sexta-feira, 22 de maio de 2009

Petróleo e Imperium Capitalista


Sabe-se que o Imperialismo Capitalista nem sempre escondeu sua fusão contraditória entre ‘a política do Estado e do Império’ e os ‘processos moleculares de acumulação do capital no espaço e no tempo’, revelando múltiplas relações entre política e economia[1]. Analisa-se, pois, com acuidade, a ‘política do petróleo’ como um paradigma da economia imperialista pós-guerra, ou seja, a busca paranóica norte-americana por controlar reservas de petróleo no mundo, o que sinaliza uma economia orientada tanto para a guerra quanto para promoção de uma mercadoria singular que também cumpra, no final do século XX, um papel semelhante ao do ouro no imperialismo ibérico do século XVI.

A passagem do controle inglês no Oriente Médio para os americanos é relativamente recente, marco da descolonização nas décadas de 1950-60. Esta passagem não se sucedeu sem resistências e conflitos, o primeiro boicote do petróleo pela OPEP e em seguida a grande elevação dos preços, em 1973, tornou cada vez mais ilusória a manutenção de um domínio indireto e distante dos representantes. Controlar o Oriente Médio é controlar a torneira de petróleo e a economia global. Os EUA estimularam o Iraque na guerra contra o Irã, com efeito, foi possível verificar um crescimento do poder iraquiano, que lhe incitou até a Guerra do Golfo. Mantém-se a geopolítica da guerra contra o Iraque, até torná-los clientes americanos. Atualmente os Estados Unidos receberam intensa oposição no Iraque, devido a associação estabelecida entre guerra e petróleo, por isso suas empresas foram excluídas desses campos de petróleo.

Um plano de implantação da democracia no Iraque favorável aos Estados Unidos envolve algumas estratégias de configuração regional do poder político-econômico no Oriente Médio para a hegemonia global yankee[2]: [a] derrubar Chávez e Saddam; [b] armar Sauditas e Judeus; [c] passar os conflitos do Iraque para o Irã; [d] impor presenças militares na Ásia Central (domínio do Mar Cáspio); [e] deste modo, os EUA dominariam as maiores reservas do mundo e a economia global nos próximos 50 anos[3].

Este é apenas um panorama global pelo qual o petróleo se enquadrou na economia imperial do século XX. Afora os sentimentos patriotas e as afecções populistas, nacionalmente centrados, que rondaram a origem da Petrobras, então não resta dúvida que uma investigação na estatal vai interferir nas suas atividades pelo mundo. A Petrobras não representa só os interesses do Brasil, há capital privado e externo aplicado na empresa. O discurso neoliberal parece muito simplista e não observou atentamente a este aspecto internacional que envolve uma multinacional deste porte com os efeitos estonteantes da crise global atual; eles estão focalizados objetivamente nos resultados das próximas eleições, afinal os opositores limitaram-se aos interesses locais ou internos referidos a Petrobras, strictu sensu, enunciado claramente pelo mote do patriotismo[4].

