quarta-feira, 20 de maio de 2009

Explosão Midiática Transpolítica


Investigam-se os mass media como uma “tecnologia de poder” difundida ao longo das guerras mundiais, a partir de um duplo mecanismo político-jurídico, ‘transpolítico’. Por um lado, os meios de comunicação se beneficiam de certa ‘depravação’ das leis democráticas. A televisão e a imprensa não são livres para anunciar notícias falsas, mas a legislação lhe concede outro poder, o de mentir por omissão, assim, censurar ou vetar o que não lhes convém. Por outro lado, a censura governamental é tida como inadmissível, mas a censura exercida pelos diretores de redes é legítima. Os responsáveis pelos canais de TV possuem a tarefa de julgar, atribuindo-se o poder de recusa aos dirigentes de um governo. Golpe informacional, portanto, a imprensa provou que é capaz de destruir regimes e de traí-los, de improvisar outros no seu lugar. No Brasil, a ‘operação caras pintadas’ e o ‘Fora Collor’, no final da década de 1990, explicita o poder de um golpe informacional, tanto para eleger como para destituir um presidente eleito por impeachment. Este é o ‘quarto poder’ denunciado por Paul Virilio, como a única instituição capaz de funcionar fora do controle democrático eficaz, por tornar desconhecida do grande público toda crítica dirigida contra ele.

Como este poder midiático altamente destrutivo se estabeleceu no Ocidente? Em que medida os campos de batalha tornaram-se campos de percepção, cuja teatralização é captada por uma ‘câmera’, ora como um típico motor, ora vista como uma arma, tendo a propaganda um dos seus maiores expoentes, fazendo dos líderes políticos verdadeiros cineastas, em suma, superstars?
A principal finalidade da guerra é produzir um espetáculo, busca-se menos abater o inimigo do que cativá-lo. A guerra subsiste na representação e as armas são mistificações psicológicas, ou seja, além de ser instrumento de destruição, as armas são instrumentos de percepção: estimuladores que provocam fenômenos químicos e neurológicos sobre os órgãos dos sentidos e o sistema nervoso central, para afetar a própria identificação dos objetos percebidos. Os campos de batalha vão se tornando assim campos de percepção[1]. Na Segunda Guerra, as salas de comando e os gabinetes de guerra não se localizam mais próximos aos campos de batalha, mas em Berlim ou Londres. Dentro de sua especificidade, não é forçoso afirmar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), televisionada pelo próprio legislativo em tempo real, propagada e editada pelos mass media, promove um efeito ‘teatral’ da guerra espetáculo em plena capital do Brasil. De modo amplo, o ‘teatro de operação’ está privado agora da extensão espacial real, portanto esses núcleos de interação reúnem uma infinidade de informações e mensagens, retransmitidas no sentido apropriado para o universo que lhe é próprio.

A espetacularização da política e seus efeitos de oposição aos governos instrumentalizam-se pelas objetivas das câmeras, arma e motor de um jogo de imagens. A câmera não serve só para produzir imagens, trata-se mais de manipular e falsear informações. Cria-se o onírico, a ‘alucinação visual’. A diferença principal entre o ‘motor-câmera’ e a fotografia está no ponto de vista móvel e não na estagnação do foco – produz-se a confusão com velocidades veiculares. Todo equipamento de filmagem se torna móvel, assim a velocidade surge tanto como grandeza primitiva da imagem quanto como origem da profundidade. Automobilidade cinética do ‘motor-câmera’, que funciona como se tudo não se passasse de um problema de velocidade. A ação dessas armas é subversiva, pois uma forma se dissolve diante de nossos olhos e logo surge outra que se reconstitui[2]. Era transpolítica em que o poder real se divide entre a logística das armas e a logística dos sons e imagens, entre gabinetes de guerra e escritórios de propaganda. Mussolini dizia que a propaganda era sua melhor arma. Assim, faz sentido questionar por que é tão interessante para os neoliberais interpelarem os patrocínios, custos em propaganda, realizados pela Petrobras em uma ‘CPI superexposta’[3], manobra altamente fascistizante. A propaganda torna-se um objeto analítico de mão dupla, reflexiva, pois os governistas se sentem vítimas de uma propaganda política da oposição com a CPI da Petrobras, enquanto os tucanos buscam inquirir as propagandas da multinacional. Todo o conjunto dessa ação demonstra movimentos que se submetem a tarefa de uma direção com caráter de uma ‘revelação’: ação de um deus que revela verdades aos homens, que por si mesmos são incapazes de serem descobertas. Não tardou por alastrar-se pela Europa Ocidental e União Soviética uma espécie de comandantes militares, revolucionários, líderes, Führer que buscavam exercer sobre as massas o mesmo carisma que os cineastas e atores, na medida em que o ‘star-system’ se esforça para canalizar e aproximar a estrela do público[4]. A partir da década de 1990 essa tecnologia de poder, que une propaganda e política, desenvolve-se no Brasil e transformam os parlamentares em superstars, conhecidos pelo país, em períodos de CPI e de eleição. Paradoxo de um mecanismo de poder que se volta contra o Estado, que derruba legisladores, mas, ao contrário, sob um bombardeio de propagandas pode insuflá-los de carisma.
Notas:
[1] Os ingleses, por volta de 1930, abandonaram os meios convencionais de defesa para se dedicar à pesquisa da percepção: início da cibernética, do radar, da goniometria, da microfotografia, do rádio – das telecomunicações. Trata-se da expansão do campo de percepção dos conflitos em que a radiolocalização (o radar) é um instrumento que informa a um observador afastado a presença dos objetos, com o aperfeiçoamento das imagens eletrônicas (imagem radar).
[2] No final do século XIX, um arsenal de armas foi experimentado, em 1874, o francês Jules Janssen criou o seu revólver astronômico para tirar fotografias em série; mais tarde foi Étienne-Jules Marey aperfeiçoou o fuzil cronofotográfico que focalizava e fotografava objetos em movimento; em diversas combinações, balões equipados com um telégrafo cartográfico aéreo sobrevoavam e observavam campos de batalhas; os russos já utilizavam, desde 1904, refletores na defesa noturna, acoplados às câmeras-metralhadoras.
[3] A CPI em sua superexposição midiática é dinâmica como um filme, ela não é estática como uma fotografia. ‘Filme de guerra’, portanto, ‘filme de propaganda’ como produto histórico determinado. Nos últimos 150 anos, houve uma decadência da visão direta, o campo de tiro transformou-se em campo de filmagem, o campo de batalha tornou-se uma locação de cinema fora do alcance dos civis, mas acima de tudo trata-se de um olhar sobre o que se move.
[4] Por um lado, foi assim que Hitler, com seu extraordinário conhecimento técnico nos campos de direção teatral, trucagem, mecanismos de alçapão e cenas giratórias, acima de tudo, os usos possíveis de iluminação e refletores, além de ter sido um grande criador de logotipos, preocupava-se mais com a eficácia psicológica de uma arma do que com sua força operacional, aumentava o seu poder de sugestão hipnótica, com auxílio de cineastas e diretores de espetáculo, buscando transformar o povo alemão numa massa de visionários involuntários. Hitler declarou em 1938 que as massas necessitavam de ilusão, mas uma ilusão fora dos cinemas e teatros, uma ilusão no lado sério da vida. Por outro lado, atentou-se Susan Willis na introdução de seu livro Evidências do Real que “George Bush é certamente o presidente digital. De fato, toda a sua carreira parece ter sido filmada diante de um fundo azul, crucial para a produção digital das imagens de um super-herói em ação”.

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