segunda-feira, 18 de maio de 2009

Theatrum Videpolítico da Guerra


Os neoliberais obtiveram um ótimo exercício tecnológico a partir de 1970, com a crise do petróleo, houve o desenvolvimento de uma típica máquina de guerra que tanto se refere a uma ‘máquina de visão’ quanto a uma ‘máquina genética’. Deleuze e Guattari, em Mil Platôs afirmaram a natureza nômade de uma máquina de guerra e sua exterioridade ao aparelho de Estado, demonstrando sempre a sua oposição a ele. Destacam-se as metamorfoses de uma máquina de guerra estatal em complexos industriais-militares e bandos, grupelhos, minorias. Mas, agora se discute as metamorfoses de outra máquina de guerra, a liberal. Manuel Castells sinalizou, em sua Sociedade em Rede, a eficiência dos neoliberais em promover uma transmissão global de informação em rede: o ‘informacionalismo’. Entretanto, Paul Virilio identificou o setor informacional como uma ‘máquina de visão e velocidade’.
A máquina de visão é historicamente policial e tem sua origem ligada aos aparelhos jurídicos de investigação, toda sorte de técnicas datiloscópicas, picturiais, arquiteturais, fotográficas, videográficas, cinematográficas, informáticas capturadas à distância. A invenção francesa revolucionária que tornou o olho um símbolo da sua polícia, o espião, para que o espaço público fosse iluminado como o espaço privado. Parece ser daí que resulta todo um discurso policial-neoliberal recente, que envolve os enunciados ‘transparência’ e ‘ética’ ao investigar serviços de inteligência, fraudes e corrupções. Entre os séculos XVIII-XIX, Jeremy Bentham organizou a trama disciplinar das institucionais através do ver-sem-ser-visto em um panóptico arquitetural, enquanto nos séculos XX-XXI o sinóptico é uma nova industrialização da visão, descrito por Zygmunt Bauman, operacionalizado por uma televigilância que se sobrepõe em um ciberespaço. Caráter policial da máquina de visão, mas também de propaganda. Nessa perspectiva, na Segunda Guerra, Hitler e Goebbels (ministro da Propaganda e ‘patrono’ do cinema) criaram os precursores do intervalo comercial. Foi Hitler quem disse que a função da artilharia e da infantaria será assumida no futuro pela propaganda. Em uma guerra, trata-se de apropriar bens materiais e territórios, mas, sobretudo de captar a imaterialidade e de manipular a percepção. Um agenciamento que envolve não mais a vigilância policial, mas acopla em uma só companhia a imagem, tática e roteiro, ou seja, coordenar cinema, exército e propaganda.

O espaço público se retrai a medida mesmo em que ele se torna midiatizado. Os conflitos entre políticos, empresários, sindicatos, movimentos sociais são negociados através dos jornais e televisão, García Canclini denunciou a ‘videopolítica’ como uma tecnoburocratização dos regimes neoliberais em detrimento da dissolução da participação popular. De todo modo, a política é um teatro, conforme Thomas Morus, mas muitas vezes se representa no cadalfo, proposição que exprime perfeitamente a essência do jogo político que envolve as Comissões Parlamentares de Inquérito. Entre estatistas e liberais, petistas e tucanos, a CPI muda de forma, porque a máquina de visão está com os neoliberais. Rumo às eleições, pelo andar da carruagem, maio de 2009, deduz-se que não só um investimento sobre a Petrobras, mas qualquer comissão de investigação estabelecida por liberais opositores no Brasil possui fins propagandísticos. Evidencia-se uma guerra em que o adversário vai, seja ele liberal ou trabalhista, se sucumbir a uma explosão da informação.