É preciso ressaltar a função do petróleo na economia política mundial, assim, promover no país um inquérito sobre as atividades da Petrobrás é no mínimo um ‘paradoxo político’ irrefutável, ao mesmo tempo em que se percebem, no circuito interno da política brasileira, efeitos tendenciosos dessas ‘irregularidades econômicas’. Referir-se, em primeiro lugar, a um ‘paradoxo político’ irrefutável é destacar o posicionamento de patriotas (governista) e privatistas (oposicionista) nesses inquéritos. Óbvio que, tal como nos informa Leitão, “a Petrobras nunca foi colocada no programa de privatização, e vendê-la seria um erro gigantesco porque se criaria um monstro”, o que não justifica muita coisa, afinal quem está sendo questionado como privatista são os próprios opositores, não se discute se a empresa vai ou não ser privatizada e porque não foi; monstro por mostro, o capitalismo é tão monstruoso como o neoliberalismo, que encontra principalmente nas leis do mercado e das privatizações a sua articulação com o capital. Ou seja, uma comissão de inquérito sobre a Petrobras só beneficia a oposição, mais uma vez, Leitão tem razão quando escreveu que “a Petrobras não sairá de lá [CPI] desmoralizada, não perderá reputação”, lógico, a inspeção não se direciona a ela, afinal “não é ela que está sendo analisada, mas sim a atual administração [Lula], por seus supostos erros e omissões”. Resulta daí um paradoxo, em que a oposição segue em significativa desvantagem: se a situação é julgada por se vangloriar de um patriotismo relativo a empresa, onde se destaca a auto-suficiência, o pré-sal e os seus altos lucros, então a oposição acabou se levando ao julgamento que a responsabiliza pelas privatizações que fez no país. Assim, encontrar irregularidades numa estatal desse porte justifica a pauta de privatizações tucana, além de por em cheque o regime adotado pelo governo, por maiores que sejam os êxitos da empresa. Enfim, em segundo lugar, trata-se de irregularidades econômicas, listadas nos jornais: patrocínios a sindicatos, dúvidas sobre a distribuição de royalties, impostos, operação do projeto Águas profundas. De um lado, questiona-se a oposição: se, talvez, essas irregularidades não são pontuais demais para necessitarem de uma 'maquinaria jurídica' tal como ma CPI, às vésperas da eleição? Contudo, devem-se investigar tais ilicitudes, mas será que há outros procedimentos jurídicos mais adequados que uma CPI para inquirir esses indícios? O legislativo deve investigar o executivo, mas em que medida essas irregularidades, tão periféricas (vide a dimensão comercial e industrial que a Petrobras assumiu pelo mundo no último governo) mereceriam necessariamente destaque em uma CPI?

A banalização das CPIs acontece por causa do hábito das oposições as utilizarem como recurso indiscriminado e midiatizado, onde só se percebem excesso e banalização da punição[5].
Fica evidente que a atual oposição busca imputar uma ordem econômica ao Estado, portanto, “ao poder público nunca intervirá na ordem econômica a não ser na forma da lei”[6], através deste ‘teatro da superexposição’, com a CPI da Petrobras, a direita acabou delatando uma tendência à incorporação da economia a centros de decisão cada vez mais próximos da administração e do Estado, isto é, a condenação histórica do capitalismo.

Condenar o capitalismo é, portanto, interferir diretamente nos interesses neoliberais. Através de leis, a CPI é um instrumento capaz de limitar o poder do Estado e atenuar a aniquilação do capitalismo. No Imperium capitalista, um campo de forças articula Estado e capital, entretanto, nessa trama de poder acionada pela Petrobras, uma instabilidade se expõe: os interesses capitalistas neoliberais vêm sendo miniaturizados em detrimento da potência de Estado. A inquisição da Petrobras indica a dissimetria entre estes interesses, midiatizada em tempo real na paisagem alterada do Imperialismo Capitalista atual, propaga-se velozmente esse Theatrum da guerra, deitando culpados e inocentes por todos os lados.

Notas:
[1] Acera das possíveis articulações entre Estado e capital na lógica do Império: “O Anti-Édipo” e “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia” (Deleuze e Guattari); “O Longo Século XX” (Giovanni Arrighi); “O Novo Imperialismo” (David Harvey).
[2]Estas estratégias estão contidas no texto Tudo sobre o Petróleo escrito por David Harvey, em seu livro O Novo Imperialismo.
[3] Em geopolítica, trata-se da constituição da Heartland, Hadolf Mackinder foi seu grande idealizador. Neste caso, não se trata apenas de controlar o petróleo, mas em tornar os EUA uma ‘forte cabeça’ eurasiana e tomar uma forte posição estratégica.
[4] Olhar sobre o passado, sobre a origem varguista desse patriotismo: “O que não dá para entender são os apelos patrióticos contra a CPI. [...] a Petrobras está no imaginário nacional como nenhuma outra empresa por ter tido berço esplêndido: nasceu de uma mobilização popular e de uma teimosia do país contra prognósticos em nosso subsolo”. Míriam Leitão, em sue texto “Leis das CPIs”, em O Globo, 21/05/2009, p.18. [5] Sobre os excessos dos mecanismos punitivos em “Vigiar e Punir” e em “A Verdade e as Formas Jurídicas” de Michel Foucault.
[6] Próprio de um Estado de Direito, trata-se de compreender o enforcement of law como o conjunto de instrumentos postos em prática para dar a esse ato de interdição uma realidade social e política, com base nas explicações de Michel Foucault em seu livro “Nascimento da Biopolítica”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário