda área produtora de minérios do Brasil, na década de 1990, de acordo com Claudio A. G. Egler em seu artigo “Crise e Dinâmica das Estruturas Produtivas Regionais no Brasil”. A extensão do complexo metal-mecânico para a região norte do Brasil, principalmente nos segmentos de eletro-eletrônicos, de consumo e de montagem de veículos de duas rodas, fez com que o peso relativo deste complexo na estrutura industrial regional fosse superior ao da média nacional, mesmo em relação ao indicado pelo sudeste brasileiro.

Discute-se outra noção da Amazônia, que se baseia no seu reconhecimento como espaço estratégico, para a ação e o planejamento do Estado e em detrimento dos interesses capitalistas. O conceito de Amazônia Legal, assimilado e divulgado por instituições de planejamento e de desenvolvimento regional, não deixa de ser uma expressão recorrente em documentos como os Planos de Desenvolvimento da Amazônia, apresentados por Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior em seu artigo “Pensando a Concepção de Amazônia”. Percebem-se nessas noções, expressões e conceitos, de todo modo, características que se explicitam: [1] de uma natureza considerada como matéria-prima, explorada através do solo, do subsolo, dos recursos hídricos, etc.; [2] de um espaço que não é tido em sua dimensão social, mas base material a ser ocupada, portanto, um espaço a-histórico, sem homem. Investe-se, então, em uma leitura que considera a distribuição de organizações [sociais e políticas] que revela outra face da Amazônia, a de sua sociedade. Os padrões detectados estão associados à intensidade de conflitos resultantes da combinação de vários elementos – estruturas produtivas, sociais e políticas; acessibilidade; origens étnicas e geográficas; densidade populacional; características naturais e culturais.

Uma das maiores expressões das ONGs traduziu-se, por muito tempo, pelo Grupo de Trabalho Amazônico [GTA], constituído a partir de iniciativas provenientes de Brasília e São Paulo. Chegou a congregar, na década de 1990, 316 entidades, a maior parte delas compostas por sindicados, pela Coordenação das Nações Indígenas, por organizações de pequenos produtores rurais. Deste modo destaca-se, conforme Bertha K. Becker em seu artigo “Redefinindo a Amazônia: o Vetor Tecno-Ecológico”, a dispersão dessas organizações no vale amazônico em sua dinâmica regional:

[1] o Acre e a região do babaçu no Maranhão são os que apresentaram o maior número de organizações, seguidos da região de Santarém e Carajás, o que revelou nessas áreas, com efeito, uma intensidade exorbitante de conflitos; [2] Um padrão espacial específico se revelava sobre as regiões de Carajás, Bico do Papagaio e Santarém, seguidas de Altamira, caracterizaram-se pela força de trabalhadores e pequenos produtores agrícolas expressa no peso de seus sindicatos e associações em luta contra as grandes fazendas pecuárias; [3] Acre, Rondônia e Amapá expressavam um padrão similar, com peso relativo às organizações de apoio às reservas extrativistas e às populações indígenas. No Acre a força sindicalista foi marcadamente mais intensa que em Rondônia e Amapá, onde se destacavam as entidades ambientalistas; [4] Verificaram-se diversas articulações entre sindicatos e cooperativas agroextrativistas, sobretudo de posseiros em luta contra os grandes proprietários pecuaristas, na região do babaçu; [5] enfim, Marajó apresenta um padrão próprio e diversificado, em ligação com Belém, tudo indicava para um caráter mais urbano, com ênfase nas associações de moradores.

Tecnologia versus Nativos [Guerra social]


A Amazônia tornou-se expressão básica das fronteiras. O governo federal assumiu diretamente a iniciativa da modernização, implantando uma ‘malha programada’ em tempo acelerado e numa escala gigantesca. Trata-se de programas e projetos que provocaram um imediato aumento do valor da terra e dos conflitos sociais, de acordo com Bertha K. Becker e Claudio Egler, em seu livro “Brasil: uma Nova Potência Regional na Economia-Mundo”, dos seis grandes projetos implantados segundo os objetivos do programa, até a década de 1990, somente um estrangeiro chegou a participar – o Alcoa-Billington.

A empresa que mais se destacou foi a estatal Cia. Vale do Rio Doce [CVRD], mas que se transnacionalizou nesse processo e diversificou suas atividades, ampliando sua participação no mercado mundial. Empresas como a CVRD ganharam autonomia relativa durante a expansão da segunda metade da década de 1970 e consolidaram posições positivas no mercado externo, principalmente por executar os grandes projetos de exploração mineral na fronteira amazônica, onde construiu sua própria territorialidade. Em contrapartida, a face privada e transnacional se apresenta na medida em que articula diretamente a região criada sob seu controle com o mercado mundial, ou seja, revela a fragilidade do Estado em impedir a ‘volatilização’ da parcela ‘nacional’ do mercado mundial. Global e localmente, a crise do território desvela-se com a Amazônia. Na década de 1970, os conflitos fundamentais se travaram na disputa pela terra entre posseiros e fazendeiros. A partir da década de 1980, em face dos grandes projetos que atuam sobre as vastas extensões florestais, estão sendo atingidas diretamente as comunidades indígenas e de extrativistas.

Diante da expansão dos conflitos, índios e seringueiros se aliam e buscam comandar uma luta por demarcação de terras indígenas e de reservas extrativistas – áreas federais com direito de usufruto pelos seus ocupantes. A frente de garimpeiros chegou a avançar em direção à fronteira norte, ameaçando as terras dos índios yanomamis, que está inserido em um projeto militar para a consolidação dessa fronteira: o Projeto Calha Norte, que envolve 1.221 km2, ou seja, 14% do território brasileiro. O povo yanomami submeteu-se a muitas pressões, que envolviam missões religiosas transnacionais; tráfico e contrabando pela extensa fronteira; atividade militar e ganância de empresas mineradoras.

Os garimpeiros conflitam com as firmas ao mesmo tempo em que procuravam manter as áreas de exploração manual de minérios. O Projeto Ferro Carajás, dirigido pela CVRD é um bom exemplo, cujo poder da corporação se evidenciava no controle de um imenso território e das reservas minerais contidas nele. A CVRD mantinha uma cidadela, company town, rodeada por um perímetro de segurança, dentro desse domínio estava Serra Pelada, onde mais de 80 mil garimpeiros escavam manualmente o solo em busca de ouro. A fim de sustar a ‘guerra social e tecnológica’ entre garimpeiros e a companhia, o governo federal fez algumas concessões aos garimpeiros, estendendo o prazo para a extração manual no território da CVRD. A Amazônia tornou-se símbolo de um desafio que envolve o dilema tecno[eco]lógico, que se manifesta em duas frentes de expansão contraditórias:

[1] a ‘frente energética’, cuja vanguarda sempre esteve nos projetos de expansão de empresas estatais ou ex-estatais, com a Eletronorte e a CVRD, visando a energia hidrelétrica e siderurgia com carvão vegetal; [2] a ‘frente biotecnológica’, que coloca a natureza como capital de realização futura, com a imensa biodiversidade e a maior reserva de genes do planeta. Traça-se o campo de uma materialidade de conflitos que envolvem corporações transnacionais, empresas estatais, agentes financeiros, cientistas, militares, índios, seringueiros, garimpeiros, que chegaram a formar estranhas coalizões.

Hiléia Amazônica [Integração Nacional]


A manobra geopolítica de integração nacional foi reformulada na década de 1960. Percebia-se a projeção continental em torno da região do triângulo Rio-São Paulo-BH, ou seja, a partir da base econômica acelerar-se-ia a integração à plataforma central, em suma, a estratégia do Planalto Central estava em plena marcha. Na década de 1970, elaborava-se um projeto de se integrar a Amazônia através de uma estratégia adequada que respondesse aos objetivos pretendidos e às especificidades regionais. Tratava-se de uma geopolítica pan-amazônica, ou seja, uma política aplicada ao espaço geográfico, mas a partir de três frentes históricas: a frente das vertentes andinas utilizada pioneiramente por Orellana; a frente do Planalto Central inaugurada por Raposo Tavares; a frente do litoral atlântico iniciada por Pedro Teixeira. A frente atlântica tradicionalmente foi colonizada seguindo rotas fluviais, esforço em que se insistiu até a década de 1960, quando começou a penetração nessa hinterlândia pela frente do Planalto Central. Rodovias foram construídas e projetadas descendo, a partir de então, as vertentes do Espigão Mestre até alcançarem o rio Amazonas em Belém, Santarém e Manaus. Manobra ampla que partia de três frentes, a que saía da foz do rio Amazonas e seus afluentes; a do Planalto Central descendo as escarpas até a grande planície; acrescente-se a que foi ao encontro do arco fronteiriço das vertentes do sul do sistema guiano e vertentes sul e oeste do sistema andino.

Na década de 1970 foi o período da projeção da rodovia transamazônica que cortava as três vias de descida do Planalto e ligava o Nordeste [Recife e João Pessoa] a Rio Branco no Acre, no sentido leste-oeste. A redinamização da frente andina exigiria o desenvolvimento das ‘bases partidas’, isto é, ‘áreas interiores de intercâmbio fronteiriço’, mas deveriam ser aquelas regiões onde já existe um mínimo de povoamento, articulação viária e de intercambio internacional, conforme Carlos de Meira Mattos em seu livro “Uma Geopolítica Pan-Amazônica”. Selecionam-se, pois os ‘centros formadores de fronteiras sul-americanas’ ou as três ‘áreas interiores de intercâmbio fronteiriço’:

[1] O sistema alto rio Negro-Branco – duas subáreas-pólos, uma constituída pelo triângulo internacional traçado entre Rio Branco [Brasil], Santa Helena [Venezuela] e Lethen [guiana]. Essa subárea já contava, na década de 1970, com uma articulação rodoviária no triângulo das três cidades e se ligava com Caracas e Manaus. O eixo da segunda subárea demarcava-se pelo rio Negro-Uaupés. Abrange-se toda uma linha paralela às fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia; [2] o sistema fluvial do Solimões – região fronteiriça entre Brasil, Colômbia e Peru. Esta área-pólo serve-se de localidades particularmente no eixo do Solimões: Tefé, Tabatinga, Benjamin Constant [Brasil], Leticia [Colômbia], Ramón Castilla e Iquitos [Peru]; [3] Os sistemas fluviais Madeira e Purus – interior do arco fronteiriço amazônico, ou seja, dois subsistemas fluviais constituídos pelas bacias do Madeira e do Purus. Localidades brasileiras [Porto Velho, Guarajá-Mirim e Rio Branco] e bolivianas [Riberalta e Cobija] dão suporte à região.

Lex Mercatoria & Guerra da Água


A disputa pela apropriação e controle da água vem se acentuando desde a segunda metade da década de 1990. A água não se apresenta mais como um problema localizado, manipulado por oligarquias latifundiárias regionais ou por partidos políticos. Com o ‘discurso da escassez’ e a invocação do ‘uso racional dos recursos’, por meio de gestão técnica, percebem-se verdadeiros indícios de os gestores com formação técnico-científica são novos atores protagonistas. O ‘discurso da escassez’ enuncia que embora o planeta tenha três de suas quatro partes de água, 97% dessa área está coberta por oceanos e mares, isto é, por água salgada, não disponível para o consumo. Discurso que diz que dos 3% restantes, cerca de 2/3 estão em estado sólido nas geleiras polares, logo, indisponíveis para consumo, portanto, menos de 1% da água total do planeta seria potável. Avalia-se que 119.000 km3 de chuvas caem sobre os continentes e 72.000 km3 se evaporam, assim 47.000 km3 escoam anualmente das terras para o mar, das quais mais da metade ocorrem na Ásia e na América do Sul, e uma grande porção em um só rio, o Amazonas, que leva mais de 6.000 km3 de água/ano aos oceanos.

A água é fluxo, movimento, por isso, por ela e com ela flui a vida e, assim o ser vivo não se relaciona com ela, ele é água. Por fim, os cerca de 8 milhões de quilômetros quadrados relativamente contínuos de floresta ombrófila, em geral, fechada, no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guianas, Peru, Suriname e Venezuela, com suas 460 toneladas de biomassa por hectare em média é, em 70%, água e, assim, se constitui num verdadeiro ‘oceano verde’ de cuja evapotranspiração depende o clima, a vida e os povos de extensas áreas da América Central, Caribe e do Sul, do mundo inteiro, segundo Carlos Walter Porto-Gonçalves em seu livro “A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização”. A Amazônia, como uma área de florestas tropicais, cumpre um papel importantíssimo para o equilíbrio climático do globo, pela umidade que detém contribui para que as amplitudes térmicas [diferença entre as temperaturas máximas e mínimas, diárias e anuais] não aumentem ainda mais. Mas a água não circula apenas pelos rios, pelo ar, pelos mares e correntes marinhas, mas sob a forma [social] de mercadorias – tecidos, automóveis, matérias-primas agrícolas e minerais – enfim, sob a forma de mercadoria tangível. Se, por exemplo, para a produção de qualquer grão, seja de milho ou de soja, se demanda, com as atuais técnicas agrícolas, 1.000 litros de água, para um quilo de frango consome-se 2.000 litros de água. Lex mercatoria, ou seja, racionalidade econômica mercantil em que se basta multiplicar por mil as milhões de toneladas de grãos [milho, girassol, soja] para se saber a quantidade de água que está sendo exportada para onde se dirige esse fluxo de matérias-mercadorias.

As indústrias e plantações altamente consumidoras de água, ou que nela lançam muitos rejeitos, como as indústrias de papel e celulose ou de bauxita-alumínio, desde os anos de 1970, que transferem para os ‘países ricos’ – energia, minerais, solos, sol e água – exportando o proveito e deixando no país os rejeitos. A separação do minério de cobre numa jazida implica, por exemplo, abandonar cerca de 99,5% da matéria revolvida como rejeito, afinal trabalha-se com minerais ‘raros’, cuja proporção do material usado é bem menor que a dos rejeitos. Separar, portanto os minerais raros exige água e energia em proporções enormes, logo, a água é um meio amplamente usado e, diferentemente de qualquer commoditty, é insubstituível.

Se através da vida e da história transcorre que, hoje, uma quantidade maior de água doce se apresenta em estado líquido em virtude do efeito estufa e, com efeito, do aumento do aquecimento global, entretanto, apesar desse incremento da água doce disponível, percebe-se um aumento da escassez da água em certas regiões com a ampliação de áreas submetidas a processos de desertificação. Identifica-se que o crescimento exponencial de populações com o nível de vida europeu e norte-americano que está aumentando a pressão sobre esse e outros recursos naturais de modo insustentável. Erige-se um ‘mundo da água privatizada’ como um novo modelo de regulação em escala global, dominado amplamente por grandes corporações. Destacam-se as muitas propostas de privatização da água, em geral, pautadas numa ampla desregulamentação dos mercados e supressão dos monopólios públicos, sob a pressão de técnicos do FMI e do Banco Mundial: [1] privatização em sentido estrito, com a venda total dos ativos e transferência para o setor privado; [2] transformação de um organismo público em empresa pública autônoma, como a Agência Nacional da Água [ANA], no Brasil; [3] a PPP – Parceria Público-Privada – modelo preferido pelo Banco Mundial. Essa liberalização e mercantilização da água ensejam uma nova dinâmica à ‘conquista da água’.

As resistências à mercantilização e à privatização da água vêm se tornando cada vez mais frequente em todo o mundo, em vários casos os processos foram interrompidos: Cochabamba e La Paz [Bolívia]; Montreal, Vancouver e Moncton [Canadá]; em Nova Orleans, na Costa Rica, na África do Sul, em várias regiões da Índia, da Bélgica e em alguns municípios franceses, onde os serviços públicos de água administrados pelo Estado ou por meio de autogestão voltaram a se desenvolver. As denúncias em relação à privatização de água referem-se às consequências socioambientais decorrentes da integração de economias locais a um mercado que se quer nacional e mundialmente unificado, orientado na denúncia da produção para exportação e da exploração dos recursos naturais.

Sobre o argumento de que a água será a razão de guerras futuras - imersos numa guerra mundial envolvendo por todos os lados a água, ou seja, uma guerra pelo controle e gestão da água que vem sendo disputado nas reuniões da Organização Mundial do Comércio, discutido no Fórum Mundial de Davos, nas reuniões do Banco Mundial e do FMI, onde se decide um novo ‘código das águas’, ao torná-la mercadoria e, para isso, é preciso privar os homens e mulheres de acesso a ela. Sem privatização não há mercantilização? Pelo menos no sentido tradicional capitalista. Como essa guerra é um caso que não se ganha com bombardeios, mas com terror, pânico, diretamente nos territórios onde a água se faz presente, na medida em que ela atravessa toda a sociedade e seus lugares. Daí o porquê de todo lugar em que houve tentativa de se apropriar da água houve e haverá resistência.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Coulomb-3, Bryce e Hadrian [high tech IV]


Criado em 1963, uma década após a criação da Petrobras, o Cenpes [Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello] passou a desenvolver pesquisas tecnológicas e de engenharia, como instrumento da Petrobras, desde 1973 instalado na Ilha do Fundão no campus da UFRJ. O Cenpes define-se, no âmbito do sistema da Petrobras, como órgão que se encarrega de planejar, coordenar, executar pesquisas e acompanhar o resultado de suas inovações tecnológicas.

Além das tecnologias de processo e de produtos, o Cenpes desenvolveu, em especial a partir da década de 1990, capacitação em bioestratigrafia, sedimentologia, geoquímica, robótica. Vários projetos desenvolvidos colocaram o Brasil como um país considerado detentor de alta tecnologia [high tech] no setor petrolífero: plataformas de produção para águas profundas; sistemas submarinos de produção; projetos para construção, ampliação e modernização de refinarias; robôs e veículos teleoperadores para trabalhos submarinos; catalisadores, motores, embarcações especiais; sistemas de ancoragem; programações para produção flutuante em águas com profundidade de 1000m, 200m, até alcançar 3000m; criação do robô ambiental híbrido criado em 1988, como parte do projeto de monitoramento ambiental do gasoduto Coari-Manaus, capaz de colher, fotografar e enviar imagens, além de captar sons, além de outros projetos de robótica que compõem os equipamentos automatizados que apóiam à limpeza e a desobstrução de dutos.

O final da década de 1970, os técnicos da Petrobras construíram um mapeamento geológico da costa nacional, que passou a ser referência para a Marinha Brasileira. Em 1986, dois mitos começavam a cair, a impossibilidade de auto-suficiência e a inexistência de petróleo na Amazônia. Na década de 1990, entra em operação a primeira plataforma semi-submersível totalmente desenvolvida por técnicos da companhia; a Petrobras iniciou o fornecimento de gasolina de Fórmula I para a equipe Williams; novos recordes mundiais são marcados na produção petrolífera em águas profundas. Em 2006 a Petrobras comemora a auto-suficiência sustentável do Brasil na produção de petróleo, logo em seguida, definem-se os marcos exploratórios da camada pré-sal, na faixa litoral sul-nordeste do país.

De fato, enquanto os EUA se apoiaram no xá Reza Pahlevi de 1953 até 1979, a Petrobras criou o Cenpes e iniciou o desenvolvimento de técnicas para exploração marítima e pesquisas sobre biodiesel. Quando os EUA ativaram a guerra entre o Irã e o Iraque entre 1980 e 1988, depois a guerra do golfo na década de 1990 até à guerra em 2003, a Petrobras ampliou sua área internacional de atuação comercial e produção de petróleo para todos os continentes do mundo, além de ter sido premiada sucessivas vezes com o prêmio Offshore Technology Conference, levando em consideração a alta tecnologia que se desenvolve no Cenpes, por seus engenheiros qualificados em áreas diversas, em especial, pelos avanços na robótica. Um ano antes de terminar os conflitos no Oriente Médio, entre Irã e Iraque, em 1987, a Petrobras avança para o Golfo do México, quando adquiriu participação e oito blocos no setor americano.

A companhia adquiriu prospectos exploratórios em águas profundas, em 2004, quando arrematou 37 blocos no quadrante inexplorado [Corpus Christi] em águas de 500 a 2 mil metros na direção do Estado do Texas. A atual carteira de ativos da Petrobras América em águas americanas soma 321 blocos no Golfo do México. A perfuração de dois poços, Das Bump e Hadran; as perfurações dos prospectos de Zion e Bryce; a delimitação das jazidas de Saint Malo; a descoberta de gás natural no campo de Coulomb North; e o poço Coulomb-3, com cerca de 40 metros de reservatórios de gás natural; ações essas que estão longe de se equivaler economicamente a edificação de bases militares [como as latino-americanas], prontas para a pilhagem [em diversas fontes de recursos de países periféricos] ou para instigar a guerra [entre países vizinhos produtores de petróleo]. Não é que o Brasil, desde meados do século XX, desenvolveu um tipo especial de tecnologia que percorre o céu [aeroespacial], o mar [águas profundas] e a terra [biomassa], de modo localmente determinado e globalmente instalado, ou seja, o resultado de uma geoeconomia high tech motivada por uma geopolítica anti-globalização, o que chegou a perturbar toda a ordem mundial, ao deslocar o eixo leste-oeste para o norte-sul, entre os ‘territórios dos trópicos’ e os ‘países do norte’.

