quarta-feira, 20 de maio de 2009

Trucagem Ilusionista de Guerra


O Brasil entra no inverno de 2009, às vésperas das candidaturas, um anos antes das eleições majoritárias, quase cumprindo os dois mandatos de Lula da Silva no governo. As câmeras e os holofotes se acendem. Época trágica de teatralização política que se aproxima junto com as comissões parlamentares de inquérito. A bola da vez é a propaganda do petróleo: BR. Inicia-se o espetáculo jurídico midiático mais aterrorizante que já se viu na genealogia das guerras. Tudo isto nos leva a questionar sobre o paradoxo da censura entre governo e mídia que se revela a partir de uma ‘perversão’ das leis, que não tem como não deixar de beneficiar as redes de comunicação. A imprensa não tem a liberdade de promover anúncios falsos, mas possui legalmente o poder de mentir e vetar o que não lhes provier. Recentemente, mobilizaram-se em campanha, jornalistas, apresentadores e atores repudiando uma suposta tentativa de censura dos meios de comunicação por ações governamentais petistas. Se o monopólio da violência está nas mãos do Estado, a censura exercida pelos diretores de redes de informação torna-se cada vez mais legítima. O caráter publicitário e policial da imprensa se cristaliza nos seus atos de trucagem e censura. Os responsáveis pelos canais de TV possuem a tarefa de julgar, comprovado pelo seu poder destruidor de regimes políticos. Questiona-se, pois, de que modo algumas técnicas são acionadas pelos mass media capazes de constituí-los como a única instituição capaz de funcionar fora do controle democrático? Em suma, quais estratégias e táticas ocultam do grande público toda e qualquer crítica dirigida contra os meios de comunicação? Busca-se, então, questionar de que modo uma distorção da realidade, inerente à produção da informação, maximiza-se através de técnicas de interpretação e trucagem? De que maneira desinformação, simulação, ilusionismo e efeito furtivo podem revelar um complexo conjunto de táticas e estratégias de apercepção?

[1] Desinformação e interpretação – a partir de uma manobra estratégica que transforma o campo de batalha em um campo de percepção, a informação passa a depender cada vez mais de fatores de apreciação e de interpretação à distância. A informação não é mais fixada numa fotografia, ela permite a interpretação do passado e do futuro. A fotografia de reconhecimento aéreo, por exemplo, já depende de uma leitura que possa ser capturada por um ato racionalizado de interpretação, na mesma esteira, a endoscopia e o scanner permitirão uma colagem instrumental e a evidência de órgãos escondidos. Tornar visível o invisível, numa experiência que examina exaustivamente uma determinada imagem atribuindo-lhe sentido ao que parece, em princípio, ser um caos de significações ou que avalia uma paisagem inimiga através da análise das destruições realizadas em elementos camuflados. O desenvolvimento simultâneo da visibilidade e invisibilidade paralelo à origem dessas armas invisíveis herdeiras dos radares, do sonar, das câmeras de alta definição, dos satélites de observação objetivando encontrar tudo além do horizonte, mas principalmente o que existe ou o que não existe. Ficção estratégica da desinformação amplamente utilizada na Alemanha nazista[1].

[2] Simulação – o desembarque de uma tropa militar passa a se assemelhar com um imenso set de filmagem – a paisagem é recoberta por instalações fictícias, construções com papelão, borracha e cabos. Toda uma miríade de técnicos e criadores imaginativos é convocada para a realização desse trabalho de desinformação visual[2]. Outra ordenação do tempo, portanto, as imagens e os signos surgem em telas de controle, ‘telas de simulação’ de uma guerra que parece um cinema permanente, uma TV ligada ininterruptamente. O poder do diretor ou do militar não é imaginar apenas, mas prever, simular e memorizar simulações: as imagens podem ser desprovidas de tensões dramáticas, mas as montagens, associando-se disparatadamente, num ritmo vibrante de um grande acontecimento, a comentários específicos que se projetam sobre o espectador.

[3] Ilusionismo – teatralização trágica e antiga que se reproduz no plágio do mundo visível. As Repúblicas, as democracias não carecem de encantos, elas se tornam acúmulos heterogêneos de ‘ilusão de ótica’. A coisa que se descreve acaba sendo mais importante que o real, na medida em que a imprensa realiza um mercado paralelo da informação. Afirma-se que o realismo é uma ilusão. Desde o século XIX, o ilusionista inventa os objetos sintéticos (bi ou trimórficos) fazendo com que o espectador não veja tudo e que se instale num ambiente de síntese, onde o observador acaba por não ver nada. Transfere-se a ilusão para a realidade do campo de batalha: industrialização do não-olhar. Tende-se a colocar sobre o invisível a máscara do visível através de técnicas em que o nosso cegamento ou incapacidade visual fica no centro da comunicação. O século XX foi então não o da imagem como ótica, mas como ilusão de ótica.

[4] Efeito Furtivo – antecipa-se o desaparecimento da imagem e, com efeito, a destruição de sua representação[3]. Se aparentemente entrávamos, no pós-guerra, na era da ‘simulação generalizada’ das missões militares, com todo o ‘teatro de operação’ midiatizado pela tela de TV e cinema, realmente estamos na era da ‘dissimulação generalizada’. Enganar sobre a duração da trajetória e tornar secreta a sua imagem, camuflar os “vetores de liberação de explosivos”, isto é, os aviões, os navios, os foguetes... a trajetografia como nova disciplina balística[4].

