domingo, 4 de outubro de 2009

Zelaya [2]: Estado de Exceção e Guerra Civil


Thaís Oyama, correspondente da revista Veja, publica, em 07 de outubro de 2009, o seguinte, nas páginas 132-3: “Zelaya [...] exortando a população a praticar atos de desobediência civil contra o governo, foi o principal argumento para que o presidente Roberto Micheletti, que substituiu Zelaya no dia 28 de junho, decretasse o Estado de Exceção no país”. A partir disso, destaco duas observações, de um lado a desobediência civil, a guerra civil, de outro, o Estado de Exceção em Honduras decretado por Micheletti, presidente do Congresso Nacional que diz obedecer a Constituição de Honduras, nomeado presidente da república por seis meses, na ausência de Zelaya, suspeito por cometer delitos contra o país, ‘traição à pátria’, além de atos de corrupção. Certamente, Zelaya deve responder aos crimes que cometeu e se cometeu ser punido, mas não se deve por isso derrubá-lo do governo, instaurar um teatro sórdido da Ditadura Constitucional, muito menos implantar um Estado de Exceção.

Em primeiro lugar, entre os elementos que tornam difícil uma definição do estado de exceção, encontra-se sua estreita relação com a guerra civil, a insurreição e a resistência, ou seja, a desobediência civil que aplaca Honduras nesses dias. A guerra civil se situa numa zona de indecidibilidade quanto ao estado de exceção, dado que é o oposto ao estado normal e que a desobediência civil é a resposta imediata ao poder estatal aos conflitos internos mais extremos. Giorgio Agamben, em seu livro intitulado “Estado de Exceção”, define o totalitarismo moderno, neste sentido, como uma instauração, por meio do estado de exceção, de uma ‘guerra civil legal’ que permite a eliminação física dos adversários políticos e de categorias inteiras de cidadãos que, por alguma razão, não pareçam integráveis ao sistema político. Portanto, a desobediência civil provém do Estado de Exceção e não, como quer Micheletti, das exortações de Zelaya à população. Tanto no Direito de Resistência, enfim, quanto ao estado de exceção, o que está em jogo é o problema do significado jurídico de uma esfera de ação em si extrajurídica

Em segundo lugar, se a Constituição hondurenha prevê e evita, em seu artigo 374, o caudilhismo: todo aquele que desrespeitar esse artigo, como tentou Zelaya, deve ser considerado traidor da pátria, delito, punido com quinze a vinte anos de prisão. Mas onde está escrito na Constituição de Honduras que se deve instaurar em quaisquer circunstâncias um Estado de Exceção sob a forma de uma Ditadura Constitucional? Se Micheletti instaurou um Estado de Exceção em Honduras, ele ao mesmo tempo criou um ‘vazio de direito’: uma das características essenciais do Estado de Exceção é, segundo um dos seus maiores teóricos contemporâneos, Giorgio Agamben, a abolição, mesmo que provisória, do poder executivo, legislativo e executivo, o que mostra a tendência do estado de exceção tornar-se uma prática duradoura de governo. Essa promessa da Ditadura Constitucional, sobretudo, de alternação entre formas democráticas de governo traz em todos nós a sensação de uma ilusão, ‘ficção’, caso nos atentarmos numa compreensão de Clinton L. Rossiter [em seu livro Constitucional Dictatorship]: em tempos de crise, o governo constitucional deve ser alterado por meio de qualquer medida necessária para neutralizar o perigo e restaurar a situação normal, mas essa alteração implica um governo mais forte, no sentido de que o governo terá mais poder e os cidadãos menos direitos: a famigerada suspensão dos direitos humanos, constitucionais, etc. Está claro, desde o fim da República de Weimar, que mostrou não ser uma democracia e que o paradigma da ‘Ditadura Constitucional’ funciona, sobretudo como uma fase de transição, mas que leva fatalmente a instauração de um regime totalitário. Por uma ‘inconsciente ironia’, pela primeira vez na história [24 de junho de 1968, a coalizão entre democratas cristãos e socialdemocratas votou uma lei de integração da constituição que reintroduziria o estado de exceção, sob a alcunha de ‘estado de necessidade interna’] a declaração do estado de exceção era prevista Não para a salvaguarda da segurança e da ordem pública, mas para a defesa da ‘constituição liberal-democrata’.

Para compreender a localização de abandono, bando, em que se encontra Manuel Zelaya, adapta-se a concepção schmittiana de soberania, na Politsche Theologie: o soberano [Micheletti], que pode decidir sobre o estado de exceção, garante sua ancoragem na ordem jurídica. Mas, enquanto a decisão diz respeito aqui à própria anulação da norma [deposição de Zelaya], enquanto o estado de exceção representa a inclusão e a captura de um espaço que não está fora nem dentro [sobre a embaixada brasileira, por exemplo, as práticas diplomáticas de Celso Amorim]; o soberano [Micheletti] está fora da ordem jurídica normalmente válida [óbvio] e, entretanto, pertence a ela, porque é responsável pela decisão quanto à possibilidade de suspensão da constituição. Estar fora e ao mesmo tempo pertencer que atinge Zelaya e a embaixada brasileira, bem como assustadoramente Micheletti: eis, pois o paradoxo topológico do estado de exceção.

O Estado de Exceção é um espaço anômico, onde o que está em jogo é uma 'força de lei sem lei'. Esse é o nó que falta desatar em Honduras e desamarrar a exceção, através de atos diplomáticos. Então, tal 'força de lei sem lei' define o ato e a potência como elementos separados de modo radical, certamente como um elemento místico, ou melhor, um ‘fictio’ por meio do qual o direito busca atribuir-se a sua própria anomia.

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