Trata-se de sinalizar uma diferença teórica entre uma máquina de guerra metamorfoseada como complexo industrial-tecnológico e de uma máquina de guerra institucionalizada militarmente, que só tem por objetivo a guerra. A improdutividade de se explodir armamentos e a produtividade de se explorar desenvolvimento tecnológico, ou melhor, o consumo do exército norte-americano e a produção tecnológica de petróleo brasileira. As armas no norte e as ferramentas no sul, a distinção hostil entre os soldados e os trabalhadores. Eis uma das maiores diferenças entre esses dois tipos de General Intellect, de trabalho imaterial, intelectual, no tocante ao setor petrolífero, entre a América do Norte e a do Sul.

Águas Profundas e Biomassa [high tech III]


Os Estados Unidos conseguiram um aliado importante no Oriente Médio, quando compactuaram com o golpe do xá Reza Pahlevi, após a nacionalização do petróleo iraniano, em 1953, exatamente quando a Petrobras foi criada, momento em que o Brasil estava na total dependência das multinacionais para a importação de petróleo e derivados. Tratava-se não só de assegurar uma riqueza que o Brasil parecia potencialmente possuir, devido as suas vastas áreas sedimentares, mas também de estabelecer um organismo forte e capaz de sobreviver no complexo mundo do petróleo.

Após um breve período, de 1953 a 1979, os Estados Unidos estavam mais envolvidos com sua expansão militar capitalista em oposição ao poder soviético, do que particularmente com a conquista de petróleo via guerra, aconteciam mais acordos comerciais desiguais entre os países proprietários de reservas naturais e as empresas norte-americanas, a um passo de tornarem-se multinacionais. Trata-se do período em que os EUA mantiveram o seu apoio iraniano do xá até a revolução islâmica dos aiatolá. Mas a partir da crise de 1973, com o aumento dos preços do petróleo, beneficiando diretamente os países produtores de petróleo, que foi acompanhado da institucionalização da OPEP, os campos petrolíferos começaram a se tornar áreas de enorme cobiça por parte dos EUA, grande potência que demandava um enorme consumo por barris de petróleo. Percebe-se o início de um acesso militarizado às reservas de petróleo por parte dos EUA, ao mesmo tempo um apoio irrestrito a governos democráticos ou autoritários, em princípio não interessava a forma governamental, mas sim se esses governos estavam dispostos ou não a representar os Estados Unidos em escala regional, principalmente no Oriente Médio e na América Latina, sobre o primeiro, conferir as análises de David Harvey em seu livro “O Novo Imperialismo”, sobre o segundo, destaca-se o livro “As Veias Abertas da América Latina”, escrito por Eduardo Galeano.

As guerras intestinas no Oriente Médio e as ditaduras na América Latina representam esse passado recente, em que os EUA detonaram guerras e pilharam recursos de nações inteiras, principalmente o petróleo, em busca de mais poder. Embora no Brasil não obtivesse reservas suficientes de petróleo prospectadas em seu território, a opção não foi a guerra por hidrocarbonetos nem a pilhagem de recursos, mas obtenção a reservas petrolíferas através do desenvolvimento de alternativas tecnológicas. A presença da empresa estatal Petrobras no Brasil que antecedeu e procedeu a crise de 1973, com destaque para dois ramos de desenvolvimento tecnológico: a expansão para a exploração de petróleo em águas profundas e a conquista por bioenergia tornaram-se alternativas expressivas.

Com a elevação dos custos de perfuração no final da década de 1960, a ‘perfuração submarina’ mostrou-se, alongo prazo, uma das opções mais promissoras. A Petrobras investiu, a partir de 1969-73, em explorações que redirecionavam suas pesquisas de terra para o mar, acompanhando uma tendência mundial. A Petrobras desenvolveu tecnologia própria para antecipar a produção de petróleo para, com a implantação de infra-estruturas definitivas de produção em águas profundas, o que aconteceu no final da década de 1970, com os sistemas antecipados instalados na bacia de Campos, em Cação [Espírito Santo], Bahia-Sul e Curimé [Ceará], conforme Melvin Conant e Fern Racine Gold em seu livro “A Geopolítica Energética”.

