sábado, 16 de maio de 2009

Neoliberalismo Ecológico


Aquecimento global, efeito estufa, queimadas, redução da emissão de poluentes, privatização e escassez da água são emitidos pelos mass media e, em muitos casos, desastrosamente são descritos. Um perigo reside nessa abordagem ambiental, ou seja, suas íntimas relações que possui com o regime neoliberal de governabilidade. Discutem-se, então, as relações de forças que resultam da assimilação da perspectiva ecológica pelo neoliberalismo. Das múltiplas junções possíveis entre (neo)liberalismo e ecologia, destacam-se os efeitos geopolíticos que re-significam o ‘direito de propriedade’ e a extensão do ‘mercado mundial’ por meio do desenvolvimento da indústria biotecnológica. Sabe-se que existem liberalismos e liberalismos, entretanto, todos eles se consolidam como Estados mínimos, isto é, não só desenvolvem mecanismos e dispositivos que limitam a razão de Estado, mas ampliam as dimensões do mercado, tendo a dimensão planetária como limite. Através da dimensão biológica ou ecológica, strictu sensu, o mercado mundial se espraia e se subdivide em mercado de carbono, mercado da fotossíntese, mercado genético, entre outros.
A proposição ambiental desenvolvida pelo neoliberalismo estabelece uma tríplice estratégia que aciona uma guerra explícita, desde que a guerra se caracterize, conforme Clausewitz, pela imposição de nossa vontade sobre o adversário. Uma Guerra ou Geopolítica da Natureza é acionada na medida em que três estratégias tornam-se visíveis: [1] a etnobiopirataria, [2] os latifúndios genéticos; [3] divisão ecológica e territorial do trabalho.

[1] Parte de um complexo industrial-científico de caráter estratégico – um projeto estratégico nacional dos EUA[1] – a realização de programas associados à conservação da natureza, ao desenvolvimento econômico e ao descobrimento de drogas medicinais. Resta ainda que empresas financiam investigações e podem patentear os resultados das pesquisas. Os EUA devem garantir a segurança para se apressarem, por um lado, as legislações ao livre acesso aos recursos genéticos, por outro lado, criar leis que assegurem barreiras ao acesso às informações – propriedade privada, patente. Poderíamos designar, por isso, biopirataria a obtenção de informações genéticas – acesso ao gernoplasma – operando como coleta ao azar, sem critério prévio, aleatório. O que acontece e outra manobra estratégica, a etnobiopirataria que significa a colheita de informações sistematizadas por comunidades (camponesas, indígenas e afrodescendentes), isto é, não são apenas as plantas que se levam, mas informações e conhecimentos são apropriados de um povo. As empresas são unidades jurídicas que reivindicam direitos de propriedades sobre conhecimentos de outros povos, de modo tal que, por exemplo, transnacionais farmacêuticas podem desarmar os sistemas locais de saúde para convertê-los em consumidores obrigatórios de produtos farmacêuticos comerciais; [2] Regiões tropicais são as mais ricas em diversidade biológica, mas as grandes corporações do ramo da biotecnologia localizam-se em regiões frias e temperadas (EUA, Japão, Europa do Norte). Deste modo, trata-se de uma situação geopolítica sob novos matizes que deve ser enfrentado por países africanos e asiáticos, mas, sobretudo pelos países andino-amazônicos: Peru, Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Brasil, Suriname. Alerta-se com essas propostas de unidades de conservação ambiental, principalmente, em áreas com elevada diversidade biológica e de grande diversidade cultural como na Amazônia, por envolver recursos provenientes dos países hegemônicos que protegem essas áreas como ‘reservas de valor’ para o futuro – um ‘latifúndio genético’. Num latifúndio genético como o da Amazônia não se pode esconder os diversos interesses sobre os recursos estratégicos existentes: ouro, níquel, zinco, cobre, petróleo, urânio e diversos recursos genéticos. Esta região, por isso, tornou-se uma região própria para a geração de conflitos e tem criado adjetivos para a natureza como área protegidas, parques nacionais, reservas florestais, etc. Acontece que interesses para conservação acabam limitando direitos territoriais nativos;
[3] Esse mecanismo acionado pelo ‘mercado ambiental neoliberal’ corresponde a uma divisão territorial do trabalho pautada nessas premissas ecológicas. Os países industrializados mantêm seu desenvolvimento com certos atenuantes ecológicos, mas esse modelo não pode se estender para outras regiões e povos. Tornando-se ‘lixeira’, ao limpar os rejeitos do Primeiro Mundo, estão populações que vivem pobremente em grandes extensões de suas terras que se transformam em unidades de conservação ambiental (latifúndios genéticos). Apesar dos posicionamentos díspares, grandes corporações obtêm apoio das elites dominantes dos próprios países em desenvolvimento que atraem para seus territórios aquilo que os países desenvolvidos não desejam mais. Observa-se a transferência da indústria de papel e celulose para o Terceiro Mundo, por exemplo, países tropicais em especial, que são indústrias altamente poluidoras – todo o latifúndio monocultor de espécies celulósicas ou de carvão vegetal que existem no Amapá, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O ‘deserto verde’ como uma mancha residual que expressa o empobrecimento genético e provoca o desequilíbrio hidrológico, causam-se danos, enfim, ao meio ambiente na medida em que diminui a diversidade biológica por causa da expansão da agricultura de exportação.

No Brasil, com a economia do açúcar e do café, percebem-se as raízes históricas do liberalismo como modelo agroexportador, Mantega em sua “Economia Política Brasileira” descreveu o modelo econômico liberal ligado a oligarquia agrária comprometida com a burguesia comercial e ao imperialismo financeiro, defendendo o livre trânsito de capitais e mercadorias, estrangeiros e brasileiros. A versão atual do liberalismo no Brasil, sob a alcunha de neoliberalismo é representada pela oposição ao governo de Lula. Recentemente, em uma coluna do Globo, Fernando Henrique exprimiu sua preocupação com o aquecimento global. Enquanto a ‘guerra da natureza’ se instaura por conflitos que resultam da apropriação da biodiversidade e da cultura dos povos; os neoliberais instauram uma comissão de inquérito contra a administração da Petrobrás. Ato ilícito: manobra fiscal que evitou pagamento de impostos. Iniciada a exploração do pré-sal, talvez, o maior símbolo do nacional-desenvolvimentismo foi posto em cheque. Tendo a ‘pirataria biológica’ como prática, neoliberais não podem se vangloriar de sua trágica fábrica de desastres éticos e ecológicos. O petróleo então se tornou a moeda da vez para a campanha 2010, simplesmente assim os tucanos se apropriaram do velho lema trabalhista “o petróleo é nosso” e do trunfo central do discurso petista.

Notas:
[1] Trata-se de um programa que visa o controle da biodiversidade em escala mundial, através de universidades e empresas dos EUA. O programa International Cooperative Biodiversity Group (ICBG) conta com o apoio do Banco Mundial e é coordenado pelo Technical Assesment Group (TAG) formado por três grupos estatais dos EUA: Serviço de Agricultura Estrangeira (FAS), a Fundação Nacional de Ciências (NSF) e o Instituto de Saúde (NIH), ou seja, a tríade Agricultura Ciência e Saúde. O texto de Porto-Gonçalves, a Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, contribuiu para as análises estratégicas apresentadas como prática do neoliberalismo estadunidense.

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