Não basta apenas que a lei se perverta e possibilite aos mass media a irrecusável omissão, veto e censura a quaisquer rumores sociais que devam ser desaprovados. É certo que nessa política de guerra a estratégia da velocidade é capaz de aniquilar a representação de uma imagem. Estratégia furtiva que se desenvolve com base na interpretação e na simulação dos fatos. A prática da desinformação promove o pânico e o terror na sociedade capitalista cada vez mais mergulhada no ‘espetáculo’, visível sob a perspectiva do italiano Debord. Táticas inscritas na história ocidental da política nazi-fascista. É que numa perseguição visual torna-se necessário abolir a distância (por meio dos transportes e das armas), afinal aqueles que escapam utilizam menos uma arma de destruição do que uma arma de distanciamento, situando-os no local apartado da pura distância, já que a ‘arte da guerra’ visionária e ilusionista busca aproximar o ator do público... toda uma trama de técnicas foram desenvolvidas por meio de uma trucagem que promovem a destruição, aniquilação e o desaparecimento da imagem através de ilusionismo e interpretação. Técnicas que, portanto, levam-nos a mais eficaz forma de defesa, ou seja, ao silêncio e à cegueira[5]. Mundo da desinformação maquinado por táticas que não só precipitam as formas pelas quais os media inscreveram todo um modo novo de silenciamento e censura das imagens, como nos induz, por meio dessas mesmas táticas, a seguir o caminho das sombras[6],
na apercepção dessa trajetória ganha com mais celeridade, afastando-se das armas de propaganda, caso precisemos fugir do alvo e do zoom-zoom-zoom de tantas câmeras que tanto furtam imagens, distorcendo sua natureza. Em tempos de transformação política, para se manter no poder, é preciso se valer da estética da aparição, mas para uma boa defesa, estratégias de desaparição conduzem em ritmo adequado as propagações e criam uma ilusão de que estamos no silêncio e no interior da Câmera Escura - ação.


Notas:
[1]Paul Virilio ressaltou, em seu livro Guerra e Cinema, que Joseph Goebbels (ministro de propaganda de Hitler) era um mestre da desinformação ou da propagação de rumores contraditórios, na época do holocausto, os judeus eram capturados por uma implosão da informação que os impedia de compreender o que realmente acontecia, eles acabaram não acreditando em seu próprio extermínio, a transparência das fontes e documentos fotográficos desvalorizavam as informações verídicas.
[2] Estúdios célebres (como o Shepperton em Londres) consagravam-se pela fabricação de falsos blindados e navios de desembarque.
[3] A destruição da representação é mais bem compreendida por um exemplo constante na obra de Paul Virilio, sobre os caças F117 americanos que ilustram os avanços tecnológicos da guerra, típico avião fantasma cuja habilidade não é ser captado pelos sensores dos radares, uma vez que na nova guerra óptica eletrônica o que é visto já é destruído, então, mais vale ser destruído antes de ser visto. Trata-se de uma força de penetração capaz de desafiar os raios de ondas radioelétricas dos radares e de cegar as telas de controle. Esse avião-fantasma emite armadilhas para modificar o campo de percepção do adversário e é um objeto de síntese que antecipa o desaparecimento de sua própria imagem, a destruição de sua representação. O ‘furtivo’ restitui a opacidade do distanciamento, o cegamento da velocidade, ao colocar a máscara do visível sobre o invisível. O F117 é apto às camuflagens em relação direta com a rápida identificação de alvos, alvos que já não são simplesmente mísseis falsos ou verdadeiros, mas verdadeiros ou falsos sinais de radar, verossímeis ou inverossímeis imagens, acústicas, óticas ou térmicas.
[4] Referir-se a uma ‘auto-correção’ da informação no seu processo de propagação é, neste sentido, o mesmo que a antecipação própria de um feedback, entendido como resultado imediato de uma tecnologia onde os acontecimentos se desenrolam ao mesmo tempo em que os dados recebidos são organizados, obedecendo sua distorção relativa e contingente: o poder de resposta repressiva depende do poder de antecipação.
[5] Como Canetti descreveu, em Massa e Poder, os perigos do ato de se calar, aquele que se cala não se entrega. Do mesmo modo que Paul Virilio se serviu, em Arte do Motor, das técnicas aeroespaciais dos aviões-caça que precipitavam sua sombra, promoviam a sua invisibilidade, antes da sua inserção no espaço eletromagnético varrido por sensores e radares.
[6] Susan Willis analisou, em seu texto “Somente o Sombra Sabe”, no livro “Evidências do Real”, a existência do monte Weather e do Raven Rock, sedes secretas subterrâneas do governo paralelo norte-americano, esconderijos criados na época da Guerra Fria, como locais para conservar arquivos e abrigar líderes governistas, se caso ocorressem ataques nucleares; também do Minder – sistemas de radar leves e portáteis disponíveis projetados para serem instalados nos tetos dos carros; mas especialmente do mito bororo, a mágica do morcego, uma brincadeira de indígenas brasileiros, que se baseia na emissão sonora capaz de detectar a presença de objetos.

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