Para compensar a escassez em combustíveis fósseis, o Brasil despontou para a ‘era da biomassa’ como relevante fonte de energia, apta a fornecer hidrocarbonetos, a partir da enorme reserva de biomassa vegetal, o clima tropical e o solo propícios para produzir e repor continuamente energia originária de biomassa. Desde que se compreenda que o petróleo é biomassa, porém fossilizada. Deste modo, como marco histórico, o Programa Pró-Álcool, instituído em 1975, incrementou a produção do etanol para a fabricação de automotor, suprindo algumas indústrias químicas, de acordo Carlos de Meira Mattos, em seu livro “Geopolítica e Trópicos”. J. W. Bautista Vidal, físico brasileiro que sistematizou a noção de biomassa e deslocou, com efeito, a riqueza dos países temperados para os trópicos, o que para muitos representou uma revolução no entendimento da relação norte-sul. Marcava-se o período em que a população do Brasil começou aos poucos a deixar de lado a ‘alienação tecnológica’, a noção de que a tecnologia deveria ser importada de outros países. O ‘território dos trópicos’ tornou-se um lugar de mudança de direção do consumo e da produção de energia, a passagem do petróleo [fóssil] à biomassa [vegetal].

Questiona-se estruturalmente, pois as consequências desses projetos altamente distintos que envolveram os EUA [na América do Norte] e o Brasil [na América do Sul] na busca por acesso aos campos petrolíferos. De um lado, os incessantes bombardeios com fins políticos para facilitar o acesso ao petróleo pelos norte-americanos, de outro, o avanço inovador da companhia de Petróleo nacional brasileira desde 1953, que passando pelos mesmos efeitos da crise definiu metas alternativas para obter acesso ao petróleo. Ressalta-se, enfim, o monopólio nacional sobre as reservas de petróleo em subsolo brasileiro, sobretudo através da manipulação produtiva da companhia estatal Petrobras, ou seja, com forte regulamentação e intervenção do Estado. Afora a estratégia paranóica e sanguinária norte-americana, analisa-se a estratégia produtiva brasileira ao enfrentar a crise de 1973, com alternativas específicas de prospecção de petróleo, ou seja, a constituição de um trabalho intelectual, imaterial especializado em exploração petrolífera, um General Intellect destinado a desenvolver biotecnologia no Brasil, em plena era biopolítica.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Golpes e Pactos ad infinitum [Zelaya e Uribe]


Reconhece-se que uma estratégia norte-americana se estende até os dias de hoje, com os mesmos objetivos, mas com os efeitos um pouco alterados, ou seja, proporcionam dificuldades que ainda não tinham sido encontradas. Atualmente, regiões como as do Oriente Médio e da América Latina, [1] ainda continuam os principais campos de petróleo explorados pelos EUA, do mesmo modo que [2] regimes autoritários são apoiados nessas regiões, desde que assegurem os interesses estadunidenses, assim como [3] tornar essas áreas como zonas de manobras logísticas militares.

Do complexo domínio capitalista destacam-se as práticas econômico-neoliberais dos EUA que expõem três componentes intrinsecamente articulados: a] as forças armadas; b] o desenvolvimento tecnológico; c] os bancos e instituições financeiras. Das forças armadas desenvolvem-se paralelamente um ramo da indústria, belicoso, que impulsiona as inovações tecnológicas, tais como os setores de velocidade e visão [transporte e informação] amplamente analisados por Paul Virilio, como meios essenciais dos ataques e das instalações militares em áreas de exploração. Essa tecnologia, que resulta desses impactos das forças armadas em áreas periféricas de exploração precisa, em geral, ser assimilada e adaptada para o consumo civil, a fim de servir a indústria de massa, em especial, complexos industriais multinacionais, movidos a capital privado. São empresas que tendem a perder grande parte de seus ativos quando se desnacionalizam, quando se instalam em outros países, apesar de manter apenas o controle de suas ações e movimentação financeira em seus países de origem – o processo conhecido por desindustrialização dos países centrais. Os bancos e instituições financeiras são fundamentais nesse processo porque financiam essas multinacionais, com altos juros e criação de capital fictício, capazes de sustentar elevados recursos em longos prazos.

Essa organização estratégica se desencadeia a partir da ocupação militar em áreas providas de recursos naturais [como petróleo, biodiversidade, minerais, ferro, etc.] e, com efeito, desprovida de segurança, geralmente em países pobres ou em desenvolvimento. Essa invasão militar garante o acesso das empresas privadas multinacionais, logo, retroalimentando o crédito nas instituições financeiras e valorizando as ações em bolsas de valores. Essa estratégia está desgastada, sabe-se disso, mas parece que continua sendo a única alternativa norte-americana de tentar desintoxicar os papéis podres bancários e de reativar as privatizações empresariais nos países em desenvolvimento, que mantêm ainda algumas estatizações em setores estratégicos, além de impulsionar as forças armadas norte-americanas a desenvolver tecnologias, que são destinadas, principalmente, para a assimilação das indústrias privadas e de massa.

Foi desse modo que a CIA organizou o golpe que derrubou o governo democraticamente eleito de Mohammed Mossadegh, que nacionalizou os campos de petróleo do Irã, o que se seguiu com a substituição do xá Reza Pahlevi em 1953 [apoiada pela CIA]. O xá firmou contratos referentes ao petróleo com empresas norte-americanas, sem devolver os ativos às empresas britânicas que Mossadegh havia nacionalizado. Desse modo o xá tornou-se um dos guardiães mais importantes dos Estados Unidos na região petrolífera do Oriente Médio. Trata-se de uma estratégia antidemocrática dos EUA, que os levaram a afirmar cada vez alianças com ditaduras militares e regimes autoritários, o que se percebeu de modo espetacular na América Latina a partir da década de 1960, segundo David Harvey em seu livro “O Neoliberalismo: História e Implicações”. Nos últimos cinquenta anos, pois os EUA tornaram o seu projeto ‘democrático’ mais antidemocrático do mundo, ou seja, aliou-se e incentivou regimes autoritários, totalitários, que defendessem os interesses econômicos norte-americanos.