Desse modo, é preciso, primeiramente, promover um cálculo de forças e verificar os efeitos de poder de uma investigação que conta com a engenhosidade de uma ‘máquina de visão’. Percebem-se ‘atos cômicos’, de um lado, a propaganda como um efeito positivo que pode causar em qualquer CPI, porque essa propaganda pode surpreender a oposição e acabar saindo como um ‘tiro pela culatra’, ou seja, encontrando ou não o delito, a investigação midiatizada pode causar uma comoção da população em defesa do investigado, que se refere atualmente a todo o complexo industrial-militar petroquímico brasileiro, ou seja, a propaganda como ‘arma de teatro’. Os ‘atos trágicos’ se perfilam, de outro lado, caso a infração seja definida, cria-se um cálculo negativo para o governo, gerando uma propaganda positiva para a oposição, mas somente a partir da detecção do crime, no caso, dos delitos encontrados na Petrobras, isto é, a força de polícia se aplica como lei para capturar um ‘bode expiatório’ transladando-se por todo um ‘teatro de operação’. Se os neoliberais iniciam uma inquisição deste tipo é porque partem de um ato ilícito, indício de uma ilegalidade, através de um aparato judiciário e não vão faltar gritos em favor do Estado de Direito! Videopolítica que se dirige, portanto, para a direita, onde resta toda uma morosidade do tempo jurídico e inquisitorial, mas à esquerda é preciso criar um motor capaz de produzir mais e mais velocidade na veiculação de informação.

O modelo da máquina de guerra é problemático e em se tratando de uma máquina informacional, de visão, deve-se partir de uma tríplice ‘estratégia da informação’: publicidade, propaganda e probabilidade – visibilidade, difusão e estatística – alinhadas numa retroalimentação altamente auto-corretiva, capturando e alterando a opinião pública, sucessivamente e incansavelmente, a partir de elementos (dados, fatos, comentários) que induzam a população contra o adversário. Triplicidade do jogo estratégico: tornar público e visível o ato, propagar e difundir a opinião, calcular os efeitos positivos e negativos num espaço bifásico, por conseguinte, avaliar os resultados e iniciar indefinidamente a estratégia até saturar os efeitos que se persegue numa das fases. Nesse modelo de ‘guerra’, trata-se menos de se defender ou atacar do que condicionar os reflexos e interferir no comportamento da massa, assim se apropriar da dimensão imaterial e perceptiva dos sujeitos (o alvo da informação). O bombardeio pela propaganda orienta a opinião pública, que assim vai qualificar os atos de defesas e de ataques, ora como trágicos, ora como cômicos, numa guerra midiática.
Trocando em miúdos, os eleitores já estão familiarizados com esse ‘efeito auto-corretivo’ dessas manifestações inquisitoriais, desde que a CPI se generalizou como instrumento de oposições a governos brasileiros, uma tragédia que se irrompe e sempre ‘vira pizza’, comédia! ‘Guerrilha passional’, portanto, subjetiva, comportamental. Seja qual for a ilegalidade, os neoliberais instituem uma investigação pública e procuram limitar o poder do Estado, utilizando-se da máquina informacional cria-se um estigma, um rosto, um bode expiatório. Votam-se nos neoliberais porque um candidato tem em segredo uma ex-mulher. Votam-se nos neoliberais por causa do mensalão. Votam-se nos neoliberais por causa do caos aéreo. Propaganda de natureza extrínseca, sempre derivada de um erro, uma pena, de um crime. Votam-se nos neoliberais por causa de impeachments. Assim seria possível pensar que os eleitores passem para a oposição tucana, não por concordarem com a livre concorrência, não por estarem em consenso com as leis do mercado – votam nos neoliberais através dessa ‘ilusão midiática’ que resultou da relação entre a criminalização da razão do Estado e da sua pressuposição em relação aos mass media. Eis, pois, de que modo uma ‘máquina de guerra’ ilusionista é acionada pela junção de mecanismos jurídicos com dispositivos midiáticos. Afinal a guerra acabará quando for alterado o comportamento de um terceiro incluído, o povo, que pune ou absolve, justiça seja feita, tendendo para um ou outro lado da balança, no momento certo: na urna. Neste sentido, inverte-se o aforismo de Clausewitz, a política é a continuação da guerra por outros meios...

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