Destaca-se no pós-guerra, de um lado, a aliança com o xá do Irã, na década de 1950, bem como sua derrubada, em 1979, pelo o aiatolá Ruholá Khomeini, que pregava uma espécie de ‘governo islâmico total’, além do incentivo ao governo do Iraque [inclui-se o de Saddam Hussein] a entrar em guerra contra os seus vizinhos iranianos, de 1980 a 1988, um dos conflitos mais sangrentos do final do século passado. De outro lado, da década de 1960 até por volta da década de 1980, um encadeamento de regimes totalitários na América Latina alinhou-se aos Estados Unidos, que não só favoreceram o acesso às reservas mineiras, por exemplo, de ferro e petróleo, essenciais para a indústria militar, bélica, como se tornou campo de todo tipo de manobras logísticas [o canal do Panamá e as diversas bases áreas militares instaladas ao longo da América Central e do Sul], sobretudo os países latino-americanos foram pontos de aplicação da ‘tecnologia de poder’ capitalista, para prolongar e acirrar ao máximo o conflito bipolar com a URSS.

Frida Modak afirmou, em recente artigo “Os Interesses Econômicos que sustentam o Golpe em Honduras” postado no site oficial de “Agência Carta Maior”, que este país tem muito petróleo, conforme mostraram as prospecções feitas por uma empresa norueguesa há um ano, a pedido do presidente Zelaya, presidente deposto, que acionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro a seu país e se juntou ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela. O projeto de Zelaya para a nova Constituição previa que os recursos naturais de Honduras não poderiam ser entregues para outros países. O grupo golpista liderado por Roberto Micheletti, um empresário do setor de transporte que fez fortuna, fomentou a invasão de centenas de soldados à casa do presidente Manuel Zelaya e o expatriaram para a Costa Rica, às 5 horas da manhã do dia 28 de junho de 2009.

Em reportagens publicadas pela Folha On Line, desde o início de agosto de 2009, sobre um acordo que facilita o acesso dos EUA a três bases da Força Aérea colombiana, situadas em Palanquero, Apiay e Malambo. Os governos da Colômbia e dos Estados Unidos discutem, além disso, a permissão aos americanos para utilizar três bases militares na Colômbia. O novo acordo, previsto para ser finalizado neste mês, permitirá a Washington manter 1.400 pessoas entre militares e civis nos próximos dez anos e compensará o recente fechamento da base americana de Manta, no Equador. Os EUA preveem investimentos de até US$ 5 bilhões pelo novo pacto.

Após a persistente manutenção da guerra contra o Iraque, por W. Bush, no início da década de 2000, e a propósito das bases colombianas e o golpe militar em Honduras: percebe-se através das evasivas de Barack Obama o reconhecimento de que o tempo não passou, de resto mantêm-se as mesmas estratégias de há cinquenta anos atrás, pelo menos, quiçá ad infinitum, mas encontram-se territórios cada vez mais resistentes. Se fossem identificados os níveis de uma informação estratégica, de acordo com Washington Platt em seu livro “A Produção de Informações Estratégicas”, que interrogam a ‘situação’[o que estão fazendo?], as ‘possibilidades’ [o que podem fazer?] e as ‘intenções’ [o que farão?] dos norte-americanos. Diz-se que estão promovendo as mesmas práticas, mas as possibilidades são bem mais limitadas e suas intenções se relativizam na medida em que muitos países latino-americanos e do Oriente Próximo já não se camuflam como nações amigas, revestem-se, portanto de um explícito nacionalismo, principalmente para demarcar seus recursos naturais e deixaram de ser dependentes dos capitais provenientes exclusivamente das instituições financeiras com forte apego aos cofres norte-americanos. Percebe-se, enfim, que Barack Obama não tem muita escolha e maximiza velhos truques [golpes militares em áreas com campos de petróleo e acordos para manter bases militares próximas], entretanto com menores efeitos comparados aos alcançados no passado. Entre republicanos e democratas, o que levou os EUA a não produzir tecnologia para prospectar petróleo, mas a capturá-lo à base de embustes políticos e truques maquiavélicos em países periféricos?

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Máquina de Guerra do Sul [Chaco Petroleum]


A paranóica sede por petróleo de povos civilizados e insanos não provocou somente golpes de Estado na América Latina, desencadeou a guerra do Chaco [1932-35] entre os dois povos mais pobres da América do Sul. Reni Zavalte designou por ‘Guerra dos Soldados Nus’, a matança recíproca entre Bolívia e Paraguai, como assinalou Eduardo Galeano em seu livro “As Veias Abertas da América Latina”. O senador de Lousiana, Huey Long, em maio de 1934, denunciava a Standard Oil de New Jersey por provocar o conflito, além de financiar o Exército da Bolívia para que se apoderasse do Chaco paraguaio: espaço necessário para estender um oleoduto boliviano. Os paraguaios, em contrapartida, obtinham o apoio da Shell. Disputas de duas empresas sócias e inimigas em um mesmo complexo industrial, mesmo cartel. Acrescente-se os poços de petróleo e as jazidas de gás natural explorados pela Gulf Oil Co., próximos aos territórios mais longínquos dessa batalha. Duas empresas rivalizaram a exploração dos recursos naturais no subsolo do Terceiro Mundo e incitaram à guerra povos, primitivos, selvagens: de fato, não é um argumento novo, mas como essa situação ganhou terreno na América do Sul?

Nada incomum, considerando que a máquina de guerra é o próprio motor da máquina social primitiva, afinal a guerra impede, repele o Estado. A recusa do Estado é a recusa à exonomia [lei exterior], iso é, a recusa à submissão. A sociedade primitiva sul-americana assentou-se em uma multiplicidade de comunidades indivisas, sob uma lógica centrífuga, onde a guerra passa a ser, portanto, o mecanismo que garante essa dispersão territorial. Quanto mais guerra, menos unificação. O Estado é o inimigo da guerra. A guerra impede o Estado. Sociedades para a guerra e sociedades contra o Estado, eis, pois o que foi, para Pierre Clastres, até o século XIX na América do Sul: uma Máquina de Guerra Primitiva, destacado em seu livro intitulado “Arqueologia da Violência”. Enfim, a sociedade primitiva se expande num espaço de guerra permanente. Uma máquina de dispersão contra uma máquina de unificação – a guerra contra o Estado.

Ninguém se espanta com essa proposição, pois o continente americano [de sul a norte] sempre possuiu uma ampla amostragem de sociedades que levaram longe sua vocação guerreira, o que se prolongou intocado na paisagem selvagem do Terceiro Mundo até o século XIX, antes do rufar dos nativismos, nacionalismos do século XX. A institucionalização de espécies de confrarias de guerreiros é um vestígio natural dessas práticas. A guerra ocupava o centro da vida política e ritual no 'socius primitivo'. Reconhecimento social à forma quase a-social da guerra e aos homens que a conduz. Do outro lado, bem a oeste dos campos de engenhos [agrário, minerador] e das cidades modernas [comerciais, industriais] no litoral brasileiro pré-rebuplicano, ressalta-se uma América do Sul selvagem, belicosa, canibalesca, entre as suas numerosas tribos de ‘cultura guerreira’, por exemplo, na Grande Chaco, austera em vasta região tropical, entre os territórios do que se chama hoje Bolívia, Argentina e Paraguai, do século XVIII, em plena expulsão dos jesuítas, em 1768. Foi um fracasso integrar o Chaco, porque contra a evangelização concorria uma paixão guerreira de índios como os Abipones, Mocovi, Guayakuru-Mbyá. Na parte paraguaia do Chaco, perto do rio Pilcomato, que separa a Argentina ao sul, no curso médio desse rio, faz-se fronteira com o território dos índios Chulupi. As tribos e suas tradicionais práticas, livres, autônomas –, mas a guerra ocupava lugar central entre os Nivaké. Até o início de 1930 – o Chaco paraguaio era um território exclusivamente indígena: terra incógnita que até os paraguaios pouco conheciam.

Em 1932, o Estado boliviano tentou anexar essa região – a Guerra Mortífera – a guerra do Chaco que opuseram bolivianos e paraguaios, que acabou em 1935, com a derrota do exército da Bolívia. Não resta dúvida, mas é preciso ainda investigar o ethos guerreiro das sociedades sul-americanas e experimentar os ritos e as técnicas da ‘guerra índia’, com sua solidariedade tribal, que conservam em certa autonomia até o presente: armar emboscadas para os inimigos hereditários, como os Toba argentinos e os Chulupi. Como atravessar o ‘monopólio da violência organizada’, cuja capacidade militar se exerce contra os inimigos, traçada por guerreiros em fuga – prisioneiros da morte, mas num canibalismo quase banal: nus e a chacoalhar os seus escalpos.

Como imaginar a chuva de balas que se sucedeu após 1935, com o fim desse armistício até resultar, no final do século XX, no ‘nacionalismo militar andino’? Em termos etnopolíticos, a imperial submissão incaica entrava em choque, em suas franjas territoriais com um povo que esconjurava o poder, desobedientes, insurretos, florestanos. Em termos técnico-econômicos, uma cultura da guerra tribal se fundiu a uma cultura do petróleo. Máquina de Guerra Primitiva que engole os complexos industriais? As duas direções da máquina de guerra deleuze-guattariana convergem pela primeira vez, quando a Guerra do Chaco foi promovida na América do Sul? A colisão do Primeiro e do Terceiro mundo no locus da emergente exploração da natureza? Os complexos-industriais confrontam o ambiente selvagem e mobilizam bandos, tribos e toda uma espécie de nativos, ávidos por guerra? Que motor foi esse? Que propulsão foi essa movida por ‘guerras tribais’ e ‘complexos industriais’? Como decifrar a intercalação de paisagens paradisíacas [Andes, Pampas, Patagônia] em ‘ecossistemas maquínicos’? No Novo Mundo, seja na costa do Pacífico seja no litoral Atlântico, de leste a oeste em vasta paisagem selvagem, emergiram máquinas sociais ávidas por guerra, petróleo e justiça... o que seria mesmo o ethos guerreiro sul